REPRESENTANTES da sociedade civil, de órgãos eleitorais e partidos politicos, que recentementes estiveram reunidos em Maputo, defenderam a necessidade do país apostar numa formação mais solida dos membros das mesas de voto e que as formações políticas concorrentes ás eleições, passem a seleccionar delegados de listas com mínimas qualificações académicas e elementos da sua confiança política.
Os participantes ao seminário de reflexão sobre o processo eleitoral, adiantaram que são vários os partidos políticos que indicam delegados que nem se quer são seus membros, pouco conhecem a formação e muito menos percebem o processo eleitoral.
"Estes são problemas que se assistem no terreno, onde alguns delegados de lista, devido à fome, uma vez que muitos partidos não conseguem garantir um subsidio de alimentação para este grupo, abandonam o local para procurar matar a fome, e quando regressam, assinam actos, mesmo sem ter acompanhado o que foi feito pelos seus colegas", disse Marcelino Rachide, da província do Niassa.
Este interveniente que se debruçou sobre "uma experiência de base sobre o processo eleitoral", disse que estes indivíduos, porque não acompanharam todo o processo, quando questionados a nivel dos seus partidos sobre os números que constam nas actas, afirmaram sem nenhum receio que houve fraude.
Marcelino Rachide propõe para a eliminação destes e outros problemas, que os candidatos de listas dos partidos politicos tentam mais tempo de formação, em relação ao que acontece hoje. Também defende a redução o tempo que vai desde a contagem dos voto até à divulgação dos resultados finais. Disse ainda que o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) e a Comissão Nacional de Eleições (CNE), deveriam envidar esforços por forma a ganhar credibilidade tanto dos partidos politicos, como da sociedade civil no geral.
Por seu turno, Filipe Manjate, membro e porta-voz da CNE, que apresentou uma comunicação sobre os constrangimentos praticos do processo eleitoral, chamou a atenção para a necessidade de que a informatização do processo seja ensaiada a tempo. Disse, igualmente não entender como é que a CNE aparece a executar, quando se sabe que é um órgão supervisor. "Não devia ser a CNE a fazer a requalificação dos votos", disse.
Segundo este politico é preciso que se desenhe um figurino que permite a participação dos partidos politicos no controlo e fiscalização dos processos eleitorais, mas sem nenhum papel de execução. Avançou como sugestões a longo prazo, a necessidade do país começar a pensar em atribuir ao sector privado a tarefa de realizar o recenseamento eleitral, um exemplo que ja é uma realidade nos países como Angola e a Republica Democrático de Congo, chamando atenção de que os órgãos eleitorais permanecerão com o papel de supervisores e fiscalizadores.
António Carrasco: ACOMPANHAR AS NOVAS TECNOLOGIAS
A digitalização ou não do recenseamento eleitoral foi outro tema que polemizou os debates deste seminário. António Carrasco, director-geral do STAE, defendeu que a digitalização é uma das propostas de solução trazida pelo seu órgão.
"O que nós trouxemos é que a informatização do recenseamento eleitoral, a ter que se fazer um recenseamento de raiz, pode ser uma das grandes soluções, para os problemas que Moçambique continua a enfrentar", disse.
António Carrasco explicou que há uma terminologia técnica usada pelo STAE que é "recenseamento digital", e acredita que esta pode estar na origem do susto manifestado por algumas pessoas mal preparadas e mal informadas sobre as novas tecnologias. "Moçambique não tem outra alternativa senão, acompanhar a evolução a nivel das novas técnologias de informação", disse.
Segundo António Carrasco, a solução dos problemas que enfermam o processo de recenseamento eleitoral no país, passa pela resolução da questão da base de dados do STAE, do levantamento geral em todo o territorio nacional, dos postos do recensemanto eleitoral e do mapeamento. Só assim podemos seguir com o recenseamento digitalizado. Adiantou que o recenseamento digitalizado vai permitir que haja uma base de dados solida, que possa anualmente fazer com segurança a eliminação dos óbitos e a transferência dos eleitores que se movimentam de um ponto para outro.
O director-geral do STAE disse que existe confiança plena neste processo. "O mundo inteiro está hoje a usar estas tecnologias e, Moçambique não pode recuar. O importante é sermos decisivos naquilo que queremos, que é consolidar a democracia e tirarmos o país da probreza", afirmou, salientando que ao abraçar o processo informatico, o país deixará de gastar toneladas de papel para fazer os registos e assim estará a combater a pobreza.
"Esta é nossa opinião como STAE, mas vamos deixar que o Estado tome decisão. O STAE não delibera nada, não é um órgão colegial", anotou, adiantando que quando esta instituição propõe um recenseamento digital está a procurar ver sanados os constrangimentos que enfermam estes processos no país.
Avançou ainda como proposta, a necessidade dos politicos deixarem de interferir no trabalho do STAE, defendendo que a partir do momento em que temos uma CNE totalmente partidarizada, composto por elementos de partidos politicos que pouco sabem ou entendem da organização e realização dos processos eleitorais, procurando fazer juizo daquilo que são os interesