sexta-feira, março 07, 2014

A problemática da dívida pública

Por Carlos Nuno Castel-Branco

Estou feliz que estamos a ficar conscientes sobre a problemática da divida pública, e que mais e mais jovens analistas moçambicanos se preocupam com e aprofundam os estudos sobre esta problemática. Mas devo repetir que esta problemática tem pelo menos cinco lados:

(1) o peso (montante e peso nas ou em relação com outras variáveis económicas);

(2) a eficiência da despesa pública (se custa mais ou menos de acordo com standards de eficiência altos - por exemplo, será que o mesmo aeroporto ou estrada ou presidência custaram significativamente mais do que deveriam, ou não? Teria sido possível atingir o mesmo objectivo com menos requinte e desperdício e com custo mais baixo?);


(3) a prioridade no tempo (será que hoje, nas circunstancias de hoje, este projecto é prioritário relativamente a outras necessidades?) e a prioridade social (que problemas resolve e quem ganha e quem perde);

(4) o retorno social (benefícios para a sociedade como um todo que produzam mais beneficios) e financeiro (despesa é um negócio, e grande despesa pública em investimentos de grande escala é um duplo grande negócio: as obras em si e a gestão e negociação comerciais da dívida);

E (5) o financiamento da despesa e da dívida. No caso moçambicano, o grande capital internacional e alguns grupos capitalistas nacionais aliados aquele beneficiam da dívida pública por via de 5 mecanismos, a saber: (a) fazem as obras; (b) beneficiam de financiamento publico e socialização de custos via parcerias público privadas; (c) concedem empréstimos; (d) faz ou participa na gestão comercial da divida; (e) tem benefícios fiscais.

Naturalmente, obras intensivas em capital e caras são as mais interessantes e apetecíveis do ponto de vista do capital financeiro, mesmo que tenham limitado impacto nas pequenas e médias empresas e no nível de vida dos não favorecidos e acelerem o endividamento público.

Quando o endividamento público NÃO está relacionado com o alargamento e diversificação articulada da base prosutiva e fiscal, tem dois impactos financeiros graves: aumento do custo do e redução do acesso ao capital para/pelas pequenas e médias empresas, o que dificulta a diversificação e articulação da base produtiva e a generalização dos benefícios do crescimento económico; redução da capacidade do Estado de prosseguir politicas económicas e sociais mais amplas. No caso das economias ocidentais, o Estado foi expropriado para salvar o capital financeiro. No caso moçambicano, o estado está a ser expropriado para promover acumulação capitalista primitiva. Estes dois problemas são agravados pelos incentivos fiscais para o grande capital (que reduzem o potencial de receita pública e aceleram a dinâmica de dívida em favor do grande capital), e pela inconsistência entre política fiscal e monetária que daqui resulta.

Sobre o peso da divida na economia, há quatro pontos a saber.

(1) as medidas de austeridade e estabilização que estão a ser seguidas em Moçambique há mais de duas décadas criaram uma grande margem para endividamento "sustentável" - numa certa medida, eramos "ineficientemente" pouco endividados ou, por outras palavras, tínhamos muito mais potencial de dívida que o que estávamos a usar.

(2) a definição de sustentabilidade é questionável, em especial numa economia dependente de fluxos externos de capital e porosa (com elevada perda, para o exterior ou via privatização de ganhos, do excedente gerado). Há um artigo de Rogerio Ossemane no livro "economia extractiva e desafios para industrialização em Moçambique" (que pode ser downloaded do site do IESE, www.iese.ac.mz ) ) que trata desta questão - o problema da medição da sustentabilidade em economia dependente e porosa.

(3) a dívida está a aumentar muito depressa, começando a tornar-se na modalidade preferida de financiamento do Estado, começando a correr sérios riscos de os limites serem atingidos antes da travagem ser possível. As causas são várias - interesses do grande capital + margem de endividamento grande + não consideração da porosidade da economia, entre outras. As implicações também - expropriação do Estado e penalização da pequena e média empresa e do emprego. Os perigos também, dado que na margem pequenas variações no rating de Moçambique (que piora com endividamento), nos juros internacionais e na velocidade de expansão das economias emergentes podem fazer eclodir uma crise de dívida. Fernanda Massarongo e Carlos Muianga têm vários trabalhos interessantes sobre estes temas em várias publicações disponíveis no website do IESE.

(4) o potencial de endividamento para desenvolvimento está a ser gasto rapidamente em projectos que reproduzem uma economia afunilada (em termos de padrão de produção, distribuição e consumo) e dependente, e está a multiplicar canais de endividamento.

Ao falarmos da dívida, temos que tratar dos cinco lados mencionados no início destas notas, com a calibração feita ao longo da nota (por exemplo, sobre os problemas com a definição da sustentabilidade). E não se esqueçam do debate original desta questão - a economia politica dos incentivos fiscais aos grandes projectos e da renegociação e transparência doa contratos. Estou feliz que este assunto esteja a ficar mais e mais presente no debate. Se conseguirmos fazer com que o debate político e a cidadania política se foquem em questões como esta - que não é só sobre dívida mas sobretudo sobre opções e prioridades de desenvolvimento - em vez de na origem e ala do candidato a ou b, estaremos a dar passos fundamentais em frente.


Fonte: mural do autor (facebook)

Nota: O título é meu

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