Por Custódio Duma*
Volvidos 43 anos desde a Criação da Organização da Unidade Africana (OUA), hoje União Africana (UA), é momento de pararmos e fazermos uma retrospectiva do que foi esse período e quais os desafios propostos ao povo africano a partir daqui.
Desde a década 60, definida como a de África, em virtude das independências, o continente ainda não conseguiu dar outros passos alem da descolonização. Por causa disso, o seu cenário sócio-político e económico é um dos piores do mundo, sendo consequência directa disso, ser o palco do mais baixo índice de desenvolvimento humano.
A criação da Unidade Africana tinha como objectivos primordiais: a descolonização do continente, as conseqüentes independências nacionais, o aniquilamento do apartheid, a erradicação da pobreza e do analfabetismo, a criação de uma ordem económica estável e afirmação histórica do povo negro.
Durante cerca de 40 anos a OUA mostrou-se uma organização altamente politizada e refém das ideias políticas de líderes nacionalistas e na sua maioria ditadores. Fora das independências e fim do apartheid poucos avanços foram dados, chegando até a não haver agenda concreta para actuações da organização, facto que sugeriu a criação de uma outra organização de integração ou a reforma da mesma com vista a adequalá-las as exigências da actualidade.
A UA, com idade aproximada de 4 anos tem como missão principal conduzir o continente até a sua independência económica e a criação de um bloco de integração económica africana forte e capaz de mantê-lo sustentável.
Na verdade o fim último da organização em África é criar estratégias, executar acções e fiscalizar actuações nacionais com vista ao bem estar social, paz e justiça, construção de Estados de Direito e respeito pelos Direitos Humanos.
Nesta pequena analise, feita por cima do joelho, pretendo problematizar a questão no sentido de promover um debate para o qual já adianto três pontos que considero essenciais a edificação de uma África de todos nós. São pontos que devem ser considerados partindo da esfera nacional, regional e continental. Isto é, na medida em que cada Estado africano toma essas providencias, o continente estará caminhando para a sua auto-afirmação.
1. Três Problemas
Em primeiro lugar importa identificar os principais problemas do continente, e dentre tantos, 3 são os mais urgentes:
· Pobreza Absoluta
Não ha dúvidas de que a pobreza absoluta afecta mais de metade da população africana, sendo maiores vítimas as mulheres e as crianças. Nao adianta mencionar aqui os dados estatísticos já publicados (muitas vezes contraditórios), mas importa referir que desde o momento das independências o nível de vida dos africanos tende a declinar. Não são poucas às vezes em que os cidadãos chegam até a ter saudades da época colonial.
Enquanto uma maioria se empobrece ainda mais, um pequeno grupo, de certa forma ligado a poder político se enriquece demasiadamente, de forma injustificada, chegando até a competir com os homens mais ricos do primeiro mundo.
Por causa dessa pobreza extrema e quase total ausência do Estado na vida dos cidadãos, o acesso aos serviços básicos como saúde, educação, saneamento entre outros é quase impossível, e o cenário é o que já conhecemos: mortalidade infantil, maiores índices de HIV-Sida, mendicidade, loucura, analfabetismo e desespero total. Ainda por cima, alguém do governo aparece a imputar responsabilidades às ONGs.
· Corrupção Generalizada
A corrupção é o segundo maior problema de África. É problema porque a tendência é de generalizar a prática e legitimar as infrações. Nos estudos e publicações sobre a matéria, de entre os mais corruptos do mundo, os países africanos ocupam o topo. Cada governo é mais corrupto que outro e cada presidente mais desonesto que outro.
Geralmente define-se corrupção como sendo: comportamento de indivíduos privados ou de funcionários públicos que se desviam de responsabilidades estabelecidas e usam sua posição de poder para servir a objectivos particulares e assegurar ganhos privados". Praticamente, isso significa comportamentos que renunciam a ética, a moralidade, a tradição, a lei e a virtude civil.
Os sistemas de governo instalados em África, na sua maioria militares ou herdeiros de militares, não presam à moralidade nem a ética, nao respeitam a lei nem observam a sua própria constituição. Esses instrumentos e princípios só existem para manter a amizade com os doadores.
