quinta-feira, agosto 27, 2009

Sobre as riquezas e seus questionamentos (1)

Por João Bapstista André Castande

“(...) A pobreza denuncia a presença de injustiça e a existência de uma riqueza desonesta. Semelhante pobreza que significa empobrecimento é resultado da desmesurada ganância dos ricos. Ela não é nenhum bem, porque se deriva de um mal.

Que alguém, numa situação de pobre, pode ainda conservar sua dignidade humana e renunciar a todo espírito de vingança e de possuir gananciosamente, é fruto não da pobreza, mas da inesgotável grandeza humana que se torna capaz de superar tudo e ser maior do que cada situação.Não é por causa da pobreza que ele conserva sua humanidade mas apesar dela. Não é por causa desta dignidade humana vivida e conservada apesar do mal da pobreza que vamos ideologicamente justificar a pobreza. Antes pelo contrário: por causa da dignidade inviolável de cada pessoa devemos combater a pobreza, não para contrapô-la à riqueza e propor a riqueza como ideal, mas para buscar relações mais justas entre os homens que impeçam a emergência de ricos e pobres” – Leonardo Boff, Teologia do Cativeiro e da Libertação, pp. 226
1. Amiúde, Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo, dois embondeiros do Partido Frelimo, lançam apelos à sociedade nacional no sentido de que esta saiba questionar a origem das riquezas que uma parte de nós, moçambicanos, tem vindo a ostentar a partir do momento em que o país abraçou o sistema capitalista. Mas antes de mais nada, talvez seja pertinente recordar que a opinião pública nacional considera que Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo e outras personalidades cujos nomes não caberiam neste texto constituem resíduos de exemplos vivos de irrefutável honestidade e coerência política e, por conseguinte, pontos de referência obrigatória.
2. Só que para a infelicidade de muitos de nós, constata-se que no âmbito da disciplina partidária governante os pontos de vista dos seus altos dirigentes não são bem convergentes em certos assuntos candentes da vida nacional, ao contrário do que outrora habituaram-nos. Entretanto, ressalvo desde já que, em condições normais, o «pingue-pongue» de opiniões divergentes que agora nos é dado a assistir na praça pública não constituiria surpresa alguma, se tal resultasse do simples exercício daquilo que se chama de direito à opinião contrária.
3. No entanto, entendo que a ampla liberdade de expressar críticas e opiniões que é reconhecida aos membros do partido no Governo, só pode ser exercida em relação a assuntos sobre os quais não haja sido tomada decisão definitiva. Este meu entendimento resulta da leitura que faço do artigo 19 dos Estatutos aprovados pelo 9º Congresso, que exige o respeito dos seus membros pelas decisões tomadas democraticamente, estimula o diálogo, reconhece o direito de consulta e de concertação de opiniões para exposição de ideias, porém proíbe a estruturação de tendências no seio dos órgãos do partido.
4. Vem este arrazoado todo a propósito dos pronunciamentos públicos recentemente proferidos pelo respeitado General do Exército na reserva, Alberto Joaquim Chipande, relativamente às alegadas críticas que alguns concidadãos têm feito a certos altos dirigentes do partido Frelimo, em virtude de estes exibirem sinais de riquezas individuais, pronunciamento este que por sua vez foi objecto de duras críticas em alguns órgãos de informação nacionais, com ou sem motivo justificativo.
5. No ponto mais extremo das críticas havidas contra o pronunciamento do General, situou-se o concidadão Filipe Gagnaux, numa atitude quiçá justificada pela forma directa, severa e deveras inadvertida como aquele (General) relacionou o processo de acumulação de riquezas com a epopeia de libertação da mãe-Pátria do jugo colonial. Errar é humano.
6. Na minha opinião, este tipo de assunto e outros candentes da vida nacional, devido à indubitável delicadeza de que se revestem, devem ser analisados de forma desapaixonada, o que desde já proponho-me a fazer nos seguintes termos:
a) Joaquim Alberto Chissano, exactamente na derradeira do seu último mandato como Presidente da República de Moçambique, e respondendo a certas apreciações pouco abonatórias de alguns doadores estrangeiros, dizia o seguinte, cito-o de memória: “não gosto que quando alguém oferece-me um casaco, passe a vida a recordar-me que foi ele que m’ofereceu... ”;

b) Julgo que o referido apelo do nosso diplomata-mor deveria ser ouvido e escrupulosamente tido sempre em mente por todos os nossos concidadãos que se acham incluídos nos grupos de compatriotas referidos nos artigos 14 e 15 da Constituição da República de Moçambique, designadamente: 1) aqueles que de diversas formas resistiram à dominação estrangeira da nossa Pátria; 2) os que se organizaram e com armas nas mãos enfrentaram e contribuíram para o derrube do colonial-facismo português; e 3) os combatentes pela democracia, visto que o Povo moçambicano não esquecerá jamais os seus feitos heróicos, eu creio;

c) Ora, passar a vida inteira a vangloriar-se desses feitos, pode ser uma forma de se expor ao ridículo, esvaziando-se desta feita os valores patrióticos que representam os sacrifícios consentidos e os feitos epopeicos logrados e que a todos orgulham-nos!

Fonte: Jornal Notícias

1 comentário:

JOSÉ disse...

É confortante encontrar no Notícias um texto tão lúcido escrito por um jurista que tem a coragem de questionar.