sábado, fevereiro 02, 2013

As inundações e o afogamento


Pensamento de: Maria Alice Mabota *

A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos - LDH lamenta profundamente o desaparecimento de muitas vidas humanas, destruição de bens e infra-estruturas diversas pelas cheias deste ano nas regiões Centro e Sul do país, ante a inércia do Executivo com a conivência do próprio Chefe do Estado pela resposta tardia no socorro das populaces vítimas das enxurradas.

Assim, as calamidades naturais em Moçambique, que também têm muito de tragédia humana, voltaram novamente a afogar vidas e destruir o património nacional. E, a deixar que as coisas aconteçam assim, ciclicamente em cada época chuvosa haverá mais gente a morrer e o Governo mergulhado em festas e desculpas fúteis. Assim não! É preciso encontrar soluções definitivas para cada tipo de vulnerabilidade porque, no caso de Moçambique, as chuvas neste período do ano são previsíveis. Algo tem de mudar. A vida dos moçambicanos está acima de qualquer capricho dos dirigentes deste país.
Dados oficiais, mas preliminares, apontam para mais de 50 mortos em todo o país, 38 dos quais só na provincial de Gaza e dezenas de milhar de pessoas obrigadas a fugirem das suas casas, depois de perderem tudo.
Para a LIGA, de par com o afogamento de homens, mulheres e crianças moçambicanos, bem como a destruição de bens públicos e privados, o país vive um outro afogamento, o da ética da classe dirigente moçambicana. 
É que quando já havia sintomas de que Chókwè e outras regiões vulneráveis voltariam a ficar inundadas, como quando submergiram nas históricas cheias de 2000, e muitos compatriotas já viviam o luto da perda de familiars no Sul e Centro de Moçambique, eis que O Chefe do Estado moçambicano, Armando Guebuza, que devia ser o farol moral mais reluzente de todos, abriu as comportas da Ponta Vermelha, residência oficial do Presidente da República, para inundá-la de comensais que convidou para o seu 70.º aniversário natalício.
Ao todo, foram mais de mil convidados para mais de cinco horas de degustação dos mais requintados manjares, ao som de música alegre e dançante, com honras de transmissão em directo por parte do canal público TVM, absolutamente à margem do sofrimento que já assolava uma parcela signifi cativa do “maravilhoso povo moçambicano”.
O regabofe que o “pai da nação” promoveu às expensas do erário público, algum dele pago pelas vítimas que Armando Guebuza abandonou para celebrar os seus anos, atropelou o mais elementar sentimento de amparo que um chefe de Estado deve demonstrar pelos seus compatriotas.
O exclusivo dado pelo alegado canal público de televisão encontra paralelo no comunismo mais retrograde como o da Coreia do Norte, onde não chorar a morte do guia da Nação pode dar um bom par de anos num campo de concentração.
Exemplos a seguir deviam ser os da postura de estado assumida pelo Presidente norte-americano, Barack Obama, que interrompeu a campanha da sua reeleição para acompanhar de perto a resposta à acção do cyclone “Sande” ou quando suspendeu as férias para persuadir o Congresso a aprovar o difícil orçamento deste ano.
Outro exemplo de postura de Estado veio do Japão, quando o Primeiro-ministro deste país, Taro Aso, encurtou uma viagem ao estrangeiro, para seguir o caso de sequestro de nove japoneses entre o grupo de estrangeiros raptados pelo ramo magrebino da Al Qaeda.
Para a Liga, o cancelamento do Presidente da República em participar na XX Cimeira da UA, em Addis-Abeba, já vem tarde demais para surtir os efeitos desejados perante o fenómeno das cheias. Os moçambicanos a quem ainda resta um pouco de dignidade não se devem abater pela campanha de maquilhagem à insensatez que Armando Guebuza cometeu, movida por renomados académicos e bajuladores que sempre passam a mensagem de uma nação em progresso. O mais reles dos tiranos também se faz rodear de pensadores finos, para dar um cunho de decência e intelectualidade aos seus desvarios.
É que a indiferença que o Presidente da República demonstrou nos primeiros dias da tragédia provocada pelas cheias deu mais uma machadada ao esforço de mobilização cívica para a participação na vida política do país. Já se vê aqui uma das causas do divórcio entre a classe política e a população, marcado por abstenções acima de 70 por cento nos pleitos eleitorais moçambicanos.
Este alheamento dos governantes em relação ao sofrimento da população explica igualmente a falta de acções para o estancamento das causas da dor anualmente infligida às populações ribeirinhas.
Essa inércia encontra-se, por exemplo, no facto de aparentemente o Governo não ter estado a par das descargas que a África do Sul fez do seu lado do Limpopo, apesar de os países ribeirinhos estarem vinculados ao dever de informação em relação à gestão que fazem dos cursos de água.
Na zona baixa de Xai-Xai, as autoridades estão igualmente desnorteadas em relação aos caminhos que devem ser encontrados para conter a progressão da água, sempre que chega a época chuvosa.
Na malha suburbana de Maputo verifica-se cenário idêntico, onde o caos na construção continua a prevalecer sobre o ordenamento urbano, tendo este ano feito também a sua quota de estragos, desalojando centenas de famílias, devido às calamidades naturais.
Quanto a nós, ainda está por se ver o esforço de gestão de danos e contenção de prejuízos à imagem do alto magistrado da nação, ao adiar a ida à Cimeira da União Africana em Addis-Abeba, se surtirá o efeito necessário à reposição da autoridade moral do chefe de Estado.
Com efeito, esperamos que o mesmo aparato material e humano que tem acompanhado o Chefe do Estado em presidências abertas seja mobilizado para socorrer as vítimas das cheias. Ainda, fica por se comprovar, perante esta tragédia nacional, o comprometimento às causas demonstrado aquando do X Congresso do partido governante em que se viu muito dinheiro e bens a serem canalizados para Pemba.
Perante um governo insensível e irresponsável, quem vai indemnizar as vítimas das enxurradas?
A terminar, a Liga expressa a sua solidariedade a todas as vítimas das cheias e congratula, em particular, todas as entidades singulares, privadas e colectivas, incluindo instituições internacionais que tudo fazem para minorar o drama criado pelas cheias deste ano.
PELOS DIREITOS HUMANOS
JUSTIÇA, PAZ E DEMOCRACIA! 

* Presidente da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos - LDH

Fonte: Correio da Manhã, 30/01/13

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