1. Ponto de partida
À medida que a corrida eleitoral caminha para a recta final, entre pré-campanhas e outros eventos mediáticos típicos destas épocas, um antigo fenómeno nacional repete-se com mais força: a apresentação pública de antigos membros de partidos políticos que abandonam ou desertam para se juntar a outros, denunciando más práticas, injustiças e maus exemplos, lançando acusações e às vezes farpas para os seus antigos aliados e desaconselhando a quem quer que seja a se filiar a tais formações politicas. Aconselham reiteradamente a outros, ainda membros fiéis, a seguir os mesmos exemplos, as vezes até garantindo que pela dimensão da crise interna na sua formação outros farão o mesmo.
Em outras alturas, talvez seria algo normal e quiçá até nem seria notícia, porém agora merecem destaque e se repetem relatos destes casos na imprensa nacional - que dependendo da linha editorial/política que segue vê nestes episódios importantes temas para o interesse público, fazendo acompanhar os anúncios com elaborados artigos de opinião. Não sendo este fenómeno anormal, não se pode pôr de lado a hipótese de alguns destes casos terem contornos e fins não manifestos.
Se fosse no período imediato ao fim da guerra fria (início da década de 1990), ariscaríamos a colocar a hipótese de espionagem política, sendo que alguns destes traidores poderão não sê-lo de todo, ou então com eles desertam outros cuja missão vai mais além do que reforçar as fileiras dos seus novos partidos. Não obstante, lembremo-nos que politicamente ainda não atingimos a maturidade político-democrática, e alguns destes velhos truques já começam a ser usados nos nossos países como novas formas de luta político-partidária.
Portanto, a questão, ainda válida para os dias de hoje, que levantaríamos seria: desertores, traidores ou agentes ocultos, ou simples propaganda manipulatória com fins eleitorais?
2. Desertores e traidores políticos
Politicamente, é visto como um desertor aquele indivíduo que abandona a sua formação ou entidade política, para se juntar a outra, sendo por isso usado com frequência como sinónimo de traidor na visão dos que parmanecem fiéis à formação política.
Quando membros de um partido político renunciam ou abandonam os seus compromissos de lealdade e pertença para com o grupo, são considerados traidores.
Eles revelam-se quando, na hora de tomar decisões estratégicas, ou de avaliar os ganhos e as perdas optam por um posicionamento a favor dos seus adversários. É uma das atitudes mais frias no campo político, porém é inerente a própria característica da política (astúcia, oportunidade, calculismo) e desde esse ponto de vista é das acções mais previsíveis neste campo e entre os seus actores.
Traição política sempre foi presente na vida pública e política, um comportamento recorrente entre os políticos, aliás basta lembrar que alguns partidos, movimentos e líderes políticos nasceram e emergiram a partir de um processo de traição política.
Abraça-se uma nova causa e procura-se anunciar publicamente como a mais acertada e alinhada com as prioridades do povo. As referências modernas desse fenómeno em Moçambique remontam o tempo da luta de libertação nacional.
De entre os vários focos de discussão e questionamento sobre a traição, destaca-se a visão de corrupção pessoal e desprezível, para além de eticamente se questionar se valerá a pena confiar num traidor, se uma vez traidor poderá deixar de sê-lo.
Sobre a discussão e definição de traidor político, há muito que se diga, porém não sendo objecto aqui tratado, limitamo-nos a situar de forma simplista o que é e o que pode ser um traidor político.
Para um partido que pretende se manter no poder, ter como reforços desertores provenientes de formações políticas que já estiveram nos órgãos máximos de governação de determinada área de jurisdição significa muito do ponto de vista estratégico-eleitoral.
Igualmente, para uma formação que pretende alcançar o poder, adquirir como reforço antigos quadros nacionais, ou antigas lideranças nas diversas áreas de um partido no poder, faz uma diferença enorme do ponto de vista de informação privilegiada, para além de estratégias de actuação e alguns segredos internos.
Porém quando se trata do jogo político, nem tudo deve ser visto de forma tão simples, taxativa, linear e automática. É que, bem mais do que reforçar as fileiras dos seus novos partidos, os desertores também podem realizar outras actividades com motivações, orientações inconfessáveis e fins ocultos. Em vez de simples desertores ou traidores, podem ser também e essencialmente agentes ocultos.
3. Dos agentes ocultos
Um agente oculto ou espião é um infiltrado numa organização com o objectivo de servir uma outra. Pode dedicar-se tanto a actividades ilegais (espionagem, destruição, sabotagem, rumores e provocação) como a acções legais (quando se trata de agentes da polícia nas organizações criminais).
Enquanto no primeiro caso, o agente se infiltra sob pretexto de desertor, ou as vezes é mesmo um membro interno da organização mas que é contratado para conhecer melhor a organização por dentro, suas formas de actuação, suas estratégias e seus planos futuros, em benefício de outra organização, agindo por forma a sabotar, instigar discórdias ou destruir essa organização, no segundo o agente oculto tem autorização judicial, mandato legal para investigar o crime por dentro da organização, com os limites constitucionais garantidos e vai exercendo as suas actividades por forma a reunir provas suficientes para que os organismos de justiça acusem e julguem.
