Padre Filipe Couto revela conexões políticas que fazem do povo um autêntico “expectador”. Na visão de Couto, há um pouco da Frelimo na Renamo e vice-versa. Sendo que Dhlakama é o líder que a Frelimo quer ver sempre em frente da Renamo, porque as mudanças seriam imprevisíveis. O padre, envolvido no movimento de revolução marxista nos anos 70, não hesitou em convidar os jovens a “cavar” a história, questionar os apregoados “factos” e descobrir algumas (in)verdades que acompanham os 40 anos da independência.
Passados 40 anos de independência nacional, o que temos como maior legado?
Filipe Couto (FC): Quem nasceu quando a independência começou, tem hoje 40 anos, já pode ser pai de filhos, neste caso talvez pode ser avô. Passou muito tempo e algumas coisas mudaram. É neste tempo que Moçambique começou a chamar-se independente, soberano, e começou-se a dizer que os que estão dentro deste território, como dizem, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico, devem ter auto-estima e devem decidir os seus destinos, e isso é mais repetido por aqueles que representam a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).
Doutra parte temos dentro da política, a Renamo, onde o líder dela diz que é pai daquilo que se chama democracia. E há outros partidos que eu respeito que estão na oposição e não entraram no parlamento, e temos o MDM que entrou no parlamento. Todos estes partidos estão dentro deste Moçambique.
Politicamente, a Frelimo que no terceiro congresso disse que se tornou único, talvez prevendo que existiria multi-partidarismo. A Renamo acredita que está a obrigar que a Frelimo seja democrática ou seria ditadora. São estes os discursos políticos que temos nestes 40 anos.
O objectivo da luta de libertação nacional, de libertar a terra e o homem, foi concretizado e salvaguardado?
FC: Primeiro, falando de terra, as pessoas que estão nas zonas rurais onde eles têm a palhota, pode dizer-se que aquele pouco que eles têm que poderia cultivar ou estão a cultivar ninguém lhes pode tirar. Podem ser retirados, mas não com tanta facilidade. Têm terra mas não têm os meios de fazer agricultura e nestes 40 anos a terra ficou naquela fase primária que deixa a desejar.
E o homem?
FC: Se eu for perguntar a um estudante aqui em Maputo se está livre, o que me vai dizer?
Talvez que sim. Mas ele tem tido espaço para participar nas decisões ou dentro dos espaços públicos intervir nas decisões que lhe dizem respeito?
FC: Se tem participado nas decisões que se tomaram, de fazer escolas, abrir estradas, fazer com que haja aviões. Algumas coisas feitas eram necessárias. Era quase um caso de emergência. Por exemplo: a quem poderíamos perguntar se se deveria fazer escolas?
Está a dizer que tudo o que foi feito nestas décadas constitui vontade do povo, pelo menos na educação, saúde, alimentação e bem-estar?
FC: Acha que a educação, saúde, alimentação é suficiente? Eu acho que não, temos que avançar. Mas neste avanço, quando dissemos que temos que avançar, há consciência de que ainda não avançámos como devia ser, se é que ela existe e acho que sim, mostra que depois de 40 anos algumas coisas se devem ultrapassar, que se devem transformar.
Há coisas que não são ou nós fizemos que ainda não ultrapassámos.
Por exemplo?
FC: A história de Moçambique nestes 40 anos foi codificada. Para quê?
Foi escrita de forma parcial. É isso?
FC: Para começar, precisávamos de começar como começámos. Mas quando as pessoas crescem, começam a ter uma certa curiosidade. O que diz a história?
Que o processo de libertação nacional começou entre as forças de guerrilha da Frelimo e as Forças Armadas de Portugal!
FC: O povo está satisfeito que se diga que é a Frelimo?
Porque há mais intervenientes?
FC: Quando a pessoa cresce e descobre que aquilo que os pais lhe ensinaram como história, é muito elementar, é preciso complementar. Você não explica o que é um avião para um estudante de engenharia como explica a uma criança. Depois de 40 anos de história que tivemos com muita serenidade, o que precisamos de fazer?
Aprofundar a explicação?
FC: Esse é um grande problema que temos, mas um problema que vai mexer com tudo aquilo que se ensina, nas escolas, universidades e em outras pesquisas. Se a história é memória, o que devemos lembrar? O que se diz sobre o começo da história de libertação chega para vocês? Temos que reformar a maneira de ensinar a história de Moçambique. Temos que complementar. O que temos na história sobre Urias Simango, Lázaro Kavandame, Paulo Gumane?@@
Que eram traidores. Será isso verdade?
FC: Vocês estão satisfeitos com a resposta de que eles eram traidores?É isso que tem que se falar, debater isso. Traidor porquê? O que ele fez ou não fez?
Vocês estiveram lá. Terão uma resposta?
FC: Em 40 anos nós estivemos para acalmar a vocês. Agora somos velhos e vocês são livres. Agora cresceram, descubram um pouco mais.
Fonte: Debate – 27.05.2015
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