terça-feira, outubro 05, 2010

Paradoxo Económico

Por Ricardo Santos*

Economia: aquisição do barril de uísque de que não precisamos pelo preço da carne de vaca que não nos podemos dar ao luxo de comprar
John Galbraith

Os maiores inimigos do desenvolvimento de Moçambique estão nos lobbies do poder. Portanto, face ao que temos visto, a oposição pode muito bem ir de férias prolongadas...e esperar que os “outros” se auto-fagocitem!
Esta semana, pude apreciar as sábias intervenções de Ratilal & Jaintilal, dois dos nossos gurus da Economia - Da ECONOMIA, frise-se - assentes em duas tónicas essenciais: o investimento estatal para promoção do desenvolvimento em Moçambique e o FMI como afunilador do mesmo. Diria mesmo, duas reflexões profundas. Mas que pecam, como habitualmente, por detalhar cabalisticamente os efeitos ao pormenor, e nunca seguirem o mesmo procedimento para as causas reais do problema.
Mergulhei então na valiosas lições da “Biblia”, de Ian Bremmer, já partilhada com muitos amigos, que tal como eu, têm por hobbie, fazer análises de risco geopolítico enquanto outros se ocupam com discursos. E fiquei a pensar que, porventura, esta é uma matéria que deveria passar a ser obrigatória nas nossas faculdades de Economia. Pois que, no actual rating do sistema financeiro internacional, qualquer pais do mundo deveria saber que está sujeito aos mercados emergentes, que geram a maior parte das oferta e procura globais e, que as empresas precisam agora de melhores métodos para ponderar o risco político face à compensação financeira.
Pois, para ponderar os riscos e as oportunidades, as empresas ou empreendimentos estrangeiros regularmente consultam os analistas de risco económico. Mas, conceber que baseiam as suas decisões de investimento global meramente em dados económicos, sem compreender o contexto político, é como assumir que as decisões de um plano de nutrição incidem apenas na contagem de calorias, sem examinar a lista de ingredientes.
Dados tranquilizadores sobre países, como a renda per capita, crescimento e inflação- o pão e manteiga da análise de risco económico - muitas vezes obscurece as potenciais ameaças de outras fontes. O parlamento do Irão, por exemplo, com legislação aprovada em 2004, dificultou as possibilidades de empresas estrangeiras entrarem no sector de telecomunicações daquele país. A revolução de 2003 na Geórgia, alterou o cálculo estratégico para o investimento em projectos de energia no Mar Cáspio. A perseguição politicamente motivada do Kremlin ao magnata Mikhail Khodorkovsky gelou o clima financeiro, através do mercado de petróleo da Rússia. E o governo do Brasil ao pressionar as suas agências governamentais e os seus cidadãos, para a adopção de
software open-source, pôde causar feridas na Microsoft e outras empresas de tecnologia de informação.
Tudo isto são exemplos de risco político, amplamente definido como impacto da política sobre os mercados globais. O risco político é influenciado pela aprovação de leis, as asneiras dos líderes no poder ou na oposição, e pela explosão de revoltas populares, enfim, todos os factores que podem estabilizar ou desestabilizar politicamente um país. O significado de qualquer risco é claro. Depende do contexto da decisão de investimento.
Porque na verdade, a política é um assunto de todos e para todos. E por quatro razões principais. Em primeiro lugar, os mercados internacionais estão mais interligados do que nunca. Em segundo lugar, para o bem ou para o mal, os Estados Unidos tornaram o mundo num lugar mais volátil, mudando os cálculos de risco em todos os lugares desde o 11 de Setembro de 2001. Em terceiro lugar, a tendência actual é de offshoring crescente. Negócios deslocalizando algumas operações para países onde o trabalho é barato, mas o trabalho é sempre barato por alguma razão. Não é? Em quarto e último lugar, o mundo está cada vez mais dependente de energia fóssil oriunda de países com problemas de consideráveis de risco político como a Arábia Saudita, Irão, Nigéria, Rússia e Venezuela etc.
Por essa razão, todo economista é incapaz de dizer que a análise económica de risco e a análise de risco político, são duas questões fundamentalmente diferentes. Pois, a análise de risco económica diz aos líderes empresariais se um determinado país PODE pagar sua dívida. Enquanto que a análise de risco político lhes diz se o país PAGARÁ alguma vez a sua dívida.
