segunda-feira, outubro 18, 2010

A FORÇA DA MUDANÇA OU A MUDANÇA DA FORÇA?

CRÓNICA

Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas

É como tenho dito nas aulas aos meus sobrinhos: é possível negociar a tudo e com todos, excepto com os problemas estomacais. Não há arma nem paleio verbal capaz de aliviar a fome.
A solução é esta: ou se alimenta o estômago ou se espera que este mostre o seu voto.

Ainda não tinha chegado ao dentista quando o telefone tocou. Do outro lado da linha estava uma voz feminina que, em jeito de gracejo, colocou à minha disposição um cardápio de “notícias frescas” da actualidade nacional. Nestas circunstâncias, quando a voz chega em soluços, boa notícia não costuma ser. De seguida dei um rápido penteado a minha alma e, olhando para o horizonte, pedi que me relatasse as notícias em ordem cadente. E lá foi ela dizendo uma série de ladainhas, as quais retive a exoneração de três ministros e a permuta de um.

Imbuído pela surpresa, pus a mente de súbito a idear, percorrendo um longo asfalto do passado. Cinco anos se foram. E com ele, o elevador da desgraça fez subir os preços dos principais produtos alimentares. O número de desempregados – de tanto subir de caudal estatístico – transbordou. A área da Justiça funciona às apalpadelas e os tribunais outrora designados por “templos sagrados” continuam, infelizmente, a sepultar processos de casos mediáticos. Parece que o Ministério da Agricultura apanhou uma virose que a torna infecunda a qualquer tipo de revolução. O Sector da Educação é igual a si próprio: continua a cambalear em busca de um sistema eficaz para as nossas crianças, enfim, o país vai andando num mar de incertezas, sem leme.

O despesismo bateu todos os números de um governo que, estranhamente, todos os anos estende as mãos à esmola internacional. A chamada “presidências-abertas” no lugar de trazer soluções concretas para o país tornou-se num exercício de rotina com gastos à tripa forra.

Meia-dúzia de pássaros gigantes rasgavam até então os céus do país para pregar a mesma missa e para os mesmos (in) fiéis. Hossana para aqui hossana para ali, o chefe de Estado regressava aos seus aposentos, em Maputo, convencido de ter transmitido mensagens redentoras, iguais aquelas que Cristo pregava nas suas peregrinações.

Com este Governo na pilotagem do país, surge uma nova designação: a da geração da viragem. De facto, mal o aviso foi dado, tudo virou. Tudo, e para o pior. A democracia entrou em jejum cumpulsivo. O líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama (general de todas as estrelas) é hoje um homem murcho - ao que parece - numa rua com flores, em Nampula. Dos restantes partidos políticos da oposição é bom nem falarmos!

Alguém perguntou pelo Parlamento? -

Não havendo grandes diferenças entre as duas realidades (câmaras), Fernando Sobral do Jornal de Negócios português escreveu que “o Parlamento é uma cabana à beira-mar plantada. É impossível diferenciar a sua acção da sua inacção. Não questiona, nem fiscaliza. Algumas vozes ainda remam contra a maré, mas estão perdidas por ali.”

E para o cúmulo da hecatombe governamental, vieram as manifestações de 1 e 3 de Setembro. É como tenho dito nas aulas aos meus sobrinhos: é possível negociar a tudo e com todos, excepto como os problemas estomacais. Não há arma letal nem paleio verbal capaz de aliviar a fome. A solução é esta: ou se alimenta o estômago ou se espera que este mostre o seu voto. Infelizmente, o Governo não percebeu isso, deixou o povo morrer a fome e este, inexoravelmente, mostrou que o nada pode ser tudo.

Volto ao meu raciocínio a propósito. A exoneração do ministro da Saúde, Ivo Garrido; da Indústria e Comércio, António Fernando; e da Agricultura Soares Nhaca não deixa dúvida de que os caminhos a seguir serão de crise política e económica.

Há-de ser necesssário activar um pilotoautomático para conduzir o destino deste país nos próximos 4 anos, porquanto as “chicotadas psicológicas” (permita-me o papel de profeta) vão continuar.

Um governo incerto age por instintos e não por convicções. É assim que classifico, particularmente, a exoneração do ministro da Saúde. Homem de uma finura invulgar que fez dos hospitais um leito reparador para os enfermos. Foi dos poucos ministros da Saúde com o elevado espírito de responsabilidade moral e profissional.

Enquanto ministro da Saúde foi um homem que não vivia em paz consigo mesmo.

Procurou curar os doentes com um sorriso evitando as drogas de que, todos nós, enfermos, precisamos. A sua filosofia tentava dar um sentido aos hospitais públicos e privados. Mas este mundo, dizia o poeta Aguinaldo Fonseca “o homem é um pé que vem ao mundo procurar o sapato que lhe sirva.” E nem vai encontrar, porque este mundo, Garrido, é imperfeito.

Em relação ao ministro vilão, José Pacheco, o que tenho a dizer é isto. Se alguém ousasse mover uma acção para o incriminar das balas verdadeiras que a polícia usou, possivelmente a seu mando contra os manifestantes, e que vitimou cerca de duas dezenas de patrícios nossos, esta acção teria contado com mais um membro: EU!

Já no dentista, por incrível que pareça, o médico dispensou o uso da habitual anestesia porque, no entender dele, eu estava demasiadamente anestesiado pelas notícias da pátria.

‘Kochikuro’ (Obrigado).

PS: Felicito fervorosamente as autoridades chilenas pelo resgate dos 33 mineiros. Oxalá venham a encontrar um “novo mundo” diferente do mundo que os levou às profundezas da terra como se fossem bestas. A todos os sobreviventes faço os meus votos no sentido de que continuem a irradiar a esperança divina a quem dela precisar.


Fonte: WAMPHULA FAX - 18.10.2010

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