O historiador e escritor João Paulo Borges Coelho defende que a luta de libertação de Moçambique legitimou em 1975 o poder da Frelimo, mas, quarenta anos depois, o país não é ainda uma democracia e possui uma Constituição desajustada.
“Nós ainda não somos uma democracia, ainda estamos num período de transição para uma democracia. Eu falo de um regime de maioria, em que todos têm direito à palavra segundo regras e um sistema de inclusão social e isso ainda não acontece em Moçambique”, diz João Paulo Borges Coelho, em entrevista à Lusa.
Para o historiador e escritor moçambicano, passados quarenta anos da independência, a realidade política e económica do país “ainda não está em consonância com a Constituição”.
“Nós estamos numa dinâmica para criarmos uma nova realidade, mas ainda há muitas sombras do passado que nos atrapalham”, afirmou Borges Coelho, salientando que é importante que Moçambique não se esqueça dos gigantescos sofrimentos que o conflito civil causou ao país.
Quando Moçambique assinala, a 25 de Junho, quatro décadas de independência, persistem ameaças à paz, mesmo depois de uma guerra civil que arrasou o país durante 16 anos, e que o historiador e escritor atribui ao processo de transição da Frelimo de frente para partido, no âmbito da adopção da democracia e das primeiras eleições multi-partidárias, em 1994.
“Ao transformar-se em partido, naturalmente, a Frelimo usa o passado enquanto frente como capital eleitoral. Foi a Frelimo que libertou o país, mas a libertação é um fenómeno nacional e não restrito”, defendeu o historiador e escritor, reiterando que “Moçambique como categoria filosófica é maior do que a Frelimo como categoria filosófica”.
Para o Prémio Leya em 2009, como fenómeno, a independência em Moçambique é “o ponto fundador da identidade moçambicana e, ao mesmo tempo, o culminar de um processo arrancado”, associando a “inquestionabilidade” do novo poder que emergiu em 1975 à guerra contra a opressão colonial.
“Este conflito, primeiro, permitiu à independência do país e, segundo, legitimou moralmente o tipo de poder que surgiu depois”, afirmou.
Dois anos após a proclamação da independência, no III Congresso da Frelimo, realizado em 1977 na província de Inhambane, no sul do país, foi adotada oficialmente a ideologia marxista-leninista, afastando o multi-partidarismo que já era reclamado por alguns membros das três organizações que formaram o movimento em 1962.
“Durante a luta de libertação, o colonialismo teve de ser destruído devido à sua resistência. Portanto, isto confere ao conflito que conduz à independência um aspecto central, de várias maneiras, e que acabou legitimando o regime posterior”, observou Borges Coelho.
Para Borges Coelho, as independências de Moçambique e Angola, em 1975, simbolizaram uma rotura com um passado de opressão, uma prova de que a libertação ao nível dos povos africanos colonizados era inevitável.
“As libertações de Moçambique e da Angola, ao nível da África Austral, assinalam um ponto em que a balança muda no confronto do colonialismo com os regimes da maioria”, afirmou..
Por outro lado, “são 40 anos relativamente sombrios, assinalados num momento particularmente sensível e que exige boa vontade para que se ultrapasse este problema, porque os riscos são complexos”, declarou o autor de “Cidade dos Espelhos”, realçando que o acesso democrático ao passado é a condição fundamental para qualidade da democracia no presente em Moçambique.
Borges Coelho considera serem urgentes novas formas de contar a história do país, reiterando a necessidade de se actualizar a narrativa libertária do povo moçambicano através de uma discussão permanente, que visa encontrar novas formas de interpretar factos antigos.
“As gerações actuais ouvem contar essa história sem muito interesse, porque ela está fechada e não é actualizada. Os jovens querem ter coisas que respondam aos seus anseios do presente”, declarou, realçando que por mais que a história seja marcante, o presente é sempre muito mais importante.
Fonte: Lusa – 10.06.2015
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