Azagaia, um dos mais polémicos rappers moçambicanos, que se assume como sendo um incómodo para o poder político do seu país, revelou (em palestra realizada em Oslo) que possui um sonho, ser avó e brincar com os seus netos na terra que o viu nascer, Moçambique.
São 18 horas, em Oslo, a temperatura oscila nos seis graus centígrados. O Parkteatret, um famoso jardim localizado no Grunerlokka, perpara-se para acolher os jovens rappers oriundos de diversas partes do mundo e daquele país do norte de Europa. São artistas com uma forte influência cosmopolita.
Esta camada juvenil está associada no mesmo espaço por um objectivo comum. Participar na palestra sobre o papel da música na melhoria dos regimes políticos dos respectivos países. O encontro é organizado e promovido pelo Norwegian Council for Africa e tem como cabeça de cartaz o músico moçambicano, Edson da Luz (Azagaia).
Entre os oradores está Siri Lange (Antropóloga e investigadora) que passou os últimos 19 na Tanzânia, onde desenvolveu pesquisas sociais sobre o país, o que lhe dotou de alguma experiência para falar do papel dos jovens tanzanianos na luta pela melhoria do regime político nacional. Siri Lange destacou o papel da jovem Amina, a mais nova parlamentar daquele país com 24 anos, que criticou duramente o regime, acusando alguns quadros seniores do partido no poder de corrupção e conivência com o tráfico de droga.
Segundo Siri, não tardou muito para que Amina encontrasse a morte sobre a qual as Autoridades Legais atribuíram à malária a causa.
Para Lange, Amina é um exemplo sublime da geração de artistas que – em África – usa a música para emitir mensagens de crítica social contra o Governo, como forma de lutar pelo advento de sociedade cada vez melhores em África.
Øyvind Holen – jornalista e escritor - é outro jovem que falou sobre a origem do movimento Rap em Brooklyn, Nova Iorque, há 40 anos bem como da forma como o mesmo massificou-se. Øyvind Holen defende que o facto de a execução do Rap não exigir o uso de instrumentos sofisticados, bem como a mensagem de contestação e clamor pela transformação social que pregou nos seus primórdios concorreu muito para a sua expansão pelo mundo.
Como tal, na actualidade, os povos africanos que exploram este género de música “desligaram-se” do seu caracter americanista, o que pode ser percebido pelo emprego das línguas locais nas suas composições, o que em última análise concorre para a melhor transmissão da mensagem que não é necessária e unicamente política, mas também com muito carácter social.
Outra figura que mereceu a atenção dos jovens – naquele sermão – foi Helge Rønning, professor de Comunicação na Universidade de Oslo e, com grande conhecimento da cultura africana. Até porque Helge possui inúmeras publicações sobre Literatura Nigeriana publicada desde os finais dos anos de 1960.
Helge é presidente da KHIO, uma organização da Escola Nacional de Artes Visuais da Noruega, no contexto da qual tem desenvolvido intercâmbios com artistas moçambicanos com destaque para a Companhia Nacional de Canto e Dança. Recorde-se que nos anos de 2008 e 2010, respectivamente, as coreógrafa Eli Villanger e Zéze Kolstad criaram as aclamadas coreografias "Nakulava" e “Wansati”.
Com o intuito de demonstrar perante os presentes como – devido ao seu carácter crítico – a música de Azagaia é favoravelmente acolhida pela classe trabalhadora no país, o professor Rønning fez uma análise sobre o percurso do actual presidente da República, Armando Emílio Guebuza bem como do Ministro dos Transportes e Comunicações, com especial enfoque para a crise dos transportes que se instala no país.
Rønning testemunha que nos dias que se seguiram às manifestaçoes contra a crise dos transportes, Azagaia criou uma composição cuja música passou numa estação de Rádio local. O seu espanto foi ver a sua empregada, uma senhora de idade, a “ignorar” a presença do patrão para dar um grito: “é isto que o povo precisa”.
Refira-se que a palestra foi moderada por Guttorm Andreasen, um dos mais famosos Dj´s Noruegueses e locutor de rádio. Destaca-se nos seus programas (essencialmente) a música africana, a história do Rap e do facto de este movimento estar a regressar para África com um forte impacto socio-cultural e político.
A sala estava repleta de gente e, um número considerável de moçambicanos residentes em Oslo respondeu favoravelmente ao convite de participar na palestra. Vale a pena realçar que a comunidade moçambicana neste país do norte da Europa é relativamente pequena, não chegando a uma centena, sobretudo quando comparada a Somali que chega ao 20.000 cidadãos.
Não tardou muito para que chegasse a vez do Mano Azagaia. O artista começou por se referir da influência que possui em relação à música americana e brasileira nas suas composições. Falou dos antigos líderes africanos – Samora Machel, Kwame Nkrumah, Patrício Lumumba, Leopold Senghory, Marcus Garvey, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, entre outros – a quem considerou como tendo sido igualmente “Rappers”.
No seu entender, enquanto aqueles líderes usaram – no passado – “a sua voz para libertar o povo do colonialismo. Pregaram a mensagens de revolta e de coragem”, nos dias actuais, os dirigentes de África tornaram-se “Combatentes da Fortuna – título de uma das suas músicas – ocupando o papel dos antigos colonialistas para oprimir o povo, tirando vantagens económicas sobre os recursos em seu beneficio, o que cria uma disparidade entre as classes sociaisI”.
Questionado – pelo moderador do programa – se ele temia o poder político e se este a ele, Azagaia respondeu nos seguintes termos: “incomodo-lhes de alguma forma”. E passou a relatar o episódio da sua carreira que fez com que fosse à Procuradoria da República para (entre outros) explicar o conteúdo das suas letras, bem como defender-se da acusação de incentivar revolta popular.
Antes de terminar a sessão, o artista revelou aos presentes o seu anseio: envelhecer no país que o viu nascer e crescer, Moçambique, tornar-se avó e poder brincar com os seus netos.
Posto isto, instalou-se o momento mais alto da palestra, o concerto. Azagaia subiu ao Palco descalço vestido do seu traje “Samoriano”, fazendo-se acompanhar por Sarah Ramin Osmundsen, jovem rapper, campeã norueguesa de Slam Poetry que fez coro para o artista, ensaiando algumas palavras em português”.
Azagaia cantou e encantou de tal sorte que nem o frio inibiu o corajoso de aquecer os noruegueses.
Fonte: @Verdade - 08.02.2012
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