quinta-feira, setembro 13, 2012

Renamo pediu apoio à Igreja para facilitar encontro com Frelimo e acabar com a guerra

O arcebispo Dom Jaime Gonçalves revelou anteontem na Beira que no primeiro encontro que teve com Afonso Dhlakama, líder da Renamo, em Gorongosa, depois de o procurar em vários lugares, ele é que tomou a iniciativa de pedir que a Igreja ajudasse a Renamo a encontrar-se com a Frelimo para acabar com a guerra.


“Nós estamos a sofrer de fome, comemos lagartixas, não temos comida, não temos roupa, não temos casas onde dormir e passamos todo o tempo a fugir de um lado para o outro, estamos cansados, queremos acabar com a guerra, estamos a sofrer muito”, teria dito Dhlakama citado pelo arcebispo. 

Dom Jaime, que dissertava numa palestra denominada de Aula Aberta A busca de Paz para Moçambique, organizada pela Universidade Católica de Moçambique (UCM), como seu contributo para a celebração dos 20 anos de paz, confessou ter ficado surpreendido pela iniciativa de Afonso Dhlakama, uma vez que, tendo ele ido procurar a Renamo para convencê-la a aceitar conversar para acabar com a guerra, sentiu um grande alívio, “porque eu nem sabia como começar a conversa”.

“Felizmente que ele é que começou a falar e eu respondi: ‘Nós também na cidade sofremos, e começou o diálogo com o Dhlakama desta maneira’ e no fim eu perguntei: olhá lá presidente, porque é que vocês estão a fazer a guerra?”.

Ele respondeu “porque não queremos o comunismo em Moçambique”.
“E como vamos fazer para acabar com isto”?
“Queremos diálogo com a Frelimo”, respondeu Dhlakama, acrescentando :“Peço que a igreja nos ajude”.

“Então passamos a discutir as condições do diálogo com a Frelimo até cerca das duas horas da madrugada desse dia. Depois voltei para África do Sul na avioneta para depois tomar o avião para Maputo.”

Dom Jaime explicou depois, que o passo seguinte foi ir a Nairobi, no Quénia, e pedir ao Governo para trazer a Renamo até à capital queniana, o que foi feito em Fevereiro de 1989, voltando a acontecer em Agosto do mesmo ano, altura em que se realizou o derradeiro encontro com Afonso Dhlakama. “Aqui já estávamos com o Concelho Cristão de Moçambique (CCM)”.

“A Renamo ficou em Nairobi e nós regressámos a Maputo, onde em audiência com o Presidente Chissano ele nos disse que já tinhamos feito a nossa parte (nós bispos) e que a partir daí iria trabalhar com dois presidentes como negociadores, que eram o do Quénia e o do Zimbabwe”, prosseguiu a sua explanação o prelado.

Destacou que os negociadores trabalharam de Agosto e Dezembro de 89 e decidiram que não podiam estar sempre a andar de um lado para o outro e a repetir as mesmas coisas. Propuseram que a Frelimo e a Renamo se encontrassem e negociassem directamente. “Fizeram um relatório e comunicação nesse sentido. Então era preciso contactar as partes desavindas para convencê-las da necessidade do diálogo. Voltamos a ser chamados (nós bispos), desta vez para fazer diplomacia”, explicou Dom Jaime.

“A nossa nova tarefa era de fazer contactos para que o Vaticano e o Governo italiano usassem as suas influências nas Nações Unidas para levar o Presidente dos Estados Unidos, na altura George Bush, a convencer o Presidente Chissano a aceitar o diálogo directo com a Renamo. Nós fizemos isso e como resultado da nossa diplomacia, no dia 9 de Março de 1989, o chefe do Estado moçambicano anunciou, a partir de Washington, que estava disposto a estabelecer o desejado diálogo com a Renamo”, palavras de Dom Jaime Pedro Gonçalves.

