Por: Boaventura Monjane*
O luxuoso Centro Internacional de Conferencias Joaquim Chissano acolheu hoje, 12 de Junho, uma das mais polémicas e difíceis auscultações públicas que já se teve no sector da agricultura, nos últimos anos. O ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, José Pacheco, presidiu em pessoa o acto e moderou o “debate”.
Não é comum em Moçambique um ministro participar e liderar uma Auscultação ou Consulta Pública. A razão era deveras “nobre”. O evento foi fortemente concorrido. Toda a nata do Ministério da Agricultura esteve presente, incluindo antigo ministro e antigos quadros “colossais” daquele ministério. Os directores provinciais de Agricultura também foram devidamente mobilizados. O Brasil e o Japão enviaram as figuras mais emblemáticas da sua diplomacia em Moçambique para, seguramente, representar Brasília e Tokyo.
É que o assunto é demasiado quente. Tão quente que o Sr. Pacheco tratou logo de ordenar, sem hesitação, que todas as intervenções no debate devessem ser “patrióticas”. “Não venham aqui com agendas obscurantistas”, rematou Pacheco, na tentativa de controlar as denuncias e reprovações de activistas e organizações da sociedade civil. Mas o senhor ministro parece ter fracassado na sua intenção.
Alice Mabota, activista de direitos Humanos, que participou da Auscultação, foi uma das primeiras pessoas a intervir no debate e denunciou à partida a abordagem ameaçadora de Pacheco e considerou o diálogo de hoje de “agressivo”. De facto, os momentos que se seguiram foram de muita “batalha”.
Vários activistas sociais e representantes de organizações da sociedade civil não se deixaram “intimidar”. Nas suas intervenções disseram ao ministro e ao elenco do ProSavana que aquele programa foi mal concebido e tem o objectivo de agrocolonizar o norte de Moçambique e criar alguns ricos locais. Os activistas propõem que o ProSavana vá para o lixo.
O activista social e militante da União Nacional de Camponeses, Vicente Adriano, interrompeu a apresentação do Plano Director do ProSavana com um “ponto de ordem” para denunciar a ilegalidade daquela “auscultação” e propor o seu cancelamento, mas o ministro ordenou que a sessão prosseguisse.
Era visível a presença de uma ala com a missão de bendizer o ProSavana e provar que não há nada de mal com aquele programa. Desde representantes de empresas que já operam na região do corredor de Nacala, Directores Provinciais de Agricultura não identificados como tal, agricultores de grande escala e até alguns camponeses locais, devidamente preparados para desacreditar o trabalho dos denunciantes do ProSavana.
Mas a tentativa fracassou. As posições das organizações da sociedade civil vincaram de tal maneira que o ministro Pacheco, na qualidade de moderador, retirou palavra a um grupo de cinco participantes, dentre eles o académico progressista João Mosca e a activista feminista Graça Samo. Pacheco recomendou que tais participantes enviassem as suas contribuições por escrito.
Esta atitude do ministro “desagradou” os activistas que se retiraram da sala em forma de protesto.
Muito coerente esta atitude do ministro. No começo da sessão ele tinha lançado um aviso claro: “Estamos firmes nesta missão. Qualquer obstáculo vamos atropelar e avançar”.
O ProSavana é um programa – o dístico oficial do evento dizia projecto – de desenvolvimento agrário a ser implementado no corredor de Nacala, norte de Moçambique. Nele o Brasil espera meter tecnologia e farmeiros (ávidos por investir num país onde a terra é de graça), o Japão espera tomar conta da comercialização no mercado internacional e Moçambique dará a bênção com as suas vastas terras “abandonadas” do corredor de Nacala.
A resistência ao ProSavana constitui, sem dúvidas, o movimento mais forte contra um modelo de “desenvolvido” desde que Moçambique se tornou independente.
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Boaventura Monjane – jornalista e activista social.
Fonte: ADECRU - 15.06.2015
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