Tribuna do Editor
Por Fernando Gonçalves
Não sei se a sociedade civil ainda vai querer arriscar na sua presunção de que é capaz de dirigir um processo eleitoral limpo, incontroverso, transparente e acima de qualquer suspeita. Arriscou desta vez, e saiu com os dedos queimados.
Mas também será arriscado presumir que o problema seja da sociedade civil. Embora tenha ficado provado o que acontece quando a sociedade civil se deixa manipular por interesses políticos, aceitando ser portadora de expedientes de gente para quem a manutenção do poder justifica todos os meios necessários.
Não é tudo uma tragédia. Ao fim do dia, há uma valiosa lição que acaba por se tirar: não se perde nada em tentar ser o mais profissional que se possa ser, e enfrentar os monstros da manipulação, nem que para isso seja necessário sacrificar os benefícios materiais de curto prazo, em troca do prestígio e respeito. Os portadores de expedientes só têm utilidade enquanto durar o frete, acabando na infelicidade e no isolamento social eternos.
Outra lição: dirigir eleições é obra para gente com senso comum. Não sábios. Requer uma visão mais ampla e de longo alcance sobre os objectivos políticos que as eleições representam, espírito de diálogo e de engajamento construtivo com todos os actores no processo eleitoral. A arrogância, mesmo a coberto do manto da lei, é o pior inimigo para qualquer candidato a gestor de um processo tão complexo e politicamente sensível como são as eleições.
O que me leva ao ponto central desta minha intervenção. Precisamos de uma Comissão Nacional de Eleições (CNE) linear, profissionalizada, e dirigida por um juiz independente sénior, escolhido devido ao seu prestígio e de entre os seus próprios pares. Uma CNE funcional e eficiente não pode ter mais do que cinco membros, incluindo o seu presidente. Também será necessário repensar no modelo de gestão eleitoral mais eficaz para o país. Actualmente pouca distinção se pode fazer entre a CNE e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), este último conhecido apenas como sendo o braço operativo do primeiro.
A existência de dois níveis para a gestão do processo eleitoral significa uma certa duplicação, para além de que não raras vezes, o braço operativo (STAE) tem que se sujeitar a longos períodos de espera enquanto decorre o processo deliberativo ao nível do órgão de supervisão, o que se poderia evitar se as actividades do STAE estivessem incorporadas na CNE.
O argumento a favor da junção das duas entidades torna-se ainda mais reforçado pelo facto de que o arbítrio final sobre processos eleitorais cabe ao Conselho Constitucional, o que significa que não se justifica a existência de uma instituição intermédia, neste caso a CNE.
Há uma tentativa da sociedade civil se reinventar, o que é salutar, pois é importante que para o sucesso do processo democrático a sociedade civil procure exercer a sua influência e pressão sobre a acção governativa. Mas é perigoso que ela pretenda se substituir ao governo, o qual é eleito pelo povo. Porque quando a sociedade civil assume o lugar do governo, ela deixa de existir em tanto que tal.
PS: Aproveito a oportunidade para felicitar o antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, pela passagem, no dia 22 de Outubro, do seu 70º aniversário natalício. Que tenha muitos anos de vida, para que continuemos a beneficiar da sua inteligência, sabedoria e visão de longo alcance.
Fonte: SAVANA (23-10-2009)
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