quarta-feira, fevereiro 05, 2014

Camarada Vila Pery,

Por Adelino Timóteo

lembro-me de ti quando vivias no Esturro, quando criavas cabritos na escada. De manhã punha-os na escada do prédio, à noite o recolhias para a cozinha de tua casa, lá no Esturro.


Lembro-me, também, Camarada Vila Pery, quando eras um simples guardador das chaves da administração, no Búzi. Depois vieste à Beira e, na leva de exibição de títulos académicos, como o que enferma o País, nos primórdios dos anos dois mil, assinavas as tuas ordens de serviço onde te davas por Técnico Superior A. Ainda bem. O mérito é teu.

Na Beira, Camarada Vila Pery, é que foi mais um degrau do teu escalar, como chefe dos "sim-senhores" de toda a província, onde demonstraste essa habilidade de fazer paninhos quentes, a mesma que te faz de um dos melhores luvas brancas nascido nesta terra oriental.

Surpreende-me agora que o Camarada Vila Pery tenha mudado tanto. O Camarada Vila Pery era aquela pessoa que concordava facilmente, com a sua expressão favorita "sim-senhor".

Mesmo para mim, que nunca fui teu correligionário, o Camarada Vila Pery nunca discordou.
Tenho saudades de ti, Camarada Vila Pery, quando me convidavas a mim até e outros colegas a Pereira de Lago. O Camarada, que se doctorou em paninhos quentes, tratava-me, e trata-me ainda hoje, por "Meu Querido", mas nunca eu me acomodei como o Kim II, a quem, igualmente tratas por "Filho Querido do Povo", pois este caiu na tua fita.

Deves estar lembrado que quando te nomearam governador no antigo Posto Militar junto à Serra da Mesa, disse, escrevi, que para governador deixavas muito a desejar, porque és um obediente por natureza.

A primeira vez que te vi a dizer não foi ontem, quando afirmaste que não retiravas nenhuma vírgula nem ponto do que disseste a despeito das candidaturas no teu partido.
Para afirmares isso, eu que te conheço muito bem, só podes estar a reproduzir, porque Camarada Pery, eu que te conheço muito bem, tu só sabes dizer "sim-senhor".

E eu sempre te admirei por essa capacidade de dizer "sim-senhor", quando há possibilidade de dizer, "não, senhor".

Agora, depois que te ouvi dizer "não retiro nenhuma palavra do que disse", então quero crer que mudaste muito.

Mudaste muito, na verdade. Depois que te conheci, no Esturro tinhas aquela casa pequena, depois passaste a zona chique do Palmeiras, onde alienaste a cada do André. Aliás, são duas casas o que tens nas Palmeiras, porque o Vasco, antigo director da APIE, fez de duas uma. Quer dizer, mesmo dizendo "sim, senhor" tens uma mansão. E ainda conseguiste de bacela a outra casa que deste de bacela à antiga directora do meu liceu.

Camarada Vila Pery, és mesmo generoso, por isso tratas por O Generoso ao outro.

Só não consigo mesmo é entender como já aprendeste a dizer "não". Tu que durante estes anos todos viveste calado na sua mais alta função que recebeste, me surpreendes quando baralhas toda gente habituada ao teu "sim". O mesmo "sim" que te colocou na subalternidade da antiga candidata a presidente da República. Nem quando foste à Beira em Novembro falaste, mesmo que sob o teu silêncio a tua escolta matou três pessoas nesta cidade índica. Só acusaste o dono da "perdiz" de matar civis. Mas dos civis que a tua escolta matou, não disseste nenhuma palavra, o que se subentende que lhes felicitaste no teu habitual "sim, senhor".

Camarada Vila Pery, foi preciso mesmo quase duas décadas para ouvir directo e ao vivo na televisão "não". Portanto, nada obsta que mudaste. Mudaste, sim porque agora andas de fato e engravatado, não com aquelas camisas quase puídas de fiel depositário da administração. Os outro que se danem. Mudaste e não é por acaso que sabes requisitar o melhor vinho luso.
E é tudo.
Abraço



Fonte: mural do autor - 04.03.2014

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou a falar do acima, quando não tem nada para dizer fica calado, não mancha o nosso país com coisas assim, isto não é vista apenas por pessoas de Mocambique.

Anónimo disse...

As pedras lançadas ao ar... nunca se sabe a quem vão atingir.

Este texto, já está visto, atingiu alguém.