Escrito por Raul Senda e Ercília da Paz
Os moçambicanos continuam a não fazer uso dos seus direitos cidadãos, a exemplo do monitoramento da gestão pública. A constatação é de João Pereira, director da Unidade de Gestão do Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC).“A classe média moçambicana preocupa-se mais com o consumo do que com o debate de ideias para a construção de um espírito de cidadania efectivo”, aponta Pereira.Nos últimos quatro anos o MASC tem contribuído no melhoramento da governação e na prestação de contas aos cidadãos através do fortalecimento e do apoio às organizações da sociedade civil (OSCs).
Garantir o apoio financeiro e técnico para as OSCs realizarem actividades de monitoramento sobre o governo é o objectivo central do Mecanismo de Apoio às Organizações da Sociedade Civil. O programa entrou em acção em 2008 e tem o financiamento de 7,5 milhões de libras, disponibilizados pela Cooperação Irlandesa através do Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID).
O programa está no quarto ano de actividades e segundo João Pereira as metas traçadas estão a ser atingidas. Para o director a falta de transparência e a corrupção nos actos administrativos e financeiros são os maiores desafios da governação em Moçambique. Despertar a consciência dos cidadãos para desempenharem o seu papel de monitores do governo preocupa muitos doadores internacionais. Daí o apoio ao desenvolvimento de projectos que sensibilizem a população no sentido de exigir a prestação de contas dos gestores públicos.
Nos últimos anos o MASC capacitou as organizações civis com conhecimento e infra-estrutura para aumentar em quantidade e em qualidade a monitoria da governação no país. “Há quatro anos encontramos um número limitado de OSCs a desempenhar o monitoramento de forma sistemática e o impacto do trabalho era muito limitado. Hoje a base do trabalho é sólida e o MASC gradualmente ganha cobertura nacional”, refere João Pereira.Além das actividades de disseminação, informação e capacitação, os projectos ganharam estrutura local. Actualmente o MASC cobre todas as capitais provinciais, incluindo os municípios e 47% dos 28 distritos. O relatório institucional aponta que em 2010 o MASC realizou mais de 90% das actividades planeadas e a execução orçamental atingiu 63,78%. Outro dado significativo aponta que 52 projectos são desenvolvidos por mais de 100 organizações. “O quadro mostra que o MASC está a contribuir para uma diversidade de assuntos da governação a serem abordados pelas organizações”, sublinha Pereira.
Transparência e cidadania
A falta de transparência em algumas organizações – a exemplo de dirigentes vitalícios e a falta de respeito pelos estatutos - era um dos factores que deixava alerta a direcção do MASC no princípio do projecto, em 2008. O problema foi minimizado nos últimos anos segundo João Pereira, sobretudo entre as OSCs que concorrem às linhas de financiamento do programa. “Ainda notamos alguns focos de resistência, visto que a síndrome do compadrio, da bajulação e do oportunismo que enferma a elite política e governante também afecta a esperançaque se poderia depositar nas OSCs. Continuamos a investir na organização interna, pois apenas instituições credíveis e com altos índices de transparência podem monitorar e questionar os gestores públicos”, ressalta Pereira. Daí que o MASC esteja a desenvolver um código deontológico para as OSCs com as quais trabalha. O intuito é criar uma base de dados com múltiplos conteúdos informativos sobre as organizações, tornando-a disponível para os doadores avaliarem o percurso, a transparência e a credibilidade das instituições.Desafios também foram apresentados por João Pereira. O acesso à informação pública continua deficitário segundo o director. A falta de consciência do exercício cidadão entre os moçambicanos também foi referida pelo director do MASC. “A maioria dos moçambicanos da elite média, em vez de contribuir no levantamento de debates com vista à construção de um verdadeiro espírito democrático, preocupa-se em aliar-se às pessoas próximas do poder para obter vantagens económicas. Moçambique não tem uma classe média politizada, mas sim consumista”, criticou Pereira. Afirmou ainda não partilhar a ideia de que as OSCs estão a ocupar o lugar dos partidos políticos na oposição, mas sim que em democracia existe espaço para todas as forças da sociedade exercerem os seus direitoscidadãos de monitoramento às actividades da gestão pública. “Os acontecimentos de 5 de Fevereiro de 2008 e de 1 e 2 de Setembro, exceptuado o vandalismo que é severamente condenável, foram exemplos do exercício de cidadania. Deixaram claro que nenhum dirigente, independentemente dos meios que tenha, pode vencer a vontade popular”, frisou.
Fonte: Savana - 08.07.2011
Sem comentários:
Enviar um comentário