sexta-feira, abril 18, 2014

Sistema de metro pode lesar Estado em mais de quatro mil milhões de meticais (ns íntegra)

O Estado moçambicano está a ser processado pela empresa italiana Salcef Costruzioni Edili e Ferroviarie, SPA, por ter cancelado, unilateralmente, o processo que iria culminar com a assinatura do contrato de concessão do projecto de desenvolvimento do Sistema de Transportes Integrado Maputo-Matola em forma de parceria público-privada. A firma pede uma indemnização de 100 milhões de euros.
O contrato foi assinado pelo Governo moçambicano, através do antigo ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, em 2011, sem concurso público. Este negócio, diga-se, milionário, visava a implementação de um sistema integrado de transportes para as cidades de Maputo e Matola mas, dois anos depois (em 2013), o Executivo anulou-o alegando que o modelo de financiamento era incompatível com a realidade do país.
O compromisso formal assumido por Paulo Zucula, quando, a 21 de Março de 2011, assinou um memorando de entendimento com a companhia italiana, Salcef Costruzioni Edili e Ferroviarie, cujo objecto era a realização de estudos de viabilidade com vista à implementação de um sistema integrado de transportes para as duas cidades, incluindo “duas linhas de metropolitano de superfície construídas sobre as já existentes linhas férreas, assim como um sistema de controlo electrónico”.
Os caminhos tortuosos deste negócio começaram a desenhar-se quando, sem concurso público, Zucula convidou, após a visita que efectuou a 5 de Outubro de 2010 à Ascoli Piceno (Itália), a companhia italiana Salcef Cos- truzioni Edili e Ferroviarie, SPA, para discutirem, em Maputo, o desenvolvimento da estratégia do sistema combinado de transportes, no âmbito da implementação do sistema metropolitano de superfície.
Sem prévio debate público nem concurso, conforme exige a lei das Parcerias Público-Privadas (PPP), a Salcef foi convidada, oficialmente, para discutir o plano concreto e questões técnicas para um eficiente sistema de transporte nas duas cidades, o que culminou com a assinatura do memorando de entendimento em Março do mesmo ano.
Acto contínuo, o que iniciou como convite de um governante a uma empresa internacional, já se estava a transformar em negócio do Estado. Assim, em Julho de 2011, a companhia italiana submeteu o estudo de viabilidade que viria a ser aprovado, no mesmo mês, pelo Governo. De acordo com a carta do Ministério dos Transportes e Comunicações, datada de 27 de Julho, o estudo de viabilidade foi considerado “correspondente perfeitamente com os termos do memorando e vai ao encontro de todas as expectativas de Moçambique”. Desta feita, o Governo deu luz verde à Salcef para prosseguir com o projecto, angariando fundos para a fase de implementação.
É neste contexto que o Governo aprovou a resolução 29/2012 de 1 de Agosto, que autorizava “a negociação dos termos e condições para o desenvolvimento do empreendimento, na forma de parceria público-privada”, com a Salcef Costruzioni Edili e Ferroviarie, SPA. O sistema incluía, ainda, o metropolitano de superfície, linha eléctrica, numa via reservada, autocarro numa via reservada, autocarro numa via híbrida e a intermodalidade com estacionamento associado a serem geridos através de um único sistema de controlo.
A resolução autorizava o Ministro dos Transportes e Comunicações, na altura, Paulo Zucula, a constituir uma equipa técnica para elaborar e apresentar a “proposta de contrato de concessão e o respectivo decreto”. A resolução estipulava, ainda, que o ministro que superintende o sector de transportes e comunicações devia apresentar “a proposta de contrato com o respectivo decreto (ao Governo) para aprovação, até 60 dias da data de entrada em vigor” da referida resolução. O Comité Técnico Interministerial, uma entidade criada no âmbito da implementação da resolução 29/2012, de 1 Agosto, para negociar os termos e condições para o desenvolvimento da parceria público-privada, notificou a Salcef para apresentar uma proposta dos accionistas do projecto.
Com o tempo, o Governo foi emendando o projecto inicial do negócio que já tinha sido iniciado pelo ministro durante uma visita à Itália. Assim, o Comité Técnico Interministerial lembrou ainda que, ao abrigo da resolução 29/2012, de 1 de Agosto, a concessionária já não seria a Salcef apenas mas uma parceria público-privada e condicionou a assinatura do contrato de concessão à apresentação de uma entidade privada (Special Purpose Company) a ser estabelecida pelas Salcef, CFM (Caminhos de Ferro de Moçambique) e os municípios de Maputo e Matola.
Em Setembro do mesmo ano, a Salcef submeteu ao Comité Técnico Interministerial a proposta dos accionistas, um elemento essencial para o “projecto detalhado”. Só que, a 26 de Setembro, dois dias antes do término do prazo, o Comité Técnico Interministerial informou a Salcef que o contrato não poderia ser assinado e que não haveria contrato de implementação antes da aprovação do “ projecto detalhado”.
Num encontro havido a 10 de Outubro, no Ministério dos Transportes e Comunicações, o Comité Técnico Interministerial submeteu uma proposta, por escrito, acompanhado de memorando de entendimento, do Ministro das Finanças, na qual o Governo transferia os custos de expropriação e de reassentamento da população para a concessionária, ou seja, o Governojá não assumia os riscos, conforme havia sido acordado.
