Maputo (Canalmoz) – A Polícia tomou total protagonismo nas eleições de 18 de Abril em Inhambane. Mais uma vez, a Polícia comportou-se como uma força de choque do partido Frelimo, sem cultura de Estado. Mas não foi só a Polícia.
Foram também ministros, tal o caso do ministro da Energia, Salvador Namburete, na Escola de Chamane, que usou o cargo para dar ordens à Polícia, ordens que esta cumpria com zelo tal a urgência com que aparecia, até usando carros blindados de assalto.
Foi o STAE que andou com Polícias nos seus próprios carros a dirigir a detenção de cidadãos que eram escrupulosamente escolhidos dentro de um determinado perfil, como sucedeu por iniciativa do seu funcionário Alberto Carlos Guila na viatura Nissan Hardbody, MMQ-40-60, na Escola 25 de Setembro. Ele telefonava para a PRM vir executar o trabalho, sem que se respeitasse o artigo 88.2 da Lei 18/2007, de 18 de Julho, em que está previsto que só um presidente de Mesa de Voto, “depois de ouvida esta”, possa “requisitar a presença da força de manutenção da ordem, com menção na acta das razões da requisição e do período de presença da força armada”. Seguramente em nenhuma acta se obedeceu a este preceito, porque nenhuma iniciativa partiu de dentro de uma assembleia.
A Polícia agiu por ordens da comandante provincial da PRM, Arsénia Massingue. O Governo foi afinal quem dirigiu estas eleições e a CNE/STAE obedeceram.
A acção da Polícia fez-se por ordens de pessoas externas às equipas das assembleias de voto.
Foi o SISE.
Foi a FIR, com blindados.
Em Inhambane puseram-se a prender só membros da oposição interessada no processo.
Andaram a prender jovens do MDM, de escola em escola.
As Forças de Intervenção Rápida transformaram-se em Polícia Política do Regime.
Foram ao todo 53 membros do MDM detidos ao longo do dia, sobretudo às primeiras horas do dia da votação. Dezasseis (16) foram libertados no mesmo dia, depois de tudo terminado e garantida a vitória do candidato protegido pelas forças que era de se supor serem da Lei e Ordem e servirem todos os cidadãos de forma igual e com base exclusivamente na Lei, mas que se desviaram do pressuposto e estiveram apenas ao serviço de uma candidatura violando de forma escandalosa tudo o que é de mais elementar num Estado de Direito.
Rosa Macauze, directora provincial do STAE, em conferência de Imprensa que deu às 11 horas do dia da votação, respondendo a uma pergunta que o Canal de Moçambique lhe fez – Qual é o limite da assembleia de voto e de posto de votação, respectivamente?”, disse – está gravado – que “o posto de votação é o local onde estão instaladas as assembleias de voto, e nesse caso na parte interior toda está proibida a presença de Polícias”.
Retórica apenas. Havia Polícia por todos os lados, dentro até das assembleias de voto armados de AK47. Temos fotografias que ilustram bem isso.
Sendo que a Lei diz que a Polícia deve estar a mais de 300 metros: é das assembleias de voto ou do posto de votação? – perguntámos a Rosa Macauze.
“É das assembleias de voto”, respondeu segura a directora provincial do STAE.
Mas a Polícia está dentro do recinto das escolas a menos de 300 metros das assembleias de voto, dissemos-lhe e convidámo-la simultaneamente a ir confirmar isso no terreno, com a presença da Imprensa. Claro que não aceitou o nosso convite. Disse apenas que “a Polícia deve estar num lugar visível para acompanhar o decorrer do processo porque se formos a pegar numa fita métrica vamos ver que a nossa Polícia não está à altura de viver o processo”.
“Os Polícias não estão a impedir os eleitores”, concluiria, buscando, só pode, inspiração no seu subconsciente.
Estava também a senhora nessa altura (11h00) convencida, ou fazia-se, de que das 15 às 18 horas os eleitores que ainda não tinham votado afluiriam em massa para votar. Os que se tivessem deixado para mais tarde, como é habitual em Inhambane, iriam aparecer entre às 15 e às 18 horas. Estava enganada. Os eleitores já estavam suficientemente amedrontados. As forças policiais já tinham executado o seu papel com “ordens superiores”. Os jovens já nem queriam ouvir falar de eleições. Mesmo os mais idosos nos diziam que naquele clima de coação se não tivessem votado às primeiras horas da manhã, seguramente que não votariam. Havia blindados estacionados, por exemplo, na estrada do Tofo, ao lado do Babalaza, não fossem os jovens de regresso da praia ainda pensarem em ir votar. Afinal nem à praia tinham ido, tal o medo que a Polícia induziu nas pessoas logo às primeiras horas do dia.