O relato anterior é parte do projecto da Conferência Episcopal da Igreja Católica nos seus caminhos de busca de paz para Moçambique, que segundo Dom Jaime Gonçalves, era marcada por intensa actividade de reflexão. “Passa muito tempo em reflexões, por isso vamos notar entre o que diz e o que faz”, referiu, ao começar a sua explanação que dividiu em três partes:

1-Situação da violência em Moçambique
2-Moçambicanos que choram por causa da violência
3-Moçambicanos que buscam solução para a guerra
Em relação ao primeiro ponto, o arcebispo explicou que a Conferência Episcopal começou a reflectir sobre a violência e sobre a situação da paz já em 1977, durante a 1ª Assembleia Nacional da Pastoral na Beira, realizada nos dias 17 e 18 de Setembro: “Até escrevemos uma Carta de Solidariedade com a Conferência Episcopal da África do Sul pelo massacre das crianças e jovens em Soweto.”

RECONCILIAÇÃO IGREJA-GOVERNO DA FRELIMO

“Estamos interessados na questão da violência. A seguir, em 1982, acontece a reconciliação do regime com as instituições religiosas. O Presidente Samora Machel e seu Governo sentiram que a revolução moçambicana estava a ser objecto de muita crítica por parte da comunidade internacional. Então começaram a fazer uma reflexão no interior da revolução e como já fiz referência, o primeiro gesto foi a reconciliação com as religiões porque a partir delas, os moçambicanos têm ligações para fora.”

O prelado revelou que os religiosos foram convocados pelo Presidente do dia 14 a 17 de Novembro de 1982, que lhes disse: “Agora é a vez de as religiões discutirem os seus problemas e escreverem que dificuldades encontram na revolução, pôr por escrito e entregar às estruturas máximas do poder”. Os católicos, na lista dos problemas, terminam dizendo o seguinte: “Senhor Presidente, nós verificamos que existe no país uma violência que destrói vidas e bens e isto leva-nos a procurar com todos os moçambicanos a paz e concórdia dos moçambicanos”.

Segundo Dom Jaime, o Presidente não gostou e quis saber quem eram esses moçambicanos porque era uma referência à Renamo. Isso fez com que para a conclusão do encontro o Presidente fizesse dois discursos. O primeiro foi de censurar os bispos e os católicos pelo seu suposto apoio aos “bandidos armados”. Depois leu um segundo já em tom reconciliatório, com todas as instituições: =pE, então, acabamos por ter lugar na revolução onde éramos chamados a educar o povo na moral e patriotismo. Isto foi em 82 e vamos cinco anos depois, em 87 concretizar o projecto da Conferência Episcopal. Porque esperamos cinco anos? – perguntou-se Dom Jaime Gonçalves, respondendo ele próprio que “esperamos porque a Igreja católica estava a sofrer muitos ataques e nós não queriamos que a situação piorasse. Por isso tinhamos que fazer reflexões e ser muito cautelosos”.

“Depois desse encontro decidimos fazer qualquer coisa para provar que o diálogo era possível e estruturamos o nosso projecto que vai depois passar por Nairobi e depois Roma e termina com a assinatura do Acordo Geral de Paz em 4 de Outubro de 1992”, disse o arcebispo.

Acrescentou que para operacionalizar o projecto foram criadas duas comissões da Conferência Episcopal, que pretendia continuar com as cartas pastorais e procurar a Renamo para o desejado diálogo. A Comissão para procurar a Renamo era constituida por Dom Alexandre Maria dos Santos, na altura arcebispo de Maputo e Dom Jaime Gonçalves, arcebispo da Beira e presidente da Conferência.

A outra comissão que tinha a missão de dialogar com o Governo era chefiada por Dom Paulo Mandlate, de Tete, os arcebispos da Beira e Nampula, e eventualmente todos os bispos quando fosse o caso de falar com o Presidente da República.

Segundo referiu Dom Jaime, os três objectivos pretendidos pela Conferência eram continuar com as cartas pastorais, procurar a Renamo e convencer o Governo a aceitar o diálogo.

Fonte: Diário de Moçambique – 13.09.2012

1 comentário:

Anónimo disse...

Nguiliche

Os Nobel da Paz! O bom exemplo foi aquele do Mandela na Africa do sul que foi receber o prémio junto com Frederick d`Cleck. Para o nosso caso, aquela atitude de sempre de querer atirar areia nos olhos POVO, chamar para si protagonismo de todos eventos, faltou Chissano convidar Dhlakama para irem receber o Nobel em nome de todos os mocambicanos.