Em Fevereiro de 2013, o Governo comunicou à Salcef que a decisão sobre a natureza e a forma de financiamento por parte do Estado estava dependente da opinião do Ministro Zucula e que só depois é que retomariam as negociações. Entretanto, só em Maio é que a Salcef tomou conhecimento da interrupção das negociações do “mais dinâmico” projecto que Zucula havia alguma vez liderado como servidor público.
Face à demora, a entidade italiana pediu ao Ministro dos Transportes e Comunicações para que agendasse um encontro entre esta, o Primeiro-Ministro e o Presidente da República, por ordem de hierarquia, para procurarem uma solução para o imbróglio. Em resposta, Zucula afirmou que a decisão final sobre o caso seria discutida no Conselho de Ministros de 13 de Agosto de 2013.
Decisão de cancelamento do projecto e queda de Zucula
O processo, em impasse, prolongou-se além do período estabelecido pela resolução, sem avanços e com sinais de uma ruptura aparente.
A 29 de Agosto de 2013, o Ministro dos Transportes e Comunicações consumou a ruptura quando comunicou, em carta com referência 85/GM/MTC/2013, à Salcef que o Governo decidiu, no Conselho de Ministros de 13 de Agosto, não prolongar com as negociações sobre o projecto, considerando que o tempo limite da resolução 29/2012, de 1 de Agosto, que estipulava 60 dias para a elaboração do projecto e contrato de concessão, expirou, e que havia resolvido não estender a validade da mesma, ou seja, cancelou o projecto, alegando que “o modelo de financiamento” proposto pela Salcef no seu projecto detalhado “era incompatível com os interesses de Maputo e Matola”.
Curiosamente, 15 dias após o cancelamento do projecto, Paulo Zucula, que iniciara o negócio na Itália e considerara o projecto de “mais dinâmico” alguma vez conduzido por ele, foi exonerado pelo Presidente da República (14 de Setembro do ano passado).
Salcef processa o estado moçambicano
O negócio pouco transparente e que acabou cancelado, agora pode custar milhões ao Estado moçambicano. É que, na sequência do cancelamento do processo que iria culminar com a assinatura do contrato de concessão do projecto de desenvolvimento do Sistema de Transportes Integrado Maputo-Matola, em forma de parceria público-privada, a companhia italiana Salcef Costruzioni Edili e Ferroviarie, SPA, achando-se prejudicada, processou o Estado.
A Salcef diz que o Governo cancelou o processo sem que a tivesse comunicado das razões para a sua decisão e acusa o Governo de ter sido o responsável pelos atrasos verificados no projecto, uma vez não ter participado nos encontros que definiriam os custos adicionais do referido projecto, em consequência da alteração do projecto incial, passando a estar integrado no projecto de Sistema Integrado de Transportes. Esses encontros definiriam, também, os termos e as modali- dades de recuperação do investimento feito.
“A ausência do Governo causou adiamentos dos encontros e atraso do projecto”, refere a Salcef. Na mesma carta, endereçada ao Secretariado do Tribunal Arbitral Internacional, sediado em Paris, capital francesa, a companhia italiana afirma que o Governo, não só deixou de responder às suas propostas, como também as rejeitou sem nenhuma justificação. Afirma, ainda, que o Governo submeteu propostas de preços totalmente contrárias às praticadas no mercado das parcerias público-privadas.
Face ao cancelamento unilateral do projecto, a companhia italiana diz ter chamado atenção ao Governo para a necessidade de não usar ou disseminar o projecto por ela concebido, incluindo figuras, desenhos ou conteúdo do “ projecto detalhado”. E avisou, ainda, aoMinistro dos Transportes e Comunicações que a sua “exclusão das negociações teria implicações” que resultariam na devolução do dinheiro investido no “projecto detalhado, os custos relacionados, despesas efectuadas e as compensações pelos danos causados.”
Na mesma exposição, a Salcef anota que o Governo eximiu-se do dever de assumir, como tinha sido acordado, “o risco da queda de procura”. Tal risco deveria ser assumido pela concessionária, ao abrigado do novo regulamento das parcerias público-privadas.
De facto, o regulamento das PPP, Projectos de Grande Dimensão e Concessões Empresariais (Decreto no 16/2012, de 4 de Julho) retira o Governo da assunção de riscos de queda de procura, passando esse risco a ser assumido pela concessionária. De acordo com artigo 57, esse regulamento, “A queda de procura ou de oferta corre por conta da entidade contratada, cabendo a esta tomar as medidas que tenha por adequadas para prevenir a sua ocorrência ou para mitigar os seus efeitos”.
Indemnização e devolução de documentos
Julgando que os atrasos do projecto foram causados pelas ausências, adiamentos e inacção do Governo nos encontros de negociação e que houve violação do contrato, a italiana reclama ter coleccionado prejuízos avultados, provisoriamente, avaliados em 100 milhões de euros, o equivalente a 4.2 mil milhões de meticais.
Além da indemnização de 100 milhões de Euros, a Salcef exige a devolução de todos os documentos, desenhos, materiais e dados, incluindo as cópias, fornecidos pela companhia durante a implementação do memorando de entendimento e da resolução.

Fonte: @Verdade - 16.04.2014

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