Por Carlos Nuno Castel-Branco
Estou feliz que estamos a ficar
conscientes sobre a problemática da divida pública, e que mais e mais jovens
analistas moçambicanos se preocupam com e aprofundam os estudos sobre esta
problemática. Mas devo repetir que esta problemática tem pelo menos cinco
lados:
(1) o peso (montante e peso nas
ou em relação com outras variáveis económicas);
(2) a eficiência da despesa
pública (se custa mais ou menos de acordo com standards de eficiência altos -
por exemplo, será que o mesmo aeroporto ou estrada ou presidência custaram
significativamente mais do que deveriam, ou não? Teria sido possível atingir o
mesmo objectivo com menos requinte e desperdício e com custo mais baixo?);
(3) a prioridade no tempo (será
que hoje, nas circunstancias de hoje, este projecto é prioritário relativamente
a outras necessidades?) e a prioridade social (que problemas resolve e quem
ganha e quem perde);
(4) o retorno social (benefícios
para a sociedade como um todo que produzam mais beneficios) e financeiro (despesa
é um negócio, e grande despesa pública em investimentos de grande escala é um
duplo grande negócio: as obras em si e a gestão e negociação comerciais da
dívida);
E (5) o financiamento da despesa
e da dívida. No caso moçambicano, o grande capital internacional e alguns
grupos capitalistas nacionais aliados aquele beneficiam da dívida pública por
via de 5 mecanismos, a saber: (a) fazem as obras; (b) beneficiam de
financiamento publico e socialização de custos via parcerias público privadas;
(c) concedem empréstimos; (d) faz ou participa na gestão comercial da divida;
(e) tem benefícios fiscais.
Naturalmente, obras intensivas em
capital e caras são as mais interessantes e apetecíveis do ponto de vista do
capital financeiro, mesmo que tenham limitado impacto nas pequenas e médias
empresas e no nível de vida dos não favorecidos e acelerem o endividamento
público.
Quando o endividamento público
NÃO está relacionado com o alargamento e diversificação articulada da base
prosutiva e fiscal, tem dois impactos financeiros graves: aumento do custo do e
redução do acesso ao capital para/pelas pequenas e médias empresas, o que
dificulta a diversificação e articulação da base produtiva e a generalização
dos benefícios do crescimento económico; redução da capacidade do Estado de
prosseguir politicas económicas e sociais mais amplas. No caso das economias
ocidentais, o Estado foi expropriado para salvar o capital financeiro. No caso
moçambicano, o estado está a ser expropriado para promover acumulação
capitalista primitiva. Estes dois problemas são agravados pelos incentivos
fiscais para o grande capital (que reduzem o potencial de receita pública e
aceleram a dinâmica de dívida em favor do grande capital), e pela
inconsistência entre política fiscal e monetária que daqui resulta.
Sobre o peso da divida na
economia, há quatro pontos a saber.
(1) as medidas de austeridade e
estabilização que estão a ser seguidas em Moçambique há mais de duas décadas
criaram uma grande margem para endividamento "sustentável" - numa
certa medida, eramos "ineficientemente" pouco endividados ou, por
outras palavras, tínhamos muito mais potencial de dívida que o que estávamos a
usar.
(2) a definição de
sustentabilidade é questionável, em especial numa economia dependente de fluxos
externos de capital e porosa (com elevada perda, para o exterior ou via
privatização de ganhos, do excedente gerado). Há um artigo de Rogerio Ossemane
no livro "economia extractiva e desafios para industrialização em
Moçambique" (que pode ser downloaded do site do IESE, www.iese.ac.mz ) ) que trata desta questão - o
problema da medição da sustentabilidade em economia dependente e porosa.
(3) a dívida está a aumentar
muito depressa, começando a tornar-se na modalidade preferida de financiamento
do Estado, começando a correr sérios riscos de os limites serem atingidos antes
da travagem ser possível. As causas são várias - interesses do grande capital +
margem de endividamento grande + não consideração da porosidade da economia,
entre outras. As implicações também - expropriação do Estado e penalização da
pequena e média empresa e do emprego. Os perigos também, dado que na margem
pequenas variações no rating de Moçambique (que piora com endividamento), nos
juros internacionais e na velocidade de expansão das economias emergentes podem
fazer eclodir uma crise de dívida. Fernanda Massarongo e Carlos Muianga têm
vários trabalhos interessantes sobre estes temas em várias publicações
disponíveis no website do IESE.
(4) o potencial de endividamento
para desenvolvimento está a ser gasto rapidamente em projectos que reproduzem
uma economia afunilada (em termos de padrão de produção, distribuição e
consumo) e dependente, e está a multiplicar canais de endividamento.
Ao falarmos da dívida, temos que
tratar dos cinco lados mencionados no início destas notas, com a calibração
feita ao longo da nota (por exemplo, sobre os problemas com a definição da
sustentabilidade). E não se esqueçam do debate original desta questão - a
economia politica dos incentivos fiscais aos grandes projectos e da renegociação
e transparência doa contratos. Estou feliz que este assunto esteja a ficar mais
e mais presente no debate. Se conseguirmos fazer com que o debate político e a
cidadania política se foquem em questões como esta - que não é só sobre dívida
mas sobretudo sobre opções e prioridades de desenvolvimento - em vez de na
origem e ala do candidato a ou b, estaremos a dar passos fundamentais em
frente.
Fonte: mural do autor (facebook)
Nota: O título é meu
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