A predisposição para agir de má fé e de forma a provocar dano a organização é um dos aspectos básicos que diferencia os dois casos de agente oculto.
Os primeiros podem facilmente ser reconhecidos pelo acto voluntário de abandonar um partido e se filiar ao outro, por supostamente se identificar com este. Os traidores facilmente são identificados através da quebra da lealdade e disciplina partidária, abandono dos ideais do partido para se juntar a outro com todo o manancial informativo e de experiência que pode ser mais-valia e reforço da estratégia do novo partido contra o seu antigo.
Por sua vez, os agentes ocultos podem não ser nem facilmente identificados nem reconhecidos. Numa primeira fase dificilmente se lhes descobrem as reais intenções, aliás muitas vezes mal se levanta essa hipótese.
E como o filtro partidário para novos membros, ou nem sempre se aplica ou quase nunca se usa em profundidade facilmente os partidos políticos podem receber novos membros, novas filiações, novos reforços sem questionar as reais intenções, quer manifestas quer ocultas.
3.1.Tipos de agentes ocultos
A partir da arte militar, o estratega chinês de guerra Sun Tzu, traçou cinco perfis de espiões ou agentes ocultos, que são usados por analogia para qualquer operação de espionagem, e que no caso poderão ajudar a quem se interessar a perceber a realidade política moçambicana:
"Os espiões nativos, a serem recrutados localmente, nas regiões e nas áreas dos países a serem atacadas.
Uma vez ser tarefa difícil recrutar este tipo de espiões, a estratégia será sempre aliciar os seus membros com tratamento especial, propaganda, alimentação, medicação, dinheiro e outros elementos com os quais os indivíduos sintam que obtém ganhos diferenciados por colaborar.
" Os espiões internos são os indivíduos com conhecimento, informação e um relativo poder de influência sobre as populações, podendo ser líderes locais, políticos, militares, funcionários, religiosos, etç. Com estes, tal como os anteriores, deve-se subornar e comprar a sua capacidade de influência para criar intrigas e confundir as populações locais.
" Os agentes duplos, são identificados entre os espiões e agentes de inteligência inimigos e recrutados novamente em função dos novos interesses. Estão dentro de uma organização porém servem a outras.
" Um quarto tipo são os denominados agentes ocultos descartáveis, infiltrados com a missão de espalhar boatos, desinformação, disseminar planos falsos para confundir, semear o medo e destruir as ideias dos adversários. Estes as vezes podem ser detectados, desmascarados porém dificilmente se descobre para quem estão a serviço.
" Um último grupo é dos denominados espiões flutuantes, que se confundem tanto com os membros, porém com flexibilidade suficiente para ver e anotar todas as informações e ir reportando a mesma altura de tal forma que possa influenciar o curso dos acontecimentos.
Todos os espiões têm recomendações e formação em técnicas para recolher o máximo de informação dos seus adversários, aliados, líderes, amigos, seguranças, estrategas e agentes de inteligência (quando existem), pois serão úteis para uma boa tomada de decisões e (re)definição de estratégias.
Para além desta classificação básica, existem outros tipos de espiões:
"Agentes provocadores, são aqueles que para servir aos interesses políticos de um partido, se infiltram num outro para causar problemas e conflitos. A sua missão é simular filiação partidária com entusiasmo e posteriormente causar problemas com as autoridades, com outros membros, com outros partidos e com o público. Uma outra função desses agentes é o de promover actos de violência e vandalismo para desacreditar o partido na comunidade/opinião pública.
Note-se que nesta prática é recorrente a convocação de conferências de imprensa para ampliar o alcance do que se pretende arremessar.
A partir daqui pode ser fácil perceber, ou ao menos ter algumas pistas de alguns focos de conflitos e confrontos entre membros e simpatizantes de partidos políticos nos períodos eleitorais em Moçambique.
Pode, em parte, ter a ver com a actuação dos agentes provocadores (caso existam entre nós), que se diga não se limitam apenas aos processos eleitorais mas podem abarcar outros âmbitos de actuação, como por exemplo manifestações pacíficas, marchas, greves, etç.
" Os agentes boateiros, este tipo de agente dedica- se a espalhar rumores, que são uma técnica muito importante para a disseminar informações, que podem ser verdadeiras, falsas, distorcidas, desinformativas ou quaisquer que sejam as necessidades operacionais de carácter político, militar, social, económica, social, financeira, dentro de um grupo humano, ou uma pessoa, ou de uma região ou de um país.
" Agentes psicopolíticos - este é também um tipo de agentes que mais danos pode causar na sua actuação com os cidadãos e mesmo com o seu país, porque actuam sob a perspectiva psicológica, aliás têm sido com alguma frequência recrutados psicólogos ou psiquiatras para este tipo de agente. Tem por missão fazer a lavagem cerebral de pessoas, sociedades, membros e simpatizantes de partidos a favor de um modelo social e político concebido previamente para ajudar a mantê-lo, para controlar a ideias e mentes políticas. Podem tecnicamente recorrer a ideias religiosas ou a religiosos, a imprensa, a influentes académicos para conseguir obediência, seguidismo, fidelidade, lealdade e o comportamento desejado nas pessoas, assim como para desacreditar e destruir aos resistentes.
" Agente dormido é um agente que por determinados motivos não está em exercício das suas actividades, não está a trabalhar como agente temporariamente, até que seja reactivado quando necessário.
" Agente congelado, é aquele que é obrigado e ordenado a suspender todas as suas acções de espionagem para evitar que seja descoberto.
" Agente de influência ou ponto de influência, que na prática não é um agente oculto mas sim uma personalidade pública que se simpatiza com uma causa, idéias, movimento e trabalha, colabora ou presta apoio aos seus membros.
" Agente recrutador é um especialista em identificar, aproximar e recrutar potenciais membros, com base de que sejam válidos e sirvam como agentes ocultos.
Podemos ainda a título ilustrativo mencionar o triplo agente, agente fiscalizador entre outros, que em função do tipo e acção de espionagem podem operar.
3.2. Fases e estratégias de infiltração
Nos casos de organizações criminais, os períodos mortos ou regulares de funcionamento são as épocas mais adequadas por serem discretos e evitam qualquer suspeita, diferente duma altura em que esteja em investigação ou acusação de uma organização criminal suspeita.
Porém nos casos mediáticos como são os processos políticos, a melhor época pode ser em períodos eleitorais, muito pelo impacto que se tem e a euforia que se cria, o que diminui a capacidade de análise crítica e um olhar para além do óbvio, principalmente quando os partidos políticos não têm órgãos internos de contrainteligência, ou ainda quando estão em crise de popularidade ou decadência.
As estratégias podem variar em função da organização político-partidária, da capacidade de actuação dos partidos e do nível de desenvolvimento político-democrático. Quando se trate de regimes de partidos dominantes, podem ser usados agentes duplos, no sentido de que se podem contratar agentes dentro destes partidos que funcionem como agentes ocultos, ou ainda alguns deles podem se oferecer para colaborar com partidos minoritários e em ascensão.
Muitas vezes são indivíduos descontentes mas por medo de represálias para si e seus próximos não podem desertar, e por isso vão colaborando fornecendo informação estratégica, esperando pelo momento oportuno para desertar, podendo nunca acontecer.
Por outro lado, nos casos de partidos em ascensão, mas com falta de quadros, essa fragilidade pode ser usada para introduzir agentes provocadores ou verdadeiros agentes ocultos, ou ainda agentes inactivos que se encarregam de conhecer o partido por dentro, sua visão e reportar tudo, ou ainda sendo membro partidário activo a espera da melhor oportunidade para agir como agente de espionagem. Neste caso, podem ser usados tanto agentes simples que se fazem passar por membros, como se podem usar antigos altos membros de um ou outro partido, que podem significar uma mais-valia numa primeira fase para o partido, mas a médio e longo prazo a missão é destrui-lo.
Uma terceira estratégia que pode ser usada é a de criação de partidos pequenos ou apoiar a mantê-los activos. Estes podem ser usados para infiltrar-se em forma de coligação tanto para estratégia eleitoral como também para destruir certos partidos que estejam em evolução. Os seus membros, poucos e as vezes nem conhecidos publicamente, facilmente se movimentam entre os diversos partidos e isso pode ser usado a favor para fins de espionagem política.
A sua missão é de recolher informação, estratégias, desinformar, instigar a discórdia interna com o fim para os quais estão a serviço: fragilizar e destruir o partido.
4. Tirando a limpo
A espionagem pode ser política, militar, económica ou empresarial, industrial, técnico-científico, psicossocial, etc. Para estas linhas trouxemos aqueles tipos que nos interessam ou nos ajudem a despertar o interesse para perceber e analisar a realidade actual política moçambicana, caso se aplique. Para cada uma dessas áreas podem existir agentes ocultos, quer nacionais quer internacionais, para servir a organizações adversárias ou ainda aos Estados.
Cada partido político pode organizar-se, estruturar-se com pessoal capaz e treinado por forma a detectar indícios, sinais e até possíveis agentes ocultos filiados nas suas organizações. Um bom questionário, um bom filtro, e uma boa entrevista a quem se queira filiar ao seu partido pode oferecer dados que permitam monitorar todos os casos suspeitos e obrigatoriamente aos desertores.
Crucial e poderá ser determinante que os partidos políticos estejam dotados de bons analistas e equipas de supervisão político-partidário, com capacidade técnica e científica sobre serviços de inteligência, técnicas e metodologias de espionagem, para reduzir a vulnerabilidade de que as suas organizações sejam destruídas ao longo do tempo.
Desengane-se quem pense que estas técnicas caíram em desuso, basta ver os escândalos de suspeitas de espionagem a escala mundial para provar que ou estas armas estão voltando ou elas continuam mais firmes do que nunca.
A questão que se mantém no contexto político nacional actual, e que não procuramos aqui responder, é: desertores, traidores ou agentes ocultos?
Fonte: VERTICAL in Mocambique para todos – 21.08.2014
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