Mesmo a sua interpretação em relação à resistência aos choques financeiros é diferente. Tanto na Rússia como no Brasil, os analistas políticos concentram-se no estudo de como uma mudança na liderança política específica afectará a estabilidade do país, que é afinal a unidade de medida de risco político. A estabilidade de uma nação é determinada por duas coisas: a capacidade dos líderes políticos em implementar as políticas que eles apregoam, mesmo no meio de choques e, à sua capacidade de evitar choques gerados por eles próprios. Um país com recursos diversificados será sempre muito mais estável do que um país rico, mas com apenas um (Petróleo, Gás, etc.). Países que não os têm, serão logicamente mais vulneráveis ao risco político. Este é o caso de Moçambique.
Os choques financeiros, também são um outro conceito importante de risco político. Eles podem ser internos (manifestações no Egipto contra a tirania de Mubarak, ou uma transferência de poder político em Cuba de Castro para Castro) ou externos (milhares de refugiados que fogem da Coreia do Norte para a China, ou o tsunami no Sudeste Asiático). A existência destes choques, não é per si, um sinal de instabilidade. A Arábia Saudita, por exemplo, tem produzido inúmeros choques ao longo dos anos, mas até agora tem sustentado o tremor. E provavelmente continuará a fazê-lo, pelo menos a curto prazo: a nação tem sido construída sobre problemas políticos e religiosos centenários, mas o seu forte poder autoritário central e a bolsa generosa permitem a elite saudita se adapte à mudanças dramáticas, como se viu, no caso das Torres Gémeas. Este é o caso de Angola, o nosso parceiro estratégico, cuja liderança já provou ser esclarecida.
Não obstante sua aparente subjectividade - que já me causou muitos puxões de orelhas nestes dias - o risco político também se traduz em números. A especulação sobre os resultados destes e de outros cenários aparece em inúmeras publicações, mas as empresas que debatem investimentos operacionais e infra-estrutura no exterior precisam de mais objectividade, avaliações rigorosas, do que aquelas encontradas nas páginas de op-ed (colunistas). As grandes empresas podem comprar serviços de consultoria de risco político ou, tal como a Shell e a AIG, desenvolver a capacidade in-house. De qualquer forma, uma visão completa e precisa do risco de qualquer país requer analistas com fortes competências para relatar, em tempo oportuno, dados precisos sobre uma variedade de tendências sociais e políticas, e uma estrutura competente para avaliar o impacto dos riscos na estabilidade individual e empresarial.
O que os nossos analistas económicos deveriam saber é que a Política nunca foi estática (pessoas como o sr. Itaí Meque da Zambézia desafiam este axioma), pois os analistas de risco são capazes de monitorizar toda a história de uma nação. Porque sabem sistematizar. Ao contrário de muitos que lutam por fazer esquecer. Normalmente, significa estar no terreno, no país real. E, no caso de um regime político particularmente fechado como o nosso, isso pode significar estar lá muito mais tempo do que o esperado. Algumas informações até são publicadas nos relatórios oficiais ou na media, mas os analistas sempre reunem mais de sua inteligência a partir de fontes primárias: os jornalistas bem conectados na imprensa local e estrangeira, actuais e ex-decisores de nível médio, e claro, os especialistas think tank. Logo, quanto mais opaco o regime for, mais complexa a análise será uma espada de dois gumes, pois causa mais tempo de decisão. E quanto maior o tempo de decisão, menor a libertação do investimento. Causa e efeito. Todos os investidores sérios têm em mente que a análise política é muito mais subjectiva e, consequentemente, mais vulnerável ao preconceito, do que suas contrapartes económicas. O perigo é que muitos analistas, com as suas próprias opiniões políticas, podem visualizar suas pesquisas pelo seu ecran filosófico particular, e com isso, pôr em cheque a liderança de um país. Eis porque a abertura desta aos seus intelectuais é sempre o melhor caminho. Permite que as eminências pardas se dêem a conhecer.
Os dados que pesam no cálculo de risco político, estão muito longe dos compêndios de economia ou contabilidade fiscal. Devido à sua natureza, as variáveis de risco político são muito mais difíceis de medir do que as variáveis económicas (embora alguns países, como a China e a Arábia Saudita, façam com que até mesmo a fiabilidade dados económicos seja uma questão sempre em aberto). O terreno de batalha é total e global. Pois, Política, afinal, é sempre influenciada pelo comportamento humano e pela confluência súbita de eventos para os quais não existem fórmulas resolventes. Para quantificar com precisão o risco político, os analistas servem-se de “proxies” para suas variáveis. Em vez de tentar medir a independência do poder judiciário de uma nação, por exemplo, os analistas determinam se os juízes de um determinado país são pagos com um salário condigno, e se existem programas financiados independentemente para mantê-los actualizados sobre nova legislação, e quantas vezes eles são alvo de ameaça ou assassinato. Os analistas de risco político também estudam a percentagem de crianças que frequentam regularmente a escola, ponderam sobre os salários da polícia e dos militares, comparando-os com as oportunidades financeiras do mundo do crime, e o quantum de acesso aos cuidados médicos que está disponível em cidades com populações na faixa das 10.000 à 50.000 pessoas. Eles olham para outras estatísticas, como a taxa de desemprego de pessoas com idades entre os 18 e 29 anos e determinam quantos deles estão na prisão. E, claro, eles polvilham isto com variáveis económicas para colocar finalmente a cereja no bolo: a renda per capita, balança de pagamentos e a dívida nacional. E os nossos gurus da Economia ficamse normalmente pela cereja...
Mas o quadro que conta mesmo para diferentes empresas e consultorias que até têm diferentes métodos para medir e apresentar dados sobre estabilidade, radicam quase sempre, em quatro sub-categorias igualmente ponderadas: governo, sociedade, segurança e economia. As avaliações para todas estas quatro sub-categorias são agregadas em um único indicador composto que determina a avaliação final da estabilidade, que se expressa como um número na escala de zero a 100, a partir da qual, um estado é considerado falhado, ou uma plena democracia institucionalizada e estável. Para se ter uma ideia do nosso ranking, em Março de 2005 (ainda com Chissano), Moçambique ocupava a franja dos 20-39 - País Politicamente Instável - baixamos alguns pontos desde então. E uma vez obtido o diagnóstico, instituições prestigiadas como o Deutsche Bank, emitem o seu veredicto (índice DESIX) implacável.
E depois de saber os Quês e Porquês de um país, as empresas aplicam essa análise, obviamente, dependendo da sua indústria, a estratégia e seu perfil de tolerância ao risco. Por norma, as empresas do sector de energia, por exemplo, têm demonstrado uma alta tolerância ao risco, com base em técnicas de mitigação para gerenciar sua exposição ao mesmo. Angola e Nigéria são bons exemplos. Em contrapartida, a indústria ligeira (e eu destacaria propositadamente a agro-alimentar) e médias empresas a jusante das cadeias de suprimentos industriais - como as que cercam a MOZAL por exemplo - tendem a esperar a sua carta de alforria vendo como a situação evolui para o seu Hospedeiro. E as corporações farmacêuticas, essas então, ficam ainda muito mais longe de investir, quando confrontados adicionalmente com problemas de infra-estrutura e riscos de propriedade intelectual. Recordo-vos propositadamente, o destino de muitas indústrias farmacêuticas em Moçambique (Petropharm), incluindo a famosa fabrica de Anti-Retrovirais que não sai do papel...
Todas empresas desejosas em assumir compromissos em nações instáveis dão prioridade, à longo prazo, à questões relacionadas com a demografia e recursos naturais, por exemplo, para a tomada de decisões. Em maio de 2004, a Sumitomo Chemical do Japão concordou em formar uma joint-venture de 4.300.000.000 dólares americanos com a Saudi Aramco para construir uma grande fábrica petroquímica em Rabigh na Arábia Saudita. Mas a fábrica foi programada para nunca abrir antes 2008, porque a Sumitomo é particularmente sensível às questões demográficas que causam do êxodo de talentos técnicos locais para outras paragens onde podem ser valorizados e a taxa de desemprego da população jovem. E a prova disso é que a tolerância de risco da Sumitomo já foi testada por extremistas islâmicos, com rapto e decapitação de estrangeiros que faziam negócios no país. Mas quando a violência e a corrupção começaram a dominar as paragonas dos jornais, ela foi logo super-estimada como risco de curto prazo, mas o negócio continuou de pedra e cal.
Por isso é que a ECONOMIA não é mais uma ciência exacta!

*Analista de sistemas

Fonte: SAVANA - 01.10.2010 in Diário de um sociólogo

2 comentários:

Abdul Karim disse...

Selecionador,

Voce tem um Grande Adjunto, quer dizer sao 2 Grandes Adjuntos.

O Ricardo e Reflectindo

A dupla "R",

Ja parecem o Romario ( o Baixinho ) e Ronaldo ( o fenomeno )

Lembro do slogan publicitario da Nike se nao estou em erro, quando tinha no Romario o expoente maximo de imagem.

" Se os defesas podessem usar as maos, rezavam. "

O Ricardo "partiu as costelas e abancou" os nossos "gurus sui generis".

Reflectindo disse...

Sou da opinião que a oposicão devia capitalizar o artigo de Ricardo dos Santos. Compreender o conteúdo contextualizando a muitos casos mocambicanos é importante.

Mais não disse.