Os preceitos da democracia foram assim violados da forma mais descarada, mais uma vez pelas Forças de Segurança. Agiram servindo o partido no poder, não permitindo que na sua plenitude os eleitores se expressassem livremente nas urnas.
Nunca houve tanta policia nas ruas de Inhambane como no dia das eleições.
A Polícia semeou o medo em Inhambane.
A vitória de Benedito Guimino vai assim ser reconhecida, mas em Inhambane os cidadãos não a celebraram. Não terá sabor à vitória. Toda a gente sabe de quanta ameaça e intimidação beneficiou o vencedor.
Continuar-se a afirmar que a Democracia é um processo em constante aperfeiçoamento tornou-se a partir destas eleições intercalares de Inhambane, um lugar comum de recorrência de quem precisa como de pão para a boca da estabilidade nos chamados países periféricos onde têm agora as suas fontes alternativas de sobrevivência depois de terem esgotado os seus próprios recursos.
Só realmente gente sem o mínimo de escrúpulos e sem vergonha na cara poderá a partir destas eleições de Inhambane continuar a afirmar que em Moçambique está em construção um Estado de Direito e uma democracia com pernas para andar.
Foram encarcerados 37 cidadãos jovens, todos eles do sistema logístico do MDM que se incumbia da assistência aos delegados de candidatura de Fernando Nhaca, claramente para assustar os outros jovens eleitores. Vendo jeeps da Polícia a passearem pela cidade, carregados de jovens detidos, os eleitores remeteram-se às suas casas com receio de que algo também lhes pudesse suceder se se atrevessem a ir cumprir com um direito cívico fundamental. Mesmo os que estavam para votar se apavoraram com aquele aparato bélico.
O desvario das forças policiais, em conluio com o STAE, SISE, PRM e a própria CNE estiveram na ordem do dia quando os munícipes de Inhambane deviam sentir-se livres para escolherem sem qualquer tipo de ameaças e constrangimentos o candidato da sua preferência. A grande ameaça passou-se fora do perímetro dos postos de votação.
Não se conhece qualquer membro do partido Frelimo detido, o que revela bem o método cirúrgico usado.
Os membros do MDM foram detidos sem culpa que encontrasse enquadramento legal. Porque interessava à Polícia prendê-los em quantidade para desmontarem completamente o cordão de assistência aos seus delegados de candidatura nas mesas de voto para impedir o controlo necessário contra qualquer fraude ou enchimento de urnas. A partir do momento em que viram os seus colegas serem detidos, encolheram-se e passaram a aceitar todo o tipo de questões. Não era preciso haver culpa formada para alguém ir preso. A prova disso é que depois das eleições, todos detidos foram soltos, sem aparente explicação e em jeito de “pode ir e depressa”. Ou seja, não lhes foi informado o motivo da sua detenção, assim como da sua soltura.
A Polícia tratou cidadãos, como descreveu Duduque dos Anjos, de forma “brutal e selvagem”, e no fim dos objectivos atingidos disseram-lhes apenas “podem ir e depressa”, pondo-lhes os respectivos mandatos de soltura à frente para assinarem e quem os prendeu ver-se livre de responsabilidades, como se não tivessem o direito de saberem ao menos porque os privaram de liberdade durante mais de 48 horas, a compartilharem celas com criminosos declarados.
A Lei 18/2007, de 18 de Julho (relativa à eleição autárquica), diz no seu artigo 88 que é permitida a presença da Polícia num raio de 300 metros ou mais em relação à assembleia de voto, apenas com uma excepção: quando for para pôr termo a tumulto ou obstar a agressão ou violência. E nada disso aconteceu. A Polícia esteve a desfilar nas assembleias de voto de arma em punho a “caçar” membros do MDM. Quem será responsabilizado pela ilegalidade? Certamente que ninguém.
Quem querem continuar a enganar com estes circos pré-históricos?
(Canalmoz / Canal de Moçambique)
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