Ninguém fiscaliza, ninguém exige, ninguém reclama. Não há legislação, nao há transparência e tudo é politizado ou nepotizado. O crime é organizado e o peixe graúdo nunca é pescado. Quem ousar abrir a boca é silenciado e quem mais transgride é promovido. Ainda por cima, os planos anti-corrupçao são um copy and paste dos outros países, sem, no entanto constituírem resultados de estudos sobre a realidade nacional.
· Dependência Económica
Com as independências políticas dos paises africanos, esperava-se que num futuro muito breve cada um adquirisse a sua independência económica. Pelo contrario, passados 43 anos, os novos Estados afundaram-se ainda mais. As dívidas multiplicaram-se e os orçamentos nacionais na sua maioria são financiados em mais que metade pelo ocidente.
Sempre que se pretende mudar alguma coisa ou responder a determinada situação a solução é pedir dinheiro. Pedir dinheiro para construir latrinas, pedir dinheiro para comprar redes mosqueteiras, pedir dinheiro para preservativos, para abrir uma estrada, para fabricar carteiras escolares. Até pede-se dinheiro para transmitir em directo determinados programas televisivos. Embora esses pedidos sejam sempre acatados, quase nada do que é dado ou oferecido é aplicado à causa do pedido.
O ocidente e os outros paises mais industrializados é que saem a ganhar. Na verdade esse dinheiro sempre volta para eles e nossos filhos é que terão que pagar por isso. Sempre critiquei e continuarei a criticar essa mania de pedir dinheiro. África precisa deixar de ser um continente pedinte. E o ocidente precisa deixar de dar dinheiro à África.
2. Três Defeitos
Depois dos problemas, importa mencionar os defeitos, na medida em que elas constituem vícios que se fossem trocados pelos seus inversos o cenário político do continente seria diferente:
· Ganância
Os líderes africanos na sua maioria são gananciosos, querem o poder a todo o custo. Nada entendem de administração estatal, nao conhecem sua missão como presidentes da república, mas chegam até a matar familiares e amigos para ter ao poder. Nunca aceitam derrotas nos pleitos eleitorais, na maior parte das vezes ou se ganha eleições graças a fraudes ou pelo uso da força armada ou não.
Uma vez no poder a ganância passa a ser económica. Querem tirar tudo que existe nos cofres do Estado para seu bem exclusivo. Ficam satisfeitos em esbanjar o bem público sob pretexto de terem liberto o país. De exploradores coloniais agora temos que suportar gananciosos nacionais. Uma boa parte dos orçamentos do Estado são usados em regalias e subsídios sem explicação enquanto que o salário mínimo do cidadão nao dá nem para pagar a sobremesa do ministro.
Alguns líderes políticos chegam a soltar em público gafes como: “agora é a minha vez de ser presidente! Ninguém me tira daqui! Etc...”Parece que a única forma de ser rico em África é ser político e tomar o poder. A partir daí já pode ter contas bancarias na Suíça, e semanalmente enviar esposa e filhas para tratar do cabelo na França. Seus filhos usam carros do Estado, são sócios de tudo que é empresa e todos os dias são dias de festas bombásticas. Ainda por cima gritam pelo mundo inteiro que somos um continente de pobres.
· Irresponsabilidade
A irresponsabilidade manifesta-se de duas maneiras, primeiro, ninguém se responsabiliza pelo seu trabalho, ninguém presta contas, ninguém exige competência e ainda por cima ninguém é punido.
Os funcionários públicos desconhecem sua tarefa e missão. Não possuem agenda, não observam os prazos e tratam o cidadão com arrogância.
Segundo, o povo não tem cultura de cidadania, nunca foi educado a participar, senão a agradecer e a obedecer. Desconhece seu direito e mesmo que conhecesse e desejasse reclamar, teria que pagar um preço super alto.
Os tribunais não são imparciais, (sem querer generalizar) primeiro querem saber o seu nome completo e se existe alguma ligação com algum dirigente, depois é a cor partidária do individuo, se nenhum desses requisitos encaixar procura-se saber quanto é que a pessoa tem de rendimento e se pode oferecer benefícios pessoais aos funcionários por onde o processo passa. Quem sofre a injustiça é o cidadão pobre, sem nome e sem poder.
