O director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) de Moçambique, Luís de Brito, considera que a falta de saídas políticas para a crise entre os dois principais partidos abre caminho para a guerra no país.
O académico, coordenador do Grupo de Investigação sobre Cidadania e Governação do IESE e que no ano passado alertara para o comportamento pós-eleitoral da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), principal partido de oposição, como o maior desafio que Moçambique enfrentaria em 2015, observa que o atual clima político antecede "um período de confrontação tal que não vai haver desobediência civil, vai haver guerra".
Moçambique atravessa uma crise política, motivada pelo não reconhecimento dos resultados das eleições gerais de 15 de outubro pela Renamo, que se propõe submeter ao parlamento um projeto de regiões autónomas nas províncias onde ganhou, uma exigência que a maioria da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) já sinalizou um provável chumbo.
O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, avisa há vários meses que, se a Frelimo persistir na sua recusa, serão desencadeadas ações de desobediência civil no centro e norte de Moçambique, que tornarão o país ingovernável já admitiu ignorar o parlamento e tomar o poder pela força, avisando que tem meios para o conseguir.
"A mensagem é clara. Se não é possível aprovar [as regiões autónomas], qual é o outro caminho para lutar por essa solução? Pelas armas", afirma Luís de Brito, acrescentando que o país está "sequestrado por esta questão e não se está a ver saída", apesar dos sinais de diálogo do Governo.
O novo Presidente da República, Filipe Nyusi, avistou-se duas vezes a sós com Afonso Dhlakama, baixando a elevada temperatura política, mas entretanto a Frelimo, liderada pelo seu antecessor, Armando Guebuza, enviou alguns dos principais quadros da Comissão Política para as províncias, com pronunciamentos opostos à exigência da Renamo.
Para o diretor de IESE, "há claramente uma dinâmica a desenvolver-se dentro da Frelimo, mas ainda incipiente", o que levou Dhlakama a admitir "começar já a confusão", justamente porque a iniciativa da Comissão Política da Frelimo indica que "o Presidente da República e o Governo não têm força suficiente para assumir o diálogo".
"Para resolver a frente interna, [Nyusi] precisa de tempo, mas esse tempo ele não tem, porque Dhlakama não pode esperar dois anos e isso cria uma urgência", comenta Luís de Brito, observando ainda que o discurso de inclusão do novo Presidente da República são ainda só palavras, que dependem de uma "redefinição profunda do partido no poder", onde ele não tem posição de liderança.
Apesar disso, Nyusi está a criar uma base de apoio, "mas é extrapartido, de pessoas que não querem ver o país em guerra e que apreciaram a abertura e humildade ao receber Dhlakama", referiu o investigador, insistindo que a Frelimo não lhe serve de base, "o que é uma coisa inédita".
Em relação à Renamo, Luís de brito lembra que a sua reivindicação de regiões autónomas começou por ser "muito vaga", mas depois "aproveitou a boleia do debate público, nomeadamente lançado pelo [constitucionalista Gilles] Cistac", assassinado na terça-feira em Maputo por desconhecidos, e cujos pronunciamentos validavam juridicamente a exigência do partido de oposição.
"Isto é uma evolução muito significativa da Renamo e uma tentativa de entrar no jogo de forma normal", assinalou, mas a reação da Frelimo transformou o diálogo em "dois monólogos e o choque é inevitável".
O homicídio de Cistac "é um sinal muito forte", segundo o investigador, e, mesmo que os seus pareceres fossem favoráveis à Renamo, "não deixava de ser um académico e constitucionalista que exprimiu a sua opinião técnica".
"Este assassínio é uma mensagem muito preocupante em relação à capacidade de se transformar um pouco a vida nacional, quebrar a hegemonia da Frelimo e alcançar um acordo em que todos tenham lugar", concluiu.
Fonte: LUSA – 09.10.2014
Sem comentários:
Enviar um comentário