O jurista João Baptista André Castande nos dá uma lição básica de direito, em artigo de opinião publicado no Jornal Notícias online, da qual podemos tirar ilações quanto ao caso denunciado pela nossa compatriota Zauria Adamo. Peço desde já, aos caros amigos, que não deviamos desvanecer sobre o caso da Zauria Adamo, embora eu não tenha uma proposta concreta sobre o que podemos fazer.
Eis o artigo na sua íntegra:Por João Baptista André Castande
Sobre a igualdade dos cidadãos perante a lei (
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SR. DIRECTOR!
(...) APELAMOS a todos que connosco participem na remoção dos obstáculos que retardam o nosso desenvolvimento e mancham a imagem da grande maioria dos trabalhadores honestos, dedicados e patriotas: O burocratismo, o espírito de deixa-andar, a corrupção, o crime. Os funcionários públicos, por exemplo, devem ter presente que a sua produtividade deve ser medida pela quantidade e qualidade dos documentos que despacham e pelo apoio que prestam aos cidadãos no preenchimento de papelada. Esta será uma grande contribuição que estarão a dar ao combate à pobreza em Moçambique. O espírito de deixa-andar manifesta-se através do adiamento de esclarecimento ou tomada de decisões para um amanhã que nunca chega. É o funcionário que, tendo perdido os documentos do cidadão, se esconde atrás desse mítico amanhã para não esclarecer que os documentos jamais serão localizados; É o trabalhador que não denuncia a sabotagem e as ilegalidades que se cometem na sua instituição; É o responsável da instituição que se mantém apático à indisciplina, ao desleixo e negligência, uso indevido dos recursos e equipamentos pelos seus subordinados; É o responsável que não impõe a disciplina laboral aos trabalhadores porque, aparentemente, não quer pôr em risco as suas amizades pessoais. A corrupção é um verme que carcome a credibilidade das instituições e é outro mal que deve ser combatido energicamente. Porém ao corrupto avisamos, o combate que travamos não tem características de uma ventania da qual se pode defender prostrando-se, levantando-se depois da sua passagem. Queremos que se prostre para sempre, queremo-lo na defensiva, enfraquecido e sempre receoso da nossa acção, que vai ser dura e implacável – Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, 1 de Maio de 2005.
O artigo 35 da Constituição da República de Moçambique (CRM) consagra que todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política . Sublinhe-se aqui a expressão opção política.
Assim, e como em qualquer parte do mundo, e fora das actividades que possam ser desenvolvidas por organismos não-governamentais no âmbito da observância dos direitos humanos e da legalidade, é ao Estado que compete, através dos seus funcionários colocados nos vários órgãos e instituições (incluindo o próprio Presidente da República que aliás é o responsável principal), respeitar e fazer respeitar os ditames constitucionais.
Para o efeito em vista, as Normas Éticas e Deontológicas vigentes na Função Pública estabelecem como um dos deveres primordiais dos funcionários do Estado estudar todas as normas que regulam o funcionamento da Administração Pública, bem como contribuir para o aumento da consciência jurídica dos cidadãos através da divulgação e conhecimento da lei.
Todavia, podemos afirmar, sem receio de exagerar, que no nosso país o estado da legalidade é ainda desolador, muito embora se reconheça, por outro lado, que a luta que estamos travando no sentido de inverter a situação encontra terreno fértil, graças à atitude bastante louvável do nosso Governo nesse sentido. De resto, depende da nossa capacidade de resistência às ameaças algumas vezes abertas e, amiúde, veladas, vindas de entidades isoladas mas que se julgam colocadas acima da nossa estatura!
Mas visto que são muito poucos os concidadãos que se dedicam ao estudo das leis, o que infelizmente verifica-se do mais baixo ao mais alto nível das hierarquias, inúmeros são os procedimentos caricatos que no quotidiano constatámos com tamanha indignação, diga-se em abono da verdade. Desta feita, há crimes que ficam impunes ou punidas com uma ligeireza
incrível, apenas porque foram cometidos por um membro proeminente do partido ípsilon!
Tais procedimentos provocam em muitos de nós dor profunda, na medida em que afectam negativamente as relações entre a família moçambicana, cujas consequências são imprevisíveis. Por isso, aqui estarei sempre para os denunciar e apresentar os meus protestos públicos.
A implementação do juramento de honra feito pelo Presidente Guebuza no dia 2 de Fevereiro de 2005 e as orientações que daí a esta parte vem traçando, está sendo fortemente sabotada pelas elites bem identificadas no aparelho do Estado.
O nosso Estado transformou-se num Estado sudário de indisciplina, de imoralidade, de compadrio, de roubo, de apatia, de passividade, de burocracia. Toleramos a podridão e ela alastra-se na sociedade – Samora Moisés Machel, 21-05-1983
Perante esta triste constatação, mais uma vez sugiro que as “presidências abertas” de Guebuza sejam abrangentes aos ministérios e a outras instituições estatais de vulto na vida do país.
