Mia Couto defende que a independência em Moçambique, anunciada
oficialmente a 25 de Junho de 1975, foi recebida “ingenuamente” pelo povo,
considerando que “não havia ideia da complexidade na construção de um país”.
“Nós estávamos eufóricos, o país todo festejava um sonho.
Ficávamos independentes e as pessoas tinham uma ideia muito ingénua da
história. Pensávamos que aquela bandeira subia e acabavam os problemas. Não
havia uma ideia da complexidade e dificuldade que existe por trás da criação de
um país”, disse Mia Couto, em entrevista à Lusa.
Para o escritor e ex-jornalista, o momento da
independência significou a união de um povo composto por culturas e realidades
diferentes que, a 25 de Junho de 1975, numa só voz, festejou o direito à
liberdade após a opressão colonial.
“Moçambique realmente festejou, é um daqueles momentos
históricos e muito raros em que há uma festa numa voz uníssona e todos
festejavam da mesma maneira a mesma coisa”, declarou Mia Couto, que, à data,
trabalhava na Rádio Moçambique.
No dia da independência, foi destacado para a emissão em
estúdio, mas, infringindo as normas, saiu para o Estádio da Machava, nos
arredores da capital, para presenciar a cerimónia.
“Destacaram-me para a emissão daquele dia, mas eu queria
ir à festa. Lembro-me que faltava uma hora para começar a cerimónia, quando
dois colegas meus tiveram a ideia de quebrarmos a disciplina. Pegámos num carro
velho [um ‘carocha’] que estava no estacionamento e fomos ao estádio”, afirmou
o escritor, recordando que, no caminho, por sorte, se cruzou com a comitiva do
primeiro Presidente moçambicano, Samora Machel, que também estava atrasada, e
pôs-se atrás dela até chegar à Machava.
No estádio, Mia lembra-se que uma moldura humana de
felicidade contagiante esperava, ansiosamente, a proclamação da independência
moçambicana, que viria a ser anunciada com atraso.
“Eu tive essa coisa maravilhosa que é ver, na perspetiva
de dentro do estádio, uma moldura de felicidade enorme que as pessoas tinham,
esperando a proclamação oficial”, adiantou.
Passado 40 anos, o escritor moçambicano considera que “há
coisas que são tangíveis neste país, que não têm comparação com nenhum outro” e
que, “mesmo que as estatísticas assinalem que, em algumas coisas houve altos e
baixos ou retrocessos, quem viveu aquela situação dos primeiros anos da
independência e a situação pré-colonial, tem indicadores que são pouco
tangíveis, por exemplo, a dignidade, o respeito pelo outro, a questão racial,
da discriminação racial e social”.
Num país que estava “descalço”, recorda, “as pessoas
saltaram para dentro dos sapatos”, embora, por outro lado, os moçambicanos não
tenham entendido certas coisas no dia 25 de junho de 1975.
“Este é um país tão diverso, com tantas histórias. Nós
não começámos ali, houve sempre vários começos, como há vários povos, várias
culturas. Nós não soubemos tratar isto com respeito, havia uma leitura muito
simplista do que era a uma nação moçambicana e estamos a pagar por isso hoje”,
afirmou Mia Couto, sustentando que o país tem de se libertar das ”ideias do
passado, e são vários passados”.
“Às vezes acreditamos que temos grandes recursos, porque
temos riquezas minerais, mas se não tivermos um pensamento próprio, original e
construtivo, não vamos progredir”, defendeu.
Fonte:
Lusa – 17.06.2015
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