terça-feira, outubro 06, 2009

AINDA SOBRE A PROIBIÇÃO DO VÉU ISLÂMICO NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Por Viriato Dias Caetano

“Pelos valores somos todos pela paz, mas nos interesses não podemos dizer o que somos.” José Hermano Saraiva, historiador português

Não faz muito tempo que o Ministério da Educação e Cultura (MEC) voltou a proibir o uso do véu islâmico nas escolas públicas do país, alegando a laicidade do Estado moçambicano. Uma medida, diga-se de passagem, suscitou e suscitará sempre uma ginástica mental por parte da sociedade civil e dos cientistas sociais, porquanto é um assunto que mexe com a sensibilidade das pessoas e da religião muçulmana e não só, mas na prática é entendida como uma exclusão social. Precisará o MEC de um GPS espiritual? Eis a grande questão que tentarei abordar ao longo desta reflexão.

A mim cheirou-me a uma “encomenda envenenada” contra o islamismo, cujo útero religioso é tido por alguns países como a França, Alemanha, Espanha, Inglaterra, EUA, como uma arma poderosa do terrorismo mundial. Infelizmente este tumor maligno que é o terrorismo continua a semear luto e dor entre os seres humanos, destruindo tudo aquilo que o Homem construiu com calos nas mãos, sangue e abnegação. É que os terroristas para atingir os seus objectivos (dos mais cruéis que pode haver neste vale de lágrimas) matam almas inocentes e indispensáveis para a formação de um mundo melhor: um mundo de paz e de prosperidade para todos os povos, com pretexto muita das vezes incompreensíveis como o é a própria morte.

A guerra não pode, em momento algum, substituir o diálogo, e quando assim acontece é porque estamos perante um dilúvio, provavelmente mais grave do que o da lenda de Noé. Carlos Fino, um conceituado jornalista português, estudou o “fenómeno terrorismo” e concluiu o seguinte: “As guerras contra nomes comuns como a pobreza, o crime, a droga, deram piores resultados. É que os adversários deste tipo nunca se rendem. E a guerra contra o terrorismo, infelizmente, pertence também a esta categoria.” Destaque meu.

O que me causa estranheza nesta “novela do véu islâmico” nas escolas públicas moçambicanas é o facto do MEC adoptar uma medida totalmente desfasada da nossa realidade interna, nem tem porque se preocupar. Somos um povo com um trajecto histórico ímpar na região – de paz e concórdia nacional – apesar de uma ou outra nódoa branca que cai sempre sobre o melhor pano. Não há internamente nem a nível da região austral de África mecanismo formado para o advento do terrorismo, pelo menos a curto e médio prazo, ainda que o nosso terrorismo, o mais mortal de todos, é a corrupção. Este sim constitui a espinha dorsal que estrangula a esperança dos moçambicanos e acaba com desenvolvimento do país.

Enquanto continuarmos a importar medidas de cenários estrangeiros, num contexto diferente do nosso, que nada tem a ver com a nossa realidade interna – porque acredito que para cada lugar às suas enfermidades – nunca conseguiremos combater aquilo que nos dizima como por exemplo, a malária, a corrupção, o HIV/SIDA, a tuberculose, a ociosidade, principalmente a ociosidade. O país não pode continuar a depender de terceiros para se desenvolver nem deve estar refém de quem quer que seja. O que é necessário é fazermos a diferença. Cada um deve dar o máximo de si para que o país possa andar para frente.

Estou convencido que o MEC articulou esta medida apenas para a capital do país (Maputo), cujas intenções desconheço. Que dizer daquelas escolas como a de Marire, em Cabo Delgado, e Mecanhelas, no Niassa, cujos encarregados de educação na sua maioria não têm um único vintém para comprar o propalado uniforme escolar para os seus educandos? O véu islâmico é uma bóia de salvação na indumentária das populações autóctones nestes e em outros distritos do país. O grande desafio do MEC aqui é, à semelhança dos livros de distribuição gratuita, a obrigação de distribuir uniformes escolar gratuitos para todos os estudantes carenciados.

O amigo leitor deve estar a pensar que os meus ataques contra o MEC não cessam. Sim, mas são contra o MEC e não contra uma pessoa específica no MEC. Já que estamos a falar de proibição do véu islâmico nas escolas públicas, o MEC têm a obrigação moral e a competência legal para interditar o uso de minissaias nas escolas moçambicanas, algumas do tamanho de calcinhas fio dental, os de peito fora, os de cabelos despenteados, os “friques” como se diz em gíria popular – aqueles que levam às calcas aos joelhos ao invés da cintura onde era suposto estar – um autêntico nudismo humano. O exército dos nudistas está nas universidades públicas e privadas, um exemplo que é dado pelos professores aos estudantes. É a dita “moda civilizada” como lhe chamam. Que vergonha.

