sábado, julho 07, 2012

“Os portugueses saem de Moçambique porque têm a consciência acusada!...”

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SAMORA Machel efectuou uma visita pelas capitais dos países nórdicos. Acompanhado por vários elementos do seu Gover­no, designadamente pêlos ministros dos Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, e pelo da Econo­mia, Mário Machungo, o Presidente de Moçambique e da FRELIMO esteve na Suécia, antes de se deslo­car à Finlândia e por último à Dinamarca. O enviado especial de «O PAÍS» em Copenhaga, Carlos Amorim, teve opor­tunidade de registar declarações de interesse de Samora Machel sob pontos em foco na actualidade.

COPENHAGA (por telex) -"Alguns brancos mudam de na­cionalidade para serem portu­gueses, que é para serem con­tratados pela República Popu­lar de Moçambique como es­trangeiros, mas, na realidade, eles não querem sair de Moçam­bique. Nós chamamos a esses elementos oportunistas econó­micos. Ouviram? Então expul­samos esses indivíduos. Ë ver­dade!"
A afirmação de Samora Machel deu-nos azo a colocar um pedido de esclarecimento:
"O PAIS" - Depois de quase dois anos de independência em Moçambique, ainda continua a regressar a Portugal uma grande maioria de indivíduos de raça branca, portugueses ou não. Não é verdade?

Samora Machel — é muito grave, isso! Tiveram uma situa­ção de privilégio em Moçambi­que. Eram patrões. Tiveram es­sa situação pelo facto de serem brancos, como superiores de ra­ça. Nunca se identificaram com nenhuma cultura moçambica­na. Estiveram em Moçambique como autoridade. Quando nós proclamámos a independência, pode imaginar o que foi! E muitos deles participaram ao la­do do fascismo. E outros, so­bretudo os milionários, finan­ciaram a guerra colonial. Permi­tiram o prolongamento da guer­ra em Moçambique. Eles saem porque têm a consciência acu­sada e abandonam Moçambique precisamente porque estabelecemos igualdade entre todos. É por isso que continuam a fugir para Portugal. Nas residências havia discriminação. Havia zona de pretos, de mulatos, de chine­ses, de indianos e nós destruí­mos isso. E eles recusam a viver com— Na sua deslocação à Dina­marca foi-lhe prometida mais ajuda por parte deste País? Qual é a ajuda que pensa conseguiu?
S. M. — As conversações ainda continuam. Ainda não chegá­mos a qualquer conclusão. Mas, numa primeira fase, expusemos a situação de Moçambique, as nossas propostas e pensamos que o Governo dinamarquês, neste momento, está a conside­rar as mesmas, para então dar a resposta. Mas desde já estamos convencidos que o Governo di­namarquês vai aumentar sub­stancialmente a ajuda a Moçam­bique e vamos estabelecer uma cooperação económica.
Relações luso-moçambicanas: boas
— Qual a sua opinião sobre as relações futuras entre Portugal e Moçambique?
S. M. — São boas.
— Poderá adiantar-nos algum nome para o futuro embaixa­dor de Moçambique em Portu­gal?
S. M. — Já foi escolhido, mas não podemos anunciar já o no­me. Até Junho ou Julho estará lá, em Portugal.
— Qual é a razão da necessi­dade de um Governo "marxis­ta" em Moçambique?
S.M. — Isso significa o desen­volvimento histórico do nosso Povo e a tomada mais alta de consciência, bem como a liber­dade que o Povo moçambicano tem de escolher o que quer ser. ë por isso que nós escolhemos essa via, que é a mais indicada, mais correcta, mais conveniente para o desenvolvimento mais rápido, para sairmos da miséria, da fome, da nudez, da pobreza e da ignorância. Só essa via é que é capaz de libertar o nosso Povo.
Zimbabwe: só luta armada
— Se a solução pacífica fa­lhar, na Rodésia, qual será a vossa atitude?
S.M. — Não há solução pací­fica possível, porque no Zim-babwe o que existe hoje é a guerra. Existe a luta armada. O , que há é a tendência de essa lu­ta transformar-se numa guerra popular e revolucionária, por­tanto o derrubamento comple­to do sistema colonial naquele País. Só intensificando a luta armada será possível encontrar a solução que não será pacífica.
— E qual seria então o custo, digamos, da parte de Moçambi­que e da parte da Rodésia?
S. M. — Pois de Moçambique não há custo nenhum! Não é Moçambique que faz guerra, mas sim o Zimbabwe. Avalia­mos desta maneira não Moçambique ou outro país, mas sim o Povo do Zimbabwe, que luta contra o colonialismo e sobretudo contra o regime ile­gal de lan Smith. Quais serão as consequências? Será a transfor­mação, ali, numa guerra racial que depois não parará os mino­ritários brancos que estão lá. Essa é que será a consequência.
— Em que circunstâncias têm existido incursões de forças rodesianas a Moçambique?
S.M. - Desde 1965 que te­nho incursões de forças rodesianas a Moçambique. Á partir do momento em que declararam a independência unilateral, os rodesianos fizeram incursões, lu­taram ao lado dos portugueses.
«Há pretos que se sentem mais portugueses do que moçambicanos»
Voltámos atrás. Surgiu a in­terrogação: são ou não expulsos portugueses de Moçambique — esta a questão colocada.
S. M. — Se nós expulsamos ou não portugueses? Seria útil se compreendesse a situação colonial. Uma situação estranha em todas as colónias. Durante a co­lonização, todos nós que esta­mos aqui éramos portugueses, éramos considerados portugue­ses. Portanto quando proclamá­mos a independência, criámos uma lei da nacionalidade. Há brancos, filhos de portugueses que não se sentem portugueses.
Há indianos nascidos em Mo­çambique, que os pais se sen­tem portugueses e os filhos não são portugueses. Há chineses nas mesmas circunstâncias. Há pretos que se sentem mais por­tugueses do que moçambica­nos. E desses todos, particular­mente esses pretos, nunca co­nheceram Portugal, não têm nenhum vínculo com Portugal, não conhecem a cultura portu­guesa, mas o que eles querem, agora, porque nós necessitamos de técnicos portugueses, e esses técnicos portugueses são con­tratados, e há vantagens econó­micas, então esses pretos mudam de nacionalidade.
O PAÍS(Lisboa) – 06.05.1977

Fonte: Mocambique para todos - 07.07.2012

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