O presidente do Tribunal Administrativo, Machatine Munguambe, comentou, em exclusivo ao “O Pais”, as declarações do ministro das Finanças, Manuel Chang, segundo as quais o Governo não tem como accionar mecanismos coercivos para cobrar dívidas concedidas pelo tesouro em 2002.
O Relatório e Parecer do Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do Estado 2010 revela que apenas 25,9% das empresas a que o Estado emprestou dinheiro pagam regularmente, enquanto 29,6% pagam irregularmente e quase metade nunca pagou.
“Só a dívida fiscal é que é cobrável coercivamente, mas a dívida ao tesouro não. Ou seja, se alguém não paga imposto, o Governo tem mecanismos próprios, mas isso é diferente desta dívida. Deixa-me dizer que, para este caso, assinámos contratos com estas entidades e cada uma tem um prazo para a amortização da dívida, mas ela não será para hoje, amanhã ou depois de amanhã, mas com o tempo vão pagar”, explicou Chang. O ministro das Finanças acrescentou que “aquele não é dinheiro do Orçamento e sim o que os doadores deram para aquele ano e, se não o usássemos, iriam levá-lo de volta”, disse Chang. Em seguida, transcrevemos as partes significativas da entrevista exclusiva concedida por Munguambe a este diário.
Senhor presidente, qual é análise que faz das declarações do ministro das Finanças, segundo as quais o Governo não tem como cobrar coercivamente os valores devidos ao tesouro em 2002?
Eu não sei se o Governo diz que não pode cobrar. O que acompanhei foi que o Governo solicitou uma empresa especializada para perseguir este crédito malparado. Eu penso que há-de ser uma empresa que, realmente, vai fazer ou está a fazer esse trabalho.
Quais são os mecanismos, na óptica do Tribunal Administrativo, que podem ser adoptados para que, rapidamente, o Governo possa reaver esses créditos?
Não há mecanismos especiais do ponto de vista do Tribunal Administrativo. Todos eles têm que ser mecanismos de acordo com a lei. E se havia, de acordo com a lei, a contratação de uma empresa especializada, então, que seja isso.
Qual é a análise que faz em relação às recomendações do Tribunal Administrativo? É que, anualmente, faz as mesmas recomendações no sentido de o Governo parar de fazer compras sem registos e de usar fundos sem justificativos (...), mas esta tendência continua. O Tribunal Administrativo não está a pregar no deserto?
Não! O Tribunal Administrativo não está a pregar no deserto. Nós, em algum momento no nosso Relatório e Parecer sobre a Caixa Geral do Estado, reconhecemos que há melhorias. Não se pode dizer que estamos a pregar no deserto. Agora, se o ritmo é lento ou rápido, creio que não é o Tribunal que pode responder, o próprio Governo pode responder sobre essa parte.
Mas como juiz do Tribunal Administrativo, como é que se cobram dívidas decorrentes de empréstimos feitos pelo tesouro? Qual é o mecanismo judicial ou administrativo que pode ser accionado?
Eu tenho impressão de que essa parte é mesmo da responsabilidade do executivo. O nosso papel é constatar e relatar sobre as constatações de forma analítica, tendo em conta o processo, digamos, da recuperação dos fundos, rápido ou lento. E é isso que fazemos: retratar no nosso relatório e no nosso parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE). Continuo a pensar, e não são ideia minhas mas o reflexo de uma ciência, que nós estamos perante a concretização de um processo democrático de gestão de coisa pública em que participam os vários poderes: o executivo faz a sua parte; nós como poder judicial administrativo fazemos a nossa parte e o legislativo faz a sua parte. Portanto, aqui há um trabalho complementar. Não há-de encontrar uma resposta acabada aqui no Tribunal. Tem que ser uma resposta em que se busque partes aqui e acolá para ver como, no conjunto, se deve fazer.
Fonte: O País online - 27.04.2012
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