Longe vão os tempos em que o professor dedicava uma ou meia hora do seu tempo para aspectos de higiene na sala de aulas como se, na verdade, os alunos fossem seus filhos. Eu passei por isso na Escola Primária Marien Ngouabi, em Tete, cujos professores tinham a fama de serem exímios educadores. E foi lá, também em Tete, onde eu e a rapaziada do meu tempo adquirimos o modelo de conduta para a vida. Nos dias de hoje o que se vê é completamente o contrário, os pais e os encarregados de educação, os professores, para não falar dos dirigentes, é o menu principal do catálogo actual que vê. Actualmente as balizas da sociedade são outras, o álcool, a prostituição, a mediocridade e o improviso. Os actuais itinerários da nossa sociedade estão, infelizmente, à deriva.

Ainda que mal pergunte, onde é que está o verdadeiro perigo de proibição do véu islâmico nas escolas moçambicanas? Haverá alguém que queira desencadear o terrorismo nas escolas? Posso até concordar que o país, neste caso vertente, o MEC se preocupe com este fenómeno “terrorismo” nas escolas, desde que o uniforme seja uma prática obrigatória comum e que essa medida não ponha em causa os mais desfavorecidos, porque a educação é um direito consagrado para todos, seja moçambicanos ou não. A educação é a uma dádiva que alguma vez o homem pode criar para dominar a ciência.

A medida tomada pelo MEC, para além de surpreendente é também evasiva, prova, aliás, que este sector necessita urgentemente de um GPS de orientação espiritual, ao invés de orientar-se em função do imediatismo e do improviso. Concordo que a lei deve ser respeitada e cumprida por todos, e que ninguém têm o direito de esconder a cara usando, à título de exemplo, o véu islâmico ou qualquer outro instrumento análogo, porquanto o uniforme escolar é ainda um sonho quimérico. A lei não conhece feriado mas também não adormece, nem pestaneja, é a lei, dura mas é a lei. Que eu saiba, as raparigas (estudantes) socorrem-se do véu islâmico apenas para encobrir os seus cabelos como qualquer lenço, afinal!; e não “erradamente” como acontece em outros lugares, cujo lenço têm a função de esconder a cara. São coisas culturais e tem que ser respeitados.

Também não concordo que o MEC faça desta medida uma guerra contra a religião muçulmana. Foi com preocupação e repúdio ver o director da Escola Secundária Francisco Manyanga, Dr. Orlando Dimas, meu professor à cadeira de geografia na 11ª classe, feito fiscal dos véus islâmicos, abdicando dos seus mais nobres afazeres ao serviço da educação, o que lhe valeu a única nota negativa que alguma vez dei àquele pedagogo por excelência.

PS: No fecho desta reflexão, as informações que nos chegam da campanha eleitoral são de que os candidatos socorrem-se das ceitas religiosas e dos curandeiros em busca da sorte (voto). Que dizer então da laicidade do Estado?

7 comentários:

encfoundations disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Viriato Dias disse...

Aló Reflctindo,
Nem sequer li o comentário, fosse ele mau ou abonatório, gostava de saber a sensibilidade do autor. Pois é, há gente que ao invés de descutir ideias tem os canos virados para atacar o próximo. É típico de gente ociosa, que não tem absolutamente nada a fazer.

Um abraço

Carlos Candeado disse...

Alo Sr. Viriato,
tinha que remover o comentário para editar.
elogio as iniciativas do Sr. Viriato em trazer sempre algo para reflectirmos no sector da educação. Desta vez sobre o veste nas instalações do ensino (primário, secundário e superior) seja por docentes como pelos alunos (pupils) e estudantes (students). Pois, não quero comentar do veu islámico por não estar preparado por enquanto. Entretanto, quanto ao vestuário nos recintos escolares merece uma reflexão profunda. O Sr. Viriato, sinto que nos seus artigos representa os pais encarregado da educação, a Sociedade Civil “inoperacional” no sector da educação e outros grupos que só assistem os acontecimentos sem pelo menos criticar o que está errado ou/e elogiar o que está funcionar bem. afinal o que queremos na/da nossa sociedade...as suas reflexões merecem debates em vários níveis...parabens...keep it up

Viriato Dias disse...

Carlos,

O termo "sr" cria uma barreira entre as pessoas. Eu não gosto muito dessa separação. Prefiro que me chame por Viriato ou simplesmente "Muna" como, aliás, algumas pessoas, carinhosamente, me tratam, em Nampula, Maputo, Lisboa, Bruxelas, enfim, onde quer que eu vá. Quanto ao seu comentário, obrigado pela sua memória, ficou registado. Creio que o país só pode andar realmente para a frente se gente como o Carlos contruibuir na sua edificação, colocando perda sobre perda. Temos é que agradecer ao Reflectindo pela generosidade em fazer postar os meus e nossos comentários aqui no seu blogue.

Obrigado

Carlos Candeado disse...

Alo Viriato,
obrogado pela sua abertura. eu também gosto de ser tratado por carlos. comento em vários blogs com o nome "kwadoka" ou "carlitos". obrigado

Reflectindo disse...

Mano Viriato,

Assim ficou esclarecido que não fui a eliminar o primeiro comentário.

Caro Carlos,

Muito obrigado pelo esclarecimento imediato.

Um abraco

Viriato Dias disse...

Para ambos o meu muito obrigado pela atenção. Gostei dessa de kwadoca, é mesmo da casa o Carlos.

Abraços