segunda-feira, maio 04, 2015

Maquinação, protectorado e a farinha do mesmo saco?

Por Noé Nhantumbo

O Comité Central da Frelimo reuniu-se e deliberou que se tinha de assegurar a manutenção do controlo do poder por todos os meios. Isso é uma decisão partidária legítima, mas deveria haver senso de compreender que isso não é linear nem constitui a agenda nacional.

Parece que o meio escolhido para reforçar uma “coesão descabelada” tenha sido a união das “alas internas”. Um partido atravessando uma encruzilhada difícil e complexa de sua história terá conseguido fechar a boca aos críticos internos sob a proposta de que tudo era válido desde que o poder efectivo não escorregasse para a oposição. Esse é um problema interno da Frelimo, embora com repercussões no país.

Nesta situação complexa em que todos os dias se exigem respostas dos detentores do poder, alguns dos ”mestres-de-cerimónias” tiveram que fechar a boca, mas nem por isso perderam o poder. O comissário-mor abdicou, mas deixou a máquina intacta.

Supõe-se que Alberto Chipande tenha aceitado ser “figura-sombra”, aparentemente com muito poder, mas, na verdade, com aquele poder que lhe é permitido pelos reais detentores do poder. Filipe Jacinto Nyusi, nesta perspectiva, tem que continuar a ser caixa de ressonância. O que terão decidido significa que vamos, de futuro, ver muito pouco dos membros da Comissão Política da Frelimo percorrendo o país difundindo ideias e mensagens, numa situação em que se prevê ou é sintomático que a composição daquele órgão venha a sofrer alterações.

A dizer verdade ou que aquilo que se adivinha das manobras nos corredores do poder, o tristemente famoso “Império de Gaza” não tombou. Ainda não é desta que se vai dançar mapiko.

É visível que FJN ainda não tem agenda própria e que dificilmente a terá.
O que está no centro de tudo é a protecção do espólio, a protecção do património e a segurança do mesmo.

A inexistência de um discurso com conteúdo novo revigorante e promotor da convergência ou da consensualidade no que mais interessa aos moçambicanos é um produto directo das alianças entre as diferentes alas da Frelimo.

Quando se mostra relevante e de importância estratégia que os políticos se demarquem daquilo que atrasa e trava a agenda nacional consensual, observam-se recuos discursivos por parte de FJN.

Há alguém com a cartilha aberta e apontando onde o PR deve ler e o que deve dizer.

Pode parecer que não, mas talvez seja satisfatório para Alberto Chipande que AEG tenha oficialmente saído de cena e que JAC se mantenha calado. Afinal sempre pode dizer que chegou a vez dele através de FJN.

Esta visão imediatista e em certa medida míope é enganosa porque não aborda com profundidade e transparência os “dossiers” reais do país. Continua-se a esconder a evitar discutir a dimensão real da “Unidade Nacional”. Acendem-se tochas sobre ela, mas para a maioria isso não significa absolutamente nada.

Nenhuma “unidade nacional” vai alimentar quem quer que seja. Rios de dinheiro continuam a ser gastos em presidências alegadamente abertas. A visibilidade e mediatização forçada de passeatas presidenciais com a sua fauna acompanhante e o aparecimento de figuras adstritas aos círculos de apoio do PR procuram convencer os incautos de que houve uma mudança de liderança, mas a substância económica, o que corre nas veias do país real continua a ser aquilo que foi plantado por SMM, JAC e AEG.

Pelos vistos alguém se está esquecendo que “o pó que não se varre continua no mesmo sítio”.
Apregoar “Unidade Nacional” é diferente de ter “Unidade Nacional”.

Antes de se ter a União Federal nos EUA, existiam os Confederados e os Nortistas. A solução encontrada foi calar as armas em termos concretos, palpáveis e juridicamente vinculativos. As armas passaram a ser controladas por Washington DC através da Casa Branca.

Em Maputo, parece que alguém pretende que a Renamo se desarme para logo em seguida fazer regredir Moçambique para 1977, para o partido único.

Uma situação similar ao Zimbabwe, onde a ZANU manda e desmanda e a oposição desarmada pode ser facilmente amedrontada por uma poderosa CIO satisfaria a algumas pessoas em Maputo. Os “paladinos da democracia” de Maputo não promoveram a fraude eleitoral através de constitucionalismos como agora os seus defensores pretendem que todos sigam.

Há uma tendência perigosa de ignorar que os outros também têm dor e sentimentos, que os outros também têm direitos e não só deveres, que os outros não são escravos, mas seres humanos iguais a quaisquer outros.

Numa situação em que o parlamento nacional não passa de um organismo de suporte à distribuição de mordomias e regalias e em que o Centro de Conferências “Joaquim Chissano” continua sendo palco de prolongadas discussões estéreis, seria de bom-tom e estratégico que o PR chamasse a si a tarefa de dar outro ânimo ao panorama político nacional. Ao invés de declarar que quer discussões profícuas com Afonso Dhlakama, ele tem a obrigação de organizar uma equipa sob o seu controlo, para desenhar saídas airosas rápidas.

É obrigação do PR mostrar aos moçambicanos que não está amarrado a JAC e a AEG. É obrigação histórica de Alberto Chipande tudo fazer para que aquele poder que possui se traduza em evitar que o “comboio nacional” não descarrile para a crise e conflito violentos abertos.

Quem quer paz, abraça o realismo e afasta os factores que promovem a desunião e o desentendimento. Não temos de gostar uns dos outros, mas jamais haverá “Unidade Nacional” sem que se abandonem os complexos de superioridade e a intolerância.

Aqueles frutos ou resultados que o PR espera de mais encontros com Afonso Dhlakama só podem resultar de discussões em que a honestidade política está em cima da mesa e em que os interlocutores “não escondam cartas” ou joguem com “cartas marcadas”.

Cabe ao PR e a todos os políticos entenderem que Moçambique não se construirá com subterfúgios e a prossecução de agendas secretas deliberadas em círculos fechados.

O país sangra e chora todos os dias por causa de assuntos perfeitamente solucionáveis.
Despartidarização, normalização, moralização, responsabilização merecem a atenção de todos, muito acima do bazar chinês, brasileiro, americano, indiano, nigeriano, maliano ou sul-africano em que se tornou o país.

É vergonhoso que não se avance no alcance de entendimentos definitivos só porque as vantagens “assassinas” que se obtêm no plano económico corram o risco de ser bloqueadas e interrompidas.

A questão é mais importante do que os ódios que se nutram entre pessoas, que o tamanho dos egos que cada político tenha, que a sede de vingança que alguém tenha.

Antes da proclamação de uma “unidade nacional” insignificante, impõe-se que todos nos coloquemos ao serviço da reconciliação nacional, da inclusão e da dignidade entre concidadãos.


Ninguém nasceu num “berço de ouro”, de maneira sobrenatural. Somos todos iguais perante a lei, e isso deve manifestar-se todos os dias. (Noé Nhantumbo)

Fonte: Canalmoz - 04.05.2015

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