Sobre a igualdade dos cidadãos perante a lei (
Concl.)Para evitar deixar dúvidas no ar, vou agora dar um exemplo concreto que é o seguinte:
- Suponhamos que um funcionário do Estado que, então integrado na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), participou na luta de libertação nacional até à proclamação da independência e é membro sénior do partido Frelimo desde a sua constituição em 7 de Fevereiro de 1977, permanecendo nessa qualidade até hoje;
- Infelizmente, ele é descoberto de ter desviado fundos do Estado no valor de seiscentos mil meticais (600.000MT);
- Agora pergunta-se: qual deverá ser a nossa atitude perante o ilícito disciplinar e criminal por ele cometido?
É assim:
- Ele, como qualquer outro cidadão, está vinculado aos ditames do artigo 35 da Constituição da República e, como tal, deve-lhe ser instaurado um processo disciplinar na forma prevista nos artigos 194 e seguintes do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado;
- Como é do conhecimento geral, o desvio de fundos do Estado é infracção abstractamente punida com a pena de expulsão, independentemente do quantum desviado, porquanto esta pena é aplicável mesmo tratando-se de simples tentativa;
- Tanto na Nota de Acusação, assim como na análise final dos factos processuais, pode-se fixar a seu favor, além das demais circunstâncias atenuantes que as merecer, a circunstância de ter participado na luta de libertação nacional, tendo em atenção que a invocação desta circunstância atenuante está justificada pelas disposições conjugadas do artigo 15 da Constituição da República, que reconhece e valoriza os sacrifícios daqueles que consagraram as suas vidas à luta de libertação nacional... e da alínea h) do n.º 1 do artigo 186 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado;
- Mas agora atenção:
Mesmo com a invocação daquela circunstância atenuante, a pena a aplicar ao infractor nunca será inferior à da demissão, por respeito ao critério prescrito no n.º 2 do supracitado artigo 186. Isto significa que uma infracção abstractamente punida com a pena de expulsão, mesmo que o seu agente beneficie de uma tonelada de atenuantes, a lei não admite que tal infracção seja punida, por exemplo, com a pena de despromoção, salvo douta opinião em contrário.
- Consequentemente, quem quiser agir fora do critério prescrito no n.º 2 do artigo 186 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado, só estará a incorrer em arbitrariedades tendentes a promover a impunidade dos ilícitos disciplinares e criminais cometidos.
Entretanto, em relação ao mesmo infractor não pode ser invocado o facto de ser membro sénior do partido Frelimo, como circunstância atenuante a pender a seu favor, porquanto aí estaríamos a entrar em flagrante contradição com o determinado na parte final do já acima referido artigo 35 da Constituição da República.
É que a adesão à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) não foi opção política na forma expressa na parte final do predito artigo 35, mas sim acto de bravura e patriotismo!
E convenhamos, se fosse lícito invocar o facto de o hipotético infractor ser membro sénior do partido Frelimo, então isto só constituiria circunstância agravante especial, tomando em consideração a determinação peremptória da alínea j) do n.º 1 do artigo 8 dos Estatutos da referida formação política, segundo a qual o membro do partido deve combater a corrupção
É curial esclarecer aqui que o processo disciplinar assim instaurado deve ser concluído e decidido rigorosamente dentro do prazo de trinta e cinco (35) dias, exceptuando os casos em que este seja prorrogado por quem de direito e nos precisos termos dos números 2 e 3 do artigo 200 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado.
Nada de justificações descabidas e ridículas!...
A falta de uma perspectiva séria na abertura e encerramento de processos disciplinares nos sectores poderá criar condições para a continuidade das práticas de corrupção e para que o público cedo se canse sobre todo o programa de combate a este fenómeno. Deste modo, há uma necessidade de um processo de capacitação e fortalecimento institucional das organizações nucleares para o combate à corrupção, designadamente as inspecções administrativas, financeira e técnica e auditorias do sector público, assim reza o n.º 8 da “Estratégia Anti-Corrupção 2006-2010”, aprovada pelo Conselho de Ministros na 8ª Sessão Ordinária de 11 de Abril de 2006.
Afinal de contas, lêem ou não lêem?
Caríssimos compatriotas servidores da Administração Pública, leiam, estudem, porque a leitura e o estudo fazem bem ao espírito e o coração sem sobressaltos. A leitura e o estudo quotidianos talvez sejam as melhores armas de que poderão dispor para os próximos embates, principalmente quando estejam em funções de direcção e chefia.
Eu saúdo-vos, mas a Luta Continua!
S.P. Dedico este artigo ao meu colega e amigo Carlos Eugénio Matlava, em reconhecimento da sua dedicação ao estudo.Na pessoa do Matlava, ressuscita o velho tipo de funcionário que conhece todas as minúcias do seu trabalho, só pensa no desempenho da sua função, se entusiasma com a boa ordem e aperfeiçoamento dos serviços, é progressivo, é zeloso, é exacto, não tem horas de serviço por que são todas, se é necessário, e sobretudo tem espírito de justiça e o amor do povo (sic).Bem haja, colega e compatriota Carlos Eugénio Matlava!
Retirado do Jornal Notícias online, aos 04/09/2008