A lição que fica é de que a mesa da assembleia-geral pode propor a correcção de ilegalidades por via de votação, sem que para tal recorra à alteração do conteúdo que torna o processo ilegal. Isto é, não é preciso corrigir o conteúdo do comunicado que torna a sessão ilegal. A votação é suficiente para legalizar algo ilegal. Igualmente, não é preciso desqualificar a candidatura ilegal para repor uma legalidade, basta uma votação para que a candidatura, eventualmente, ilegal se torna legal.
A vitória de Feizal Sidat nestas eleições é inequestionável. Os números são claros: 10 votos contra 1 de Baptista Bonzo e nenhum de Carlos Jeque. Para esta vitória nem interessam os meios que o candidato vencedor usou para chegar à vitória. O que interessa, neste tipo de disputas, são, como dizia Nicolau Maquiavel, os fins. São esses fins que devem justificar os meios usados.
O que marcou estas eleições, na verdade, não foi a vitória de Feizal Sidat ou a derrota de Bonzo e Jeque. Foi, porém, o espectáculo gratuito protagonizado pela mesa da assembleia-geral e pelo elevado nível de irresponsabilidades dos presidentes das associações provinciais de futebol. Eles não souberam fingir que não estavam comprometidos com certo candidato, desde o início do processo até ao fim. Aliás, não é crime comprometer-se com algum candidato, no entanto, ainda que haja esse compromisso, deve saber-se que o futebol está acima de quaisquer compromissos pessoais.
Primeiro, na sessão ordinária da sexta-feira, o presidente da Associação de Futebol de Manica, se a memória não me trai, sugeriu, durante a análise do relatório e contas da FMF, que se devia criar condições para que eles trouxessem às assembleias-gerais ordinárias os seus técnicos de contas, no sentido de os ajudar a analisar os relatórios e contas da FMF. Ele estava a reconhecer que não tinham capacidades técnicas para analisar e questionar o relatório de execução financeira da FMF. A partir dessa preocupação, legítima, o único posicionamento que deles se esperava era abstenção. Portanto, não havia condições para que eles votassem a favor nem contra um relatório cujo conteúdo desconheciam, ou seja, que lhes era alheio.
Para o meu espanto, quando o presidente da mesa da assembleia-geral, Teodoro Waty, submeteu o relatório à aprovação, o que se viu é que todos os 10 presidentes votaram pela aprovação do relatório. Apenas a cidade de Maputo, que havia analisado e criticado o relatório, votou contra, por julgar que não continha informação convincente, além de que não lhe tinha fornecido o balancete analítico que solicitara para a análise do relatório.
Parecia que os restantes delegados à assembleia-geral vinham apenas cumprir uma missão: votar em tudo o que favorecia a FMF, sem questionar nem olhar para interesses superiores do futebol nacional. Pareciam mesmo um grupinho de famintos organizados, recrutados num campo de refugiados para cumprir uma missão e receberem, em recompensa, umas migalhas para matar a fome. Votaram num relatório cujo conteúdo desconheciam.
Segundo, na sessão do dia seguinte, o protagonista principal seria o presidente da mesa da assembleia-geral, Teodoro Waty. Perante a situação, quanto a mim, clara de ilegalidades, de violação grosseira dos estatutos da FMF, Waty viria a optar por uma votação. Ou seja, submeter ilegalidades à votação como único meio de corrigi-las.
Primeiro, Carlos Jeque submete um requerimento à mesa, propondo a perda de mandato do candidato Feizal Sidat e, consequentemente, a sua desqualificação do processo, por “venda de forma ilegal do terreno ou imóvel pertencente à FMF”. Recorreu aos artigos 22, n.º1, (estabelece em que condições se perde mandatos) última parte, conjugado com alínea b), n.º1 do artigo 23 dos estatutos da FMF. Os argumentos de Jeque são: (1) Feizal Sidat vendeu um terreno ou imóvel “sem prévia deliberação da assembleia-geral em clara violação da alínea p) do artigo 28 dos estatutos da FMF”, que estipulam que compete à assembleia-geral com devido quórum “autorizar a aquisição ou alienação de imóveis”, o que “não aconteceu”; (2) Sidat passou por cima das competências do Conselho Fiscal, atropelando de forma grave os estatutos da FMF, que estabelecem, no seu artigo 47, f), que “compete ao Conselho Fiscal e auditoria emitir, no prazo de 15 dias, o parecer prévio sobre aquisição, alienação e oneração de imóveis, bem como parecer prévio e vinculativo sobre contratos de mútuo acordo entre a FMF e terceiros de valor superior ao limite fixado no orçamento”; (3) não houve um pronunciamento da assembleia-geral perante a direcção executiva depois de haver recebido o parecer da auditoria independente e Conselho Fiscal, o que viola “de forma grosseira o estipulado na alínea d) do artigo 28 dos estatutos da FMF; (4) Sidat esqueceu-se que o artigo 37 dos estatutos da FMF “permite apenas actos de mera gestão da FMF e não de deliberar sem consentimento da assembleia-geral sobre quaisquer outros actos como vender terrenos ou imóveis pertencentes à FMF”.
Como que a reconhecer que há irregularidades, o presidente da mesa, a quem lhe cabia decidir pela exclusão ou manutenção da candidatura de Sidat, optou por submeter à votação a decisão. Os 10 magníficos sentenciaram: Sidat mantém-se na corrida.
Aqui, Waty usou dois pesos e duas medidas, porque, noutro requerimento, Jeque solicitou à mesa que o presidente da Associação Provincial de Futebol de Inhambane e de Cabo Delgado fossem impedidos de participar na votação por alegada viciação do voto. Neste caso, Waty assumiu a sua responsabilidade: avaliou os argumentos de Jeque e decidiu que não havia provas, pelo que eles se deviam manter. Não sujeitou isso à votação. Ou seja, fez o que não fez no primeiro requerimento que pedia a desqualificação de Sidat. Por outras palavras, fez o que devia ter feito também no primeiro requerimento.
O outro momento foi dos comunicados. É que as eleições iriam ocorrer em sessão extraordinária da assembleia-geral. Os estatutos apenas estabelecem que a eleição dos órgãos sociais ocorre em sessão ordinária. Igualmente, como que a reconhecer a ilegalidade, Waty propôs duas saídas à votação: considerar a sessão, em causa, como extraordinária, especificamente, para a eleição dos órgãos sociais; considerar a mesma sessão como continuidade da do dia anterior. Ora, os estatutos não fixam assembleias extraordinárias específicas, e são omissos em relação à duração das assembleias ordinárias. Apenas estipulam que se realiza uma vez por ano, sem, no entanto, avançar se podem ter mais de uma sessão ou não, ou se podem prolongar por mais de um dia ou não.
Na votação, de novo, os 10 magníficos decidiram pelo voto: considerar aquela sessão como prolongamento da anterior.
A lição que fica é de que a mesa da assembleia-geral pode propor a correcção de ilegalidades por via de votação, sem que para tal recorra à alteração do conteúdo que torna o processo ilegal. Isto é, não é preciso corrigir o conteúdo do comunicado que torna a sessão ilegal. A votação é suficiente para legalizar algo ilegal. Igualmente, não é preciso desqualificar a candidatura ilegal para repor uma legalidade, basta uma votação para que a candidatura, eventualmente, ilegal se torna legal.
Fonte: O País online - 20.07.2011
Reflectindo: Este é o défice democrático.
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