quinta-feira, janeiro 04, 2007

Salvador Maurício: apagou-se o orgulho macua

Por Mouzinho de Albuquerque

A MORTE de um ser humano deixa sempre saudades e confronta-nos cruelmente com a sensação de grande perda, tanto quanto a sua dimensão artístico-cultural, política, desportiva, social, económica e outras, ultrapassam “limites” e constituem reconhecimentos que não podem ser omitidos de qualquer maneira na sociedade em que esteve inserido. No caso que hoje me traz, refiro-me com mérito e sentimento, à morte do conceituado e compositor músico Salvador Maurício, no dia 24 de Dezembro passado, vítima de doença. Refiro-me a este homem que impunha diferença na música moçambicana.

Receio não ser suficientemente justo com a sua memória neste modesto escrito. Porém, diz-se que o destino está previsto ao nascermos. Acredito que assim seja, mas por vezes um "empurrão", um estímulo, uma porta aberta por uma mão amiga, colega de profissão, governante, político e vizinho ou de um desconhecido pode determinar a diferença no sentimento nostálgico que possamos ter.
Receio não ser suficientemente justo e bem entendido, dizer, querendo perpetuar o seu talento musical e crítico que o mesmo une a todos. Que ele sempre deu provas de valor e consideração da música moçambicana, pelo menos no sentimento que todos dedicam ou possam dedicar à sua magnitude, sendo daí que vale a pena reflectir sobre as suas experiências e patriotismo.
Foi "graças" a Salvador Maurício que a partir dos tempos "complicados" do país a música macua ganhou outra dimensão e valor histórico em Moçambique. É este reconhecimento simples que lhe quero prestar neste cantinho, na perspectiva de que depois de ser bem entendido, outros moçambicanos, em particular macuas, possam partilhar desta minha posição.
Aliás, como que a concordar comigo, Gimo Renamo, músico moçambicano actualmente radicado na Dinamarca que juntamente com o finado fundaram em 1983 o conjunto musical "Eyuphuro", depois de ter manifestado o seu profundo sentimento de tristeza e consternação, disse que "não tenhamos dúvidas de que se apagou o orgulho macua com a morte de Salvador Maurício pois ele sempre foi o grande defensor convicto da música moçambicana, sobretudo macua enraizada no pluralismo cultural do nosso país. Nunca renegou as suas raízes de nativo de Nampula mesmo no tempo em que a realidade política de Moçambique tendia a ser diferente".
Na opinião de Gimo, é justo que tudo seja feito para que a deambulação da memória e pensamento de Salvador Maurício acerca ou no conetxto evolutivo da música moçambicana, em especial macua, não deixe de se deter numa habitual fonte de inspiração e exaltação dela.
Está dito que foi nos tempos muito "complicados" do país, em que a "catástrofe" económica exercia "pressão" sobre as decisões políticas, com o agravante de alguns dirigentes nossos terem outra visão que o finado fez ganhar outro valor à música macua, com o seu título musical mais célebre, "Os ratos roeram tudo", que mais tarde viria a ser banido.
Se bem que na realidade, às vezes, mesmo as melhores intenções, pelo menos para os outros, acabam por ter resultados contrários em função da conjuntura política vivida na altura no país, que poderá não ter tolerância cultural, mas parece ser consensual que o tema "Os ratos roeram tudo" veio a tornar Salvador Maurício uma referência da música moçambicana, com destaque para macua.

SUPERFÍCIE DE TEMPO

Aderir às astúcias "odiosas" da cultura resulta na identificação cega do indivíduo com a superfície de tempo. Tanto é mais difícil de cumprir quando o único meio para o fazer, a crítica, está em crise ou deixa mesmo de existir e não quero acreditar que isto terá passado com o tema "os ratos roeram tudo"."Omwihipiti", que significa Ilha de Moçambique, "pahantykua", que traduzido em língua macua quer dizer dança tradicional, são alguns dos “LPs” importantes que sempre serão recordados por nós, gravados pelo malogrado na década oitenta nos estúdios da Rádio Moçambique e "EME". Desejo que descanse em paz.

Notícias (2007-01-02)

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