Por Pedro Nacuo
A riqueza que parecia andar de mão em mão está a voltar a seguir os cordelinhos do sistema fiduciário existente no país, onde o Estado aparece como o primeiro beneficiário, graças a medidas de segurança que a empresa que explora a mina de Namanhumbir impôs, que a pouco e pouco vão fechando as brechas por onde passavam as pedras preciosas que depois iam inundar todo o mundo com a fama de terem vindo de Montepuez, em Moçambique.
É uma atitude de moçambicanos que eram usados para irem furar o então sistema de segurança, o que incluía o uso da força, para de lá tirarem o produto que, por não saberem do seu real valor, vendiam-no a preço de banana, enganados que disso resultava um negócio bem feito, enriquecendo estrangeiros de diversas proveniências, que, então, ficavam a ganhar, num país onde o Estado não ficava com patavina.
Fora em Namanhumbir, onde em Março de 2010, segundo publicámos na oportunidade, um moçambicano tinha conseguido, em cerca de três metros de profundidade, extrair 2,7 gramas de rubi e vendeu-o por 60.000,00Mt, no local, o que na opinião dos residentes era um negócio bem conseguido.
Todavia, a mesma quantidade foi posta três dias depois por 18.000 dólares na Tailândia e na mesma semana houve a confirmação de que acabou sendo vendida em Hong-Kong por 85.000 dólares.
Para os que bem conheciam a importância e valor daquele minério, não havia melhor negócio do que aquela modalidade que se assemelhava a uma oferta de uma terra generosa, que se localizava numa parcela do território moçambicano.
E a notícia do rubi de Namanhumbir fez deslocar rapidamente cidadãos de outros quadrantes do mundo, maioritariamente tailandeses, tanzanianos e outros cidadãos do Oeste e Centro da África, que invadiram a minúscula cidade de Montepuez, localizada há cerca de 205 quilómetros a sul de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado. Já não eram estrangeiros que procuravam acolhimento ou passavam pelo território nacional à guisa de melhores condições de vida que a conjuntura político-social não permite nos países de origem.
Eram cidadãos que, ao contrário daqueles, se faziam transportar em viaturas todo-o-terreno, luxuosas, com matrículas estrangeiras, razão por que a Geptex, a maior pensão de Montepuez, construída para dormitório dos trabalhadores têxteis duma fábrica que seria construída naquela área geográfica de Cabo Delgado, mas que não chegou a acontecer, pois ruiu com o próprio sonho, no quadro do projecto dos 400.000 hectares que abrangeria as províncias de Cabo Delgado e Niassa, andava, então, sem mais lugar para a hospedagem.
O outro lugar de hospedagem, “Zavala”, também “falava” línguas dos grandes lagos e África Ocidental e Oriental, porque cidadãos daqueles países alugavam os quartos para tempo indeterminado, pagando semanalmente as tranches que propiciassem a manutenção das hospedarias.
O que seria alternativa, o “Matchikitchi”, pertença de um deputado e seus associados, tinha poucos quartos e estava em reabilitação, o que beneficiava a casa de hóspedes da Caixa Comunitária de Montepuez, assim com à Abarragélia, na estrada que vai dar ao complexo industrial da Plexus.
Riqueza postiça durou dois anos
Maputo, Sábado, 20 de Abril de 2013 Notícias
O rubi fez deslocar a Montepuez gente abastada ou seus enviados, da Ásia, Europa, das Américas e do Ocidente e Centro do nosso continente, semeando imediatamente uma tensão social que mereceu diferentes tipos de intervenção, desde persuasivas a coercivas.
Do mesmo modo, cidadãos de outros pontos do país, principalmente Niassa, Nampula e Zambézia, que traziam alguma experiência de garimpo, estabeleceram-se para retirarem o produto e depois vendê-lo aos estrangeiros a preços teoricamente compensativos, mas que na realidade acabavam sendo muito baratos quando postos no principal mercado das gemas, em Hong-Kong, tal como ilustra o exemplo atrás citado.
A tensão em Namanhumbir partia do facto de o Governo querer impor a ordem na exploração daquele minério por entidades licenciadas e a comunidade populacional entender que estava a perder a oportunidade de ser ela própria a ganhar, individualmente, pelo facto de estar a viver numa região a que a natureza ofereceu a especificidade de ter no seu ventre um mineral largamente procurado pelo mundo fora.
Por outro lado, a população achava que a vida, tanto de Namanhumbir quanto de todo o distrito de Montepuez estava a melhorar na prática por intermédio das vendas que se faziam directamente aos compradores estrangeiros bem como outras vantagens colaterais provindas do aluguer das suas casas a preços competitivos como é, por exemplo, o pagamento de 25.000,00Mt mensais por palhota e a relação que a pouco e pouco estava a ser criada, a nível conjugal, com as filhas de Namanhumbir, e não só.
Dos prejuízos do Estado à concessão da mina
Maputo, Sábado, 20 de Abril de 2013 Notícias
A Mwiriti, Lda., que acabou conseguindo a concessão da área, enfrentou inúmeros problemas colocados pela presença dos estrangeiros e conivência, tanto dos seus próprios trabalhadores como dos agentes que deveriam desaconselhar aqueles, usando, se necessário, métodos repressivos.
Mais tarde soube-se que a conivência tinha a ver com o facto de alguns dirigentes e policiais beneficiarem da desordem, pois os estrangeiros, já feitos patrões, pagavam aos agentes do Estado para conseguirem uma dupla vantagem resultante do roubo desenfreado e da sua impunidade.
Quando a Mwiriti, Lda., consegue uma “joint-venture”, através da sua associação com a poderosa britânica Gemfields, do que resultou a Montepuez Rubi Mining, Lda., a nova empresa estabelece regras e métodos de segurança que de repente transformaram Montepuez numa terra normal.
“Isto agora está assim morto porque aqueles estrangeiros que andavam por aqui já saíram, os que compraram a mina são muito rigorosos”, eis a justificação que se encontra nos residentes da cidade de Montepuez contactados no fim-de-semana passado.
“Obama”: o dinheirão que voltou a ser humilde
Maputo, Sábado, 20 de Abril de 2013 Notícias
Conta-se que numa das mais luxuosas pensões de Montepuez, onde funciona um restaurante, conhecido apenas por LITOS, em diversas vezes chegava e ordenava que cada um bebesse e comesse o que quisesse.
Numa dessas vezes o proprietário quis insurgir-se, aparentemente porque parecia que Obama não pudesse ter condições suficientes para pagar tudo o que devia. Em resposta Obama levou-o para o interior da sua viatura, onde abriu-lhe a mala que tinha e pediu que escolhesse a moeda com que queria que a dívida fosse paga. Eram maços de diferentes tipos de moedas convertíveis e do metical!
Neste último fim-de-semana o nosso Jornal quis saber se, com base no actual cenário, Obama ainda se encontrava em Montepuez, ao que fomos respondidos positivamente.
“Ele está aqui em Montepuez, mas na condição de uma pessoa normal. Não aquele que de cada vez que entrava em qualquer dos seus bolsos à procura de chaves ou outra coisa só caía dinheiro. Não aquele que não bebia nada aos cálices, tudo era em garrafa, que pagava tudo e todos. Agora tem frequentado o “Zavala”, lá no bairro Nacate, como qualquer um de nós. Afinal aquele dinheiro não resultava de nenhum esforço, esfumou-se”, explicou-nos um estudante universitário com quem conversámos no “LitoS”.
O presidente do Conselho Municipal de Montepuez, Rafael Correia, posto a comentar a presença dos estrangeiros na sua cidade, que se havia transformado em “quartel-general” de parceria com a aldeia de Nanhupo, uma espécie de zona-tampão, há cinco quilómetros de Namanhumbir, disse: “Face às novas medidas de segurança impostas pela empresa concessionária a pressão diminuiu significativamente”.
Entretanto, os compradores ilegais de minérios que ainda restam encontraram uma maneira de não ser incomodados pelas autoridades, voltando ao método de “entendimento” com os agentes da lei e ordem que normalmente circulam pela área onde se posicionam.
É na rua que vai dar ao “Zavala” ou aeródromo local, junto ao Mercado Central, onde informações não confirmadas dizem tratar-se do lugar onde a Polícia frequenta, mas sem deter ninguém.
“Pelo contrário, de cada vez que os policiais passam ali recebem aquilo que chamam “diária”, um valor normalmente de entre 100,00 a 500,00Mt, que todos os dias eles devem desembolsar para garantir protecção”, revelou-nos um cidadão que se prontificou a ir nos mostrar o local de concentração habitual dos poucos estrangeiros remanescentes.
DINHEIRO SEM SACRIFÍCIO NÃO É DINHEIRO!
Quem mais parece contrariado com o actual estágio das coisas parecem as casas de hospedagem, restaurantes e as chamadas trabalhadoras do sexo, grupos aonde fomos encontrar opiniões relutantes em relação ao controlo efectivo da mina de Namanhumbir.
Em dois dias consecutivos as discussões que encontrámos no “Litos” giravam à volta da razoabilidade da medida que travou a avalanche de estrangeiros em Montepuez. Grupos de estudantes e trabalhadores sempre puseram na mesa circunstancial de debate o assunto ligado àquilo que alguns pensavam que aceleraria o desenvolvimento da região.
“Aqui onde estamos tudo isto estaria apinhado de gente a comprar. Todos os dias chorávamos por não termos conseguido satisfazer a clientela, mas hoje, é como vê, ficámos entre nós e as pessoas que comem contam-se pelos dedos”, reclamava um trabalhador de balcão, que nos confessou ser um “benfiquista” de gema.
A mesma reclamação obtivemos de caras femininas nossas conhecidas que já não se viam na capital provincial porque se haviam deslocado para Montepuez, onde, como trabalhadoras do sexo, desempenhavam a sua tarefa a modos que lhes parecia mais rentáveis, tendo ao dispor os estrangeiros para quem o dinheiro não era dificuldade.
“Tio, isto já morreu de novo. Haviam aqui manda-chuvas, a linguagem era só dólares, euros, randes. Aqui bebíamos, comíamos e fazíamos tudo numa boa! Agora os estrangeiros foram, não sei se expulsos por quem, mas a verdade é que Montepuez está a voltar a ficar em baixo”, disse uma interlocutora que nos parecia ter ido àquela cidade para alguma faculdade.
Porém, um jovem estudante presente na conversa que tivemos disse, dirigindo-se aos outros, que Montepuez estava a ficar enganado com o desenvolvimento que considerou postiço, alegadamente porque todo o dinheiro que era exibido só andava em bolsos individuais.
“Todo aquele dinheiro era nosso, vinha de Namanhumbir e foi-se embora. Não deixou escola, nem hospital, não abriu nenhuma faculdade e, como vêem, voltámos a ser como éramos, porque dinheiro apanhado sem sacrifício não é dinheiro. Com aquele dinheiro de Obama, por exemplo, construíram-se coisas luxuosas para algumas pessoas, mas como não estamos formados para usá-las correctamente daqui há pouco vamos destruir. Não ganhámos nada. Mesmo tu, minha irmã, dizes que ganhaste muito dinheiro, nem com metade te lembraste em te matriculares na UP”, rematou o estudante.
- Pedro Nacuo
Fonte: Jornal Notícias - 20.04.2013
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