- Os eleitores não conhecem os deputados em quem votam
- Partidos políticos devem justificar o dinheiro que recebem
Por Armando Nenane e Emídio Beúl
O jornalista e pesquisador Tomás Vieira Mário, presidente do MISA-Moçambique, comparou o actual sistema eleitoral moçambicano, na parte que diz respeito à forma de designação dos deputados da Assembleia da República, a uma espécie de cabaz que um mendigo, devido à sua mísera condição, é obrigado a receber sem saber ao certo aquilo que vai encontrar dentro desse mesmo cabaz. No actual sistema, em que os eleitores votam em listas fechadas, sem conhecerem exactamente os nomes das pessoas propostas e ordenadas pelos partidos políticos nessas listas, os eleitores não têm outro tipo de opção senão votarem em "peixe com legumes".
Falando na cerimónia de lançamento oficial do relatório sobre a democracia e a participação política em Moçambique, publicado pelo AfriMAP e pela Open Society Initiative for Southern Africa, Tomás Vieira Mário evidenciou o outro lado da metáfora da opção “peixe com legumes” da principal propaganda eleitoral que sugere que se um eleitor não vai votar alguém irá votar por ele com vista a persuadir uma maior aderência nas eleições de 28 de Outubro próximo. O facto dos eleitores não conhecerem os deputados que elegem para uma legislatura, uma vez que os votos vão para as listas fechadas dos partidos, parece conduzir a resultados pouco satisfatórios em termos de interacção entre os parlamentares e o eleitorado.
Nas pesquisas efectuadas por aquelas duas organizações, muitos cidadãos apontaram o facto de não haver praticamente contacto algum com os deputados. Nos países em que vigora a escolha eleitoral via lista fechada, como o caso de Moçambique, a fidelidade e coesão partidária tendem a ser maiores e o sistema as incentiva, não havendo fortes incentivos a um maior contacto entre os parlamentares e o seu eleitorado.
Tomás Vieira Mário referiu que ainda não se pode falar de uma verdadeira democracia num parlamento onde os deputados não têm opinião própria, sendo obrigados a aprovarem ou reprovarem as leis de acordo com as conveniências partidárias. O jornalista foi mais longe ao referir, através de um exemplo irónico, que os deputados da bancada da Renamo teriam reprovado o actual Hino Nacional, “Pátria Amada”, se eles soubessem que o mesmo tinha sido encomendado pela Frelimo no tempo do socialismo.
“No parlamento actual, os deputados não aprovam ou reprovam as matérias pela sua natureza, mas sim pela sua proveniência, ou seja, se for da Frelimo, a Renamo vota contra e se for da Renamo, a Frelimo também vota contra e vice-versa”, ilustrou a fonte, dando a entender, em última análise, que os deputados também não têm muitas opções senão votarem em “peixe com legumes”.
Para o pesquisador, a relação entre o governo e o parlamento é “extremamente desequilibrada”, pois o parlamento não consegue fiscalizar o trabalho do executivo. Acrescentou que há um vínculo muito grande de obediência da bancada e do partido e os deputados têm o olhar tão obcecado que agem em função do partido e não da matéria em debate.
Isto, segundo a fonte, torna-se ainda mais grave se se tiver em conta a estrutura dos partidos no parlamento que mostra que se trata de partidos que nasceram como máquinas com o fim de ganhar guerras, uma matriz que ainda os persegue, conforme a idade de cada um.
Listas abertas: a solução sugerida
Embora ainda não tenham sido estabelecidos padrões internacionais ou africanos a favorecerem um sistema eleitoral em relação a outros, o AfriMAP e a OSISA consideram a existência de um considerável número de obras académicas, assim como um importante estudo comparativo do International Institute for Democracy and Electoral Assistance, a sugerir sistemas que podem favorecer uma ligação mais próxima entre parlamentares e seus eleitores.
No entender dos pesquisadores, na actual situação da democracia moçambicana, os legisladores deveriam considerar seriamente a possibilidade de transição para um sistema proporcional de lista aberta, no qual os eleitores podem escolher dentre os candidatos seleccionados pelo partido, ao invés de votar numa lista completa e fechada anteriormente definida pelo partido. Tal reforma, segundo o relatório, poderia promover uma nova dinâmica no ambiente político do país e merece ser discutida pelos partidos e pelos cidadãos.
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