As metas a serem alcançadas nunca são em função das reais necessidades nacionais, mas em função de quem dá dinheiro, aliás, dos interesses dos corruptos.
· Mendicidade
África perdeu sua auto-estima, perdeu seu alicerce e deixou que os outros definissem seu destino. Diz-se que quem tem dinheiro manda e quem nao tem obedece! África, porque escolheu pedir, sujeitou-se a obedecer. Onde está o nosso orgulho, o orgulho negro apregoado por Marcus Garvey, por Kwame Nkrumah e Aimé Cesaire? Onde está a glória Africana? E o ocidente diverte-se à nossa custa.
Acredito que a mendicidade seja uma herança do colono, mas 43 anos depois, é tempo suficiente para adoptar uma nova postura.
Não sou economista (sempre friso o ponto) mas acredito que essas doações que África sempre recebe beneficia em demasiado os que dão. De outra forma eles nao dariam sabendo que o dinheiro nunca é aplicado para fins de desenvolvimento.
3. Três Soluções
Porque não já não há muito espaço deixe-me resumir aquilo que considero de soluções também em três pontos:
· Fortalecimento da União Africana
Em primeiro lugar, acredito que o fortalecimento da União Africana como um órgão fiscalizador, judicial e sancionador contribuiria em grande no fortalecimento do Estado de Direito no continente. Isso implica reformular a União não só na sua nomenclatura, mas na sua essência, isto é, enquanto as decisões forem tomadas só em função dos políticos não faria sentido termos a UA. Se a União estiver só para emitir pareceres sem força vinculativa, nada adianta termos essa organização.
A União Africana precisa ser um órgão acima dos Estados, capaz de legitimar, criticar sancionar, exigir e obrigar os Estados a certo comportamento. A forma como o actual presidente da União, o congolês Denis Sassou Nguesso tomou posse, mostra como essa organização é fraca. Nesse caminhar, daqui a pouco a UA será pior que a OUA.
· Investimento e Poupança
Embora o continente seja riquíssimo em recursos, quase nenhum investimento é feito, o que facilita o saque dos naturais e a fuga dos humanos. Acredito que se a potencialidade de África fosse bem aproveitada, 43 anos seriam mais que suficientes para garantir a estabilidade económica apregoada e desejada.
O principal investimento a ser feito deve ser na área industrial, produção e vias de acesso, simultaneamente, é necessário que se fortaleça a rede escolar, investindo na educação e garantindo o ensino básico para todo cidadão africano. A rede escolar deve crescer a mesma medida que a sanitária. Muitas mortes teriam sido evitadas se a rede sanitária realmente funcionasse e a cidadania realmente exercida se as pessoas fossem alfabetizadas.
A poupança é essencial para o desenvolvimento, não adianta produzir ter lucros e esbanjar. É necessário criar uma capacidade financeira estável e um cofre de Estado forte, capaz de manter os lucros bem protegidos e devidamente aplicados.
Sendo áfrica a vaca leiteira do ocidente é claro que o desafio é grande, mas possível e indispensável.
· Separação de Poderes
Uma última solução tem a ver com a real separação de poderes. Que os princípios já aceites nas constituições nacionais não sejam letra morta, é importante que se comece a obedecer ao que se aceita como Constituição. Uma obediência absoluta às leis sob pena de sancionamento. A lei deve ser igual para todos.
É necessário separar e marcar distância entre o Estado e o partido no poder. É necessário que judiciário não se sinta comprometido quando estiver para exigir responsabilidades do executivo e que o legislativo não aprove leis e normas em função da maioria no poder sob pena de transformar a democracia em tirania.
Por outro lado, o apetrechamento dos órgãos públicos por pessoal altamente qualificado, o fortalecimento da administração pública, da justiça e do executivo.
Acredito que tomadas a peito as propostas acima dadas como soluções, estariam criadas as primeiras bases para uma inclusão social e redução das desigualdades em África. O combate à corrupção seria menos perigoso e o crescimento do trabalho, do emprego e da renda sustentável seriam cada vez mais notórios e cedo a África veria pela segunda vez o sol nascer.
*Jurista
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