terça-feira, agosto 25, 2009

Também não vejo problemas em os dirigentes da Frelimo serem ricos

Por Lázaro Mabunda

Passam mais de duas semanas depois de Alberto Chipande, a quem a história de Moçambique atribui a autoria do primeiro tiro no início da luta de libertação nacional, ter dito que “não há mal em os dirigentes da Frelimo serem ricos”. E, duas semanas depois, as declarações de Chipande continuam a dar eco e a alimentar debates, comentários e conversas em qualquer esqui¬na.
Haverá problema em afirmar que os dirigentes da Frelimo têm direito de serem ricos? Absolutamente não. Não vejo problema nisso. Eles, tal como qualquer cidadão, têm direito à riqueza. E onde está o problema?
O que cria toda a celeuma não é o que disse não haver mal que os dirigen¬tes da Frelimo fossem ricos. O problema está nos argumentos que apresenta para sustentar esse direito de que os dirigentes da Frelimo gozam e os crité¬rios usados para a atribuição dessa riqueza. Por exemplo, pergunta Chipande, em forma de argumento, que “e se forem ricos, qual é o mal? Afinal de contas não foram os mesmos que trouxeram a independência que vocês estão a usu¬fruir?”.
Este argumento é que, para mim, não faz nenhum sentido. Ainda mais quando se sabe que muitos dirigentes da Frelimo devem milhões de meticais ao Estado, valores de empréstimos a eles concedidos há cerca de 10 anos, sem que sejam coercivamente cobrados pelos tribunais.
O que é que Chipande nos quer transmitir com esses argumentos? Na ver¬dade, fazendo uma interpretação fiel e desapaixonada desse argumento, chega-se à conclusão de que Chipande quer transmitir-nos a ideia de que o objectivo da Frelimo, na luta contra o colonialismo, era de, mais tarde, os seus dirigentes acumularem a riqueza sem olhar para os meios. Isso contraria a teoria desde há muito defendida pela Frelimo, segundo a qual lutava para libertar os homens e a terra.
Transmite-nos igualmente a ideia de que as dívidas que os dirigentes da Frelimo têm com o estado moçambicano, que não são pagas há cerca de 10 anos – ver Contas Gerais do Estado dos últimos cinco anos – são espécie de in¬demnização por terem lutado contra o colonialismo português, não bastando as chorudas pensões de que beneficiam. Ou seja, os tribunais não têm poder de lhes fazer cobranças coercivamente, porque eles lutaram e libertaram este país. Transmite também a ideia de que “tudo fazem, tudo desfazem”.
Transmite-nos ainda a percepção de que os moçambicanos têm de assistir penosamente aos dirigentes da Frelimo a fazerem o que querem das nossas contribuições, porque eles nos libertaram.
Dá-nos outrossim a ideia de que temos de desencadear uma guerra para que também sejamos detentores de riqueza, tal como o fez Afonso Dhlakama e seus sequazes. Esse argumento legitima a tese de Samora Machel, segun¬do a qual “em algum momento, precisamos de fazer guerra para acabar com uma guerra”.
Tal como escreveu Fernando Gonçalves, na coluna Tribuna do Editor, do jornal Savana da sexta-feira passada, “E se as coisas continuarem como estão, será a geração dos netos do general Chipande que irão pegar em armas e lutar para derrubar o legado da geração dos seus avós. Dessa vez, não a partir da localidade de Chai, mas sim a partir do coração e dos efervescentes subúr¬bios da cidade de Maputo”.
A tese de que a Frelimo lutou para beneficiar de riqueza encontra ainda sustentabilidade no argumento de Chipande de que “se Mondlane e Samora fossem vivos, seriam também acusados de serem ladrões. Somos ladrões por¬que estamos vivos”. O general está a dizer, por outras palavras, que esses dois dirigentes da Frelimo seriam, à semelhança deles, ricos, “justamente” porque o objectivo era esse.
Já estou a entender o porquê do Grupo Mecula, empresa de que é sócio Alberto Joaquim Chipande, ter ainda uma dívida de 44.8 milhões de meticais (biliões da antiga família), segundo a Conta Geral do Estado de 2007. Trata-se de uma dívida contraída nos princípios de 2000 que devia ter sido paga em cinco anos. Hoje, passam cerca de 10 anos. A última vez que a empresa do ge¬neral reembolsou uma parte da percentagem do tesouro foi em 2005. Nesse ano devolveu ao Estado cerca de 310 mil meticais. De lá para cá, segundo o Tribunal Administrativo, “Mecula” não cumpriu com a devolução do dinheiro ao erário público, mantendo a dívida nos 44.8 milhões.
Fernando Gonçaves questionou, e muito bem, o seguinte: “Não conheci Lázaro Kavandame, mas por aquilo que já me foi dado a conhecer pela pró¬pria história da Frelimo, o discurso de Chipande assemelhava-se muito à sua narrativa. Será que a Frelimo chegou à conclusão de que estava no caminho errado, e que os ideais de Kavandame e do seu grupo representavam, em últi¬ma análise, as aspirações mais altas da luta pela independência? Fiquei com a impressão de que o que Chipande estava a dizer era o reflexo do pensamento colectivo dos dirigentes veteranos da Frelimo. De que lhes devemos favores e obediência inqualificada por nos terem libertado do colonialismo. Quem disse que os que consentem sacrifícios pela libertação ou em defesa da pátria fazem-no por um objectivo nobre e pelo bem comum?”.
Entenda-se que não estou a tirar mérito a ninguém. De facto, estamos livres porque nos libertaram. Mas isso não lhes dá direito de usarem indevidamente o dinheiro resultante das nossas pobres contribuições.
PS: Sinto que há má interpretação em relação às minhas opiniões. Tubo bem. Cada um está livre de fazer a interpretação que julgar melhor para si. Contudo, nunca procurar um “link” entre o que eu escrevo e as agendas político-partidária. Escrevo o que merece no momento, nunca em função de interesses políticos. Serei assim enquanto continuar como colunista do “Exame de Consciência”. Nunca me desviarei do que penso, porque estamos em período eleitoral. Interpretem como quiserem inter¬pretar, mas eu sou o que sou e não o que julgam que sou.
PS1: Fiquei duplamente satisfeito, esta semana, por saber que a juventu¬de finalmente descobriu que nos períodos eleitorais não deve ser usada e descartada logo que o processo terminar. O debate continua...
PS2: Durante o fecho desta edição, recebi a informação de que Chipan¬de reiterava que tudo o que disse foi pré-meditado, não se tratando, con¬tudo, de qualquer lapso, o que reforça a tese de que o seu partido lutou com o objectivo de tornar os seus líderes ricos de forma pouco clara. Por outro lado, desmente o seu porta-voz, Edson Macuácua, que veio a públi¬co tentar apagar o fogo com sopro, afirmando que “o camarada Chipan¬de foi mal interpretado”. Ontem, Chipande disse que não foi mal interpretado. Ingrata tarefa do meu conterrâneo, em província, e vizinho, em distritos.

Fonte: O País online

4 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Reflectindo disse...

Aqui trata-se do discurso do General Alberto Chipande, e não é para recreação.

Obrigado

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Reflectindo disse...

Sr anónimo, avisei já há semana que neste meu blog não é local de recreacão de pessoas com o seu comportamento.

Deixe a mim e o meu blog em paz.

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