quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Temos ou não um governo em Moçambique?

“Segundo, o Presidente Guebuza leva, nas suas “presidências abertas e inclusivas”, entre cinco e seis helicópteros. Onde estão? Se ele consegue alugar tantos helicópteros só para passeios pelos distritos, por que não o poder fazer para salvar vidas do seu “maravilhoso povo”? Quer dizer que o povo tem direito ao sofrimento e à morte e a elite tem direito a deixar o povo sofrer e morrer...!

Debaixo de calor intenso que se intercala com as chuvas sem nuvens negras, um jovem de Moatize, que se diz ser meu fã, encosta-se a mim e pergunta-me: Olha, será que temos um governo em Moçambique? Eu respondi: sim, temos. Mas a questão para mim não pode ser essa. Censurei-lhe. A questão para mim deve ser: a quem serve esse Governo? Certamente a si mesmo, muito pouco ao povo.
O jovem, bastante atrevido, cómico, que até me pediu para apadrinhar a sua entrada no Gungu, puxou-me para uma mesa solta. Disse que é membro da Organização da Juventude de Moçambique, braço juvenil da Frelimo. Notei que ele tinha muita curiosidade. Também gosto de satisfazer curiosidades dos que me admiram. Era hora do almoço, ele não se mostrava disposto a almoçar. Sentados num frente-a-frente, eis que começa a entrevistar-me:
- Senhor Mabunda, você tem sido muito crítico do Governo. Por que razão?
- Atenção, eu não critico o Governo, critico o comportamento de algumas pessoas do Governo. Mesmo assim, se critico o Governo é porque quero que trabalhe mais. Mais do que um governo de reacção, sempre encontrado na curva pelos fenómenos, deve ser um governo de acção e pró-acção. Infelizmente, é um governo letárgico, de “businessmen”. só vêem negócios onde estão.
- Quem acha que se comporta mal no Governo?
- Olha, você coloca-me um desafio. Mas, como queres saber e eu não sou de tabus, vou dizer-lhe. Quando uma família se comporta mal de quem é a responsabilidade?
- É do chefe da família, claro.
- Muito bem. Olha, o que as pessoas irão dizer quando um chefe da família, quando censurado pelo seu mau desempenho ou comportamento, sai à rua e pelos bairros a gritar, por exemplo: “vocês são apóstolos de desgraça”, “vocês são tagarelas”, “agitadores profissionais”... O que espera do comportamento dos filhos ou subordinados desse chefe?
- Também indisciplinados.
- Muito bem. Não fui eu que disse.

- O que achou da festa do camarada, sua excelência Presidente da República, Comandante em Chefe das Forças Armadas de Moçambique, o nosso visionário e clarividente líder?
- Ainda bem que me pergunta isso. Olha jovem, a festa foi bonita. Bebeu-se, dançou-se e, eventualmente, vomitou-se. 70 anos é uma obra. Devem ser efusivamente festejados. Mas a transmissão em directo da Televisão de Moçambique (TVM) manchou tudo. Ou seja, a tentativa de escovar o camarada em Chefe, a direcção da TVM acabou introduzindo a cabeça de Guebuza na lama. Acho que o meu colega da equipa de futebol, Armindo Chavana, deu-se mal nessa assessoria. Da mesma forma que os serviços de imprensa da Presidência também se revelam mentalmente paralisados. Aliás, nunca funcionaram, senão apenas para distribuir comunicados.
- Está a dizer-me que gostou mas...
- Foi-me indiferente, mas, por um lado, não gostei. Primeiro, parecia aniversário de Kim Jong Il. Ele devia ter realizado a mega -festa sem transmissão. Qualquer um pode celebrar o seu aniversário, convidando o número de pessoas que quiser e o tipo de convidados que quiser, em privado. Transmitir para todo o mundo em directo durante 8 horas foi demais. Quanto nos custou aquele aniversário? Mesmo os feriados nacionais não têm aquele tipo de transmissão, que são datas nacionais, de todos os moçambicanos. Valorizamos figuras e não a nação.
- Mais
- As imagens da festa contrastavam com as imagens de população de algumas zonas. A TVM transmitia as imagens da festa, onde se comia, bebia-se e deitou-se na lixeira e, simultaneamente, transmitia imagens da população que flutuava na água, sem o que comer nem beber. Uma desumanidade terrível. Como diziam alguns jovens do Chókwè: “O Presidente fez a mega-festa e depois foi abrir a água para nos acabar”. Há razões para eles encontrarem o nexo de casualidade entre a mega-festa e as cheias, uma vez que tudo coincidiu.
Quero dizer mais: as cheias que assolaram e continuam a assolar o país, sobretudo a província de Gaza (as cidades de Chókwè e Xai-Xai) vieram deixar claro que o Governo que temos não só é insensível aos problemas, ao sofrimento e à morte do seu “maravilhoso povo”, como também se revela felino, perigoso e desumano. A questão agora é: é bom o governo revelar o seu lado felino, perigoso e desumano à população de Gaza, por sinal seu bastião eleitoral? Digo que sim, é bom.
- Porquê...?
- Por que o povo de Gaza sempre acarinhou a elite que em nada lhe serve. Usa-o durante campanhas eleitorais e depois abandona-o. Hoje, tudo assola a província de Gaza: cheias, fome, pobreza, miséria, desemprego, falta de investimentos, entre outros, mas, estranhamente, Gaza é a única província que continua a não tolerar o exercício da democracia, sobretudo a participação política de partidos da oposição. É bom nesse sentido.
Veja que quando a população estava sitiada, empoleirada em árvores e em tectos durante dias, sem comida nem água, o Governo, mais do que mandar helicóptero para resgatá-la, sobrevoava os mesmos tectos e árvores, assistindo ao drama como se de filme se tratasse. Acho que até tiravam fotografias...
O governador de Gaza foi visitar os afectados, mas nem sequer desceu da viatura. Que governante tão insensível!
- Acho que não havia helicóptero...
- Ohh, jovem. Primeiro, o Presidente Guebuza foi de helicóptero para Chihaquelane, a cerca de 160 km da cidade de Maputo. Por que não foi via terrestre e, desse modo, disponibilizar o seu helicóptero para o resgate da população (salvar vidas)?
Segundo, o Presidente Guebuza leva, nas suas “presidências abertas e inclusivas”, entre cinco e seis helicópteros. Onde estão? Se ele consegue alugar tantos helicópteros só para passeios pelos distritos, por que não o poder fazer para salvar vidas do seu “maravilhoso povo”? Quer dizer que o povo tem direito ao sofrimento e à morte e a elite tem direito a deixar o povo sofrer e morrer...!
- Mabunda, nós também temos esse problema de dirigentes que não querem ouvir, só nos querem durante as eleições. Por exemplo, quando marcamos uma audiência com administrador ou presidente do Conselho Municipal, a resposta (negativa) só chega 45 a 60 dias depois, porque a carta de pedido de audiência entra pela Direcção Distrital da Juventude, passa por várias direcções distritais e desagua na sede distrital e até provincial do partido Frelimo, só depois é que vem a resposta. Só queria partilhar consigo esse dilema.
- Olha jovem, se vocês são usados e aceitam ficar tanto tempo à espera de uma resposta negativa é porque vocês também gostam disso.
- O que iríamos fazer?
- Ohh, tenho uma solução tão simples para si e para todos os jovens deste país. Primeiro, devem ser cidadãos, porque assim vão conhecer os vossos direitos e deveres. Só assim poderão agir contra esse tipo de dirigentes.
Segundo, sugiro-vos uma coisa simples, que é o remédio contra aqueles que vêm dançar convosco durante as eleições para conquistar o vosso voto e depois de lhes votarem abandonam e sujeitam-vos a tantas voltas quando querem um encontro com eles. A solução é: quando chegar o processo eleitoral, quando essas pessoas aproximarem-se de vos querendo um encontro para vos sensibilizar a votar neles e usarem-vos para encher camiões e atacarem caravanas de partidos concorrentes, digam-lhes para submeter uma carta dirigida a vocês (jovens) a pedirem audiência. Essa carta deve percorrer todas as organizações de jovens, tal como acontece com as cartas que vocês submetem a eles. E digam-lhes, claramente, que devido a processos burocráticos, essa carta só terá resposta daqui a 45 ou 60 dias. Na verdade, estarão a dizer que eles terão a resposta nas urnas. Essa é a melhor resposta, o melhor remédio.
- Obrigado
- Nada. Façam isso.
 Fonte: O País online – 06.02.2013

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