segunda-feira, outubro 04, 2010

A propósito do decreto 153/2010: quando parecer não é ser

Por Jeremias Langa

A pretexto de criar uma base de dados pública integrada de numeração de telecomunicações, que contenha todos os dados e números dos utentes de telefones móveis, o Governo decidiu introduzir a obrigatoriedade de registo do pré-pago através do decreto 153/2010, com efeitos a partir de 15 de Novembro. Assim, o executivo deu 60 dias às operadoras de telefonia móvel para cadastrarem todos os clientes do pré-pago e, quem não o fizer até 15 de Novembro, verá o seu número bloqueado.
Se os argumentos são legítimos para a empreitada e perfeitamente alinhados com o que já acontece em vários países, já a forma como se tomou a decisão e, mais grave ainda, como se está a executar, parece-nos completamente despropositada. 60 dias para uma operação desta envergadura não é razoável nem para os clientes nem para as operadoras e dá a ideia de que o Governo tomou a decisão para embaraçar mais do que para confortar as pessoas. Só isso explica a indignação geral, que se instalou em vários círculos sociais.
O director do Instituto Nacional das Comunicações disse que o Governo já tinha esta ideia desde 2006, mas até as próprias operadoras se dizem surpresas com a pressa que, num ápice, o executivo decidiu ter para registar clientes do pré-pago. Isto mostra que, nesta matéria, o nosso Governo não pautou pelo diálogo. Foi um “Quero, Posso e Mando”. As operadoras que obedeçam. Não é esta, em nossa opinião, uma forma salutar de agir para um Governo que até nos habituou a dialogar em vários dossiers.
Em vários países, este mesmo processo levou dois anos. Aqui no nosso próprio país, temos a experiência da troca das cartas de condução, em que foram definidos 38 meses. Não se compreende, por isso, esta súbita pressa no registo dos clientes pré-pago, até porque criar uma base de dados dos utentes de telefonia móvel não é uma questão de vida ou morte para o Estado moçambicano. A menos que os argumentos públicos assumidos pelo Governo para justificar esta medida sejam outros, não propriamente os que estão no decreto 153/2004.
A forma que está a tomar este processo pode ajudar a legitima ideias vindas de determinados círculos de que, depois dos acontecimentos de 1 e 2 de Setembro, o Governo decidiu controlar os seus cidadãos. Primeiro, pela sua dimensão e implicação na vida dos seus cidadãos, o Governo deveria ter comunicado esta decisão ao público de forma diferente, mais activa, e não reactivamente e a retalho, como temos estado a assistir. Segundo, as próprias operadoras deviam ter com os seus clientes, neste dossier, a mesma agressividade comunicacional que demonstram, quando é para lhes vender novos produtos. Conhecendo e reconhecendo-se-lhes esta faculdade, o seu silêncio nesta matéria só pode ser interpretado como uma espécie de manifestação de desinteresse em relação à decisão governamental. Ou seja, as operadoras querem provar ao Governo que está errado, neste processo! (Por acaso, não está?).
Para agravar a falta de coerência na comunicação do Governo, um dia depois do director do INCM aparecer a explicar os contornos do processo, o director dos Serviços Postais e Telecomunicações, Francisco Chate, convocou a imprensa para um briefing sobre o mesmo assunto. E a informação mais relevante que revelou foi que Mcel e Vodacom iriam usar brigadas móveis para fazer o registo e assumiriam os custos de todo o processo. Ou seja, uma questão operacional das empresas a ser publicamente revelada por um quadro do ministério de tutela. E será que Francisco Chate fez as contas para ter uma ideia dos custos envolvidos no registo dos clientes? Sabe ele quanto Vodacom e Mcel terão de mobilizar por toda a logística, desde a criação das tais brigadas móveis até ao transporte de todo o material para as suas sedes, atendendo a que em muitos distritos do interior elas só têm distribuidores e não representações?
A título de exemplo, em 2008, o STAE recenseou 2.4 milhões de eleitores em dois meses, em todo o país. Mas para esta operação, tinha montado uma logística de cerca de 13 mil mesas, no país inteiro, e... vários milhões de dólares. Os números não oficiais de utentes de telefonia móvel apontam para quase 5 milhões de clientes no pré-pago. Se tiver que se fazer a mesma logística...
E sabe o bom do Francisco Chate que as empresas planificam orçamentos anuais para o seu funcionamento e, agora em final de exercício, o Governo as manda fazer um reajustamento que pode ser significativo nas suas contas? Tudo isto, pelos vistos, pouco interessa. Mas, ainda há pouco, ouvimos os nossos dirigentes dizerem que as empresas públicas deviam produzir mais resultados. No entanto, os actos para estimular essa produtividade vão em sentido contrário!
Apesar dos argumentos, é por demais evidente que o decreto 153/2010 é a reacção a frio do Governo aos levantamentos de 1 e 2 de Setembro. É a velha estória da mulher do César: não basta ser, também é preciso parecer. O que não se pode aceitar é que o Governo aja como se se estivesse a vingar dos seus próprios cidadãos. Fizeram manifestações, não é? Agora, toma.
O certo é que a gestão do decreto 153/2010 é um exemplo lapidar de que concentramos atenção pública mais nas questões fúteis e menos em acções concretas daquilo que é a agenda nacional: o combate à pobreza. E não há nenhuma indicação de que a pobreza vá reduzir mais rapidamente com os utentes do pré-pago registados no mais curto espaço de tempo...

Fonte: O País online - 02.10.2010

3 comentários:

Nelson disse...

Ainda que os motivos sejam bons(seja lá quais forem) a urgência dessa medida é muito suspeita. É possivel fazer esse cadastro apartir donde estivermos ou teremos que nos deslocar para onde existam lojas da MCEL/VODACOM? Se for último caso quem arca com as despezas? Se for o primeiro caso vai o governo comparticipar?

V. Dias disse...

Mais vale registar crianças que cartões....

Chacate Samuel disse...

um irmao vivendo na terra do rande disse-me sobre esta materia passo acitar "Ku humelela yini la ka Mpfumu? A magelegele ma xavise tiko....swa ti SIM card swo yini? Frelimo yi lava ku xanisa vanhu wa tiva.... Loko a va pfumelela Vodacom and Mcel ku pfula tindhawu to tsarisa eka tona lomuya matikweni a swi ta twala. Ehleketa munhu a suka ka Khubu a ya ka Ntyayi-ntyayi ku ya rejista sim card?" mesmo que dizer sera dificil para uma pessoa que vivem em Khubo um posto/ localidade do distrito de massingir sair de lá para o xai-xai so para vir se resgistar registar seu cartao que bricadeira é essa!