TRIBUNA DO EDITOR
Por Fernando Gonçalves
Tornou-se recorrente nos dias que correm, entre alguns analistas, tentar fazer passar a ideia de que existe uma conspiração ocidental para derrubar os governos africanos representados por partidos que tenham ascendido ao poder pela via da luta armada. Muito francamente, penso que nada disso estará tão distante da verdade.
Esse discurso é muito conveniente para aqueles que pretendem furtar-se à responsabilidade de primar pelos princípios da boa governação, prestação de contas e de respeito pelos seus povos. É também um discurso que pretende transmitir a ideia de que os governos surgidos dos movimentos de libertação têm o direito natural de governar os seus países para a eternidade, e de fazerem tudo o que quiserem, mesmo quando tal não corresponde aos interesses nacionais. Confunde-se o interesse nacional com o interesse do partido libertador em se manter no poder a todo o custo.
A luta de libertação é um dever patriótico que cabe a todos os cidadãos, e não deve haver outros que se considerem donos de uma nação só pelo facto de terem participado nessa luta. Há homens e mulheres hoje que se tivessem sido maiores na altura em que decorreu a luta de libertação poderiam ter participado, movidos pelo mesmo espírito por que foram movidos os jovens que militaram para a libertação do país. E nem todos os moçambicanos poderiam ter participado na luta, e isso não reduz a sua condição de serem moçambicanos. A luta foi feita de várias formas, não necessariamente pelo facto de alguém ter estado em Nachingweya.
E não podemos ser obrigados a fechar os olhos e ficar calados quando um determinado ex-movimento de libertação comete as mais hediondas violações aos direitos do seu próprio povo, gere mal o bem público e vale-se da corrupção para manter o seu controlo sobre o poder do Estado. Porque um movimento de libertação que age dessa maneira está a trair o espírito da própria libertação, que era o de libertar a terra e os Homens.
E não vale a pena encontrar subterfúgios para evitar confrontar os problemas. É importante notar que muitos, se não todos estes movimentos de libertação que se transformaram em partidos governantes beneficiaram muito da ajuda do mesmo Ocidente que hoje dizem que os pretende derrubar. A narrativa de vítima não é mais nada do que um argumento para se escudar de críticas que são feitas a certos aspectos relacionados com a governação, críticas essas que convêm, na óptica dos defensores desses regimes, atribuí-las apenas aos países ocidentais, mas que na verdade são críticas que provêm também de certos sectores da sua própria população.
Culpar o Ocidente por todos os males que nos afligem é uma estratégia que nos iliba da nossa responsabilidade como governantes responsáveis, e que visa por outro lado fragilizar a posição dos parceiros ocidentais que, cientes do seu passado como potências colonizadoras, tentarão actuar de forma a evitar ferir quaisquer susceptibilidades. Não admira, por isso, que os parceiros mais críticos sejam exactamente aqueles que nunca tiveram colónias em África, e ironicamente aqueles que no seio dos países ocidentais também mais apoio prestaram aos movimentos de libertação em África.
Que o seu posicionamento em relação a um determinado assunto não seja unânime, não significa necessariamente que tal assunto deixe de ter relevância. E não significa que as preocupações sejam apenas externas. Ninguém me pode convencer que o 5 de Fevereiro de 2007 foi parte de uma conspiração externa. E por aquilo que se tem dito, até parece ter sido uma operação engendrada a partir de dentro do próprio partido no poder.
Temos que ter a coragem de olhar para os assuntos na sua verdadeira dimensão e mérito, e deixar de levantar a fumaça apenas para entreter o povo. A propaganda não resolve problemas; apenas adia a sua solução.
PS: para aqueles patriotas a quem as criticas à CNE eram parte deste grande complot ocidental para derrubar o movimento de libertação, precisam de reflectir sobre a passagem do Acórdão do Conselho Constitucional que diz o seguinte: “A experiência do processo eleitoral em apreço aponta para a necessidade de os órgãos de administração eleitoral fundamentarem cada vez melhor as suas decisões e sempre utilizarem os meios legalmente estabelecidos para notificar das mesmas decisões os interessados directos e imediatos.
“Além disso, é desejável que os órgãos de administração eleitoral desenvolvam e aperfeiçoem, no quadro da lei, mecanismos práticos complementares que, por um lado, permitam maior publicidade à sua actuação, por outro, melhorem a comunicação e o diálogo com os partidos políticos, coligações de partidos, grupos de cidadãos e candidatos concorrentes às eleições”.
Foi simplesmente isto o que andamos a dizer durante todo este tempo. Alegra-nos que tenhamos sido vindicados aomais alto nível da estrutura judicial deste país. Finalmente, também somos patriotas.
Fonte: SAVANA (01.01.2010)
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