A manifestação popular é um direito constitucional cada vez mais em voga num mundo que se quer cada vez mais civilizado e mais aberto ao diálogo e concórdia entre as partes que, nalgum momento, apresentaram pontos dissonantes. É uma exigência cada vez mais actual e necessária, mas que, cá entre nós, está a tornar-se cada vez mais distante. Exemplos que atestam que o país está a trilhar caminhos contrários à cultura e promoção do diálogo são vários e a esmagadora maioria (dos diferendos) opõe os cidadãos/organizações ao Governo do Dia.
Tudo isto vem a propósito das incessantes e imparáveis manifestações populares que tem estado a acontecer com uma intensidade sem igual nos últimos tempos. É verdade que sempre tivemos manifestações de rua, mas, nos últimos tempos, todos querem fazer greve. Querem ir à rua para dizer basta a isto ou aquilo. Isto, por outras palavras, poderá significar que a esmagadora maioria (do povo) está insatisfeita com alguma coisa. E quase sempre a insatisfação está associada a alguma coisa que, no entender dos manifestantes, não foi bem feita pelo governo. Sem querermos dizer que tudo quanto se diz e se exige nas manifestações é justo, verdade é que não é normal toda a gente decidir que vai manifestar ou vai fazer algum tipo de greve. Não é normal. Significa que algo está, de facto, errado. E o reparo da insatisfação mostra-se cada vez mais urgente porque cada manifestação, ao que parece, resulta num efeito dominó, despertando consciências e recordando contas mal paradas entre cidadãos e o governo moçambicano.
Sem sermos peritos em matéria de gestão de rebeliões sociais, parece-nos muito estranha a forma de agir das autoridades governamentais. Parece-nos que o governo moçambicano está definitivamente decidido. Está decidido a carregar ou descarregar forte e feio sobre qualquer evento de manifestação popular, mesmo sabendo que este é um direito constitucional.
Entretanto, uma (re) visita simples a alguma bibliografia sobre ciência política nos vai mostrar muitos governos que decidiram usar as Forças de Defesa e Segurança para reprimir o seu povo e acabaram da pior forma que se pode imaginar. Os líderes destes governos acabaram pior ainda. Exemplos são vários.
Os madjermanes foram, por várias vezes, chamboqueados e torturados mas, até hoje, continuam a fazer manifestações de rua e continuam decididos a continuar com a luta. Dizem que irão até as últimas consequências. Com os desmobilizados de guerra aconteceu a mesma coisa, mas até hoje, continuam a fazer manifestações de rua. Também dizem que vão até as últimas consequências. Os antigos secretas (SISES) também já disseram que não irão recuar, apesar de estarem a ser perseguidos todos os dias. Afonso Dhlakama e seus homens continuam acampados nas matas da Gorongosa, reivindicando, segundo eles, contra as aldrabices do governo moçambicano. Os médicos e os médicos estagiários também dizem estar decididos a lutar até as últimas consequências, exigindo ao governo, aquilo que consideram justo. Os enfermeiros já disseram que também estão dispostos a seguir esta via, caso o governo não resolva a sua situação. Isto para não falar de empresas privadas, particularmente as que operam na segurança privada, que fazem greves quase que de forma ininterrupta. Com meio mundo em greve é hora de o governo perceber que, efectivamente, alguma coisa não vai bem. Se não vai bem, o bom senso exige que, quem tem a faca e o queijo na mão, encontre melhores fórmulas de ultrapassar os diferendos porque não queremos acreditar que o governo moçambicano esteja a pensar que vai ter forças suficientes para continuar a reprimir os madjermanes, os desmobilizados, os médicos, os SISES, a própria polícia (que também já anunciou greve), os enfermeiros...ao mesmo tempo. Não há força que pare esta gente toda ao mesmo tempo. Pior ainda quando as FDS agem efectivamente como paus mandados. Ficam cegos e não conseguem medir a força que usam para reprimir os manifestantes. Mais do que mandar as FDS reprimir manifestantes, sensato seria procurar-se mecanismos de ultrapassar os diferendos. É comum as pessoas apontarem o dedo acusador ao Presidente da República, Armando Guebuza. Dizem que ele é o causador de tudo. Dizem que é o pai de todos os problemas. Efectivamente, segundo entendimento de alguns analistas políticos, o facto de a Constituição da República conferir super poderes a Armando Guebuza, torna as acusações populares legítimas. É mesmo, por isso, que o debate actual gira em torno da redução dos poderes do Presidente da República.
Portanto, neste momento, compete ao próprio PR, na qualidade de Chefe de Governo e Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança, mandar os seus pararem com a forma como tem estado a gerir as manifestações no país. O diálogo resolve qualquer diferendo e representa a forma de ser e estar de um governo sério, coerente e verdadeiramente do povo.
Do lado oposto, estaríamos perante um governo prepotente e ditatorial, cuja defesa única é reprimir toda e qualquer reclamação do seu povo. Governo que assim age está em desuso e em verdadeiro desespero.
Fonte: SAVANA – 26.04.2013
Sem comentários:
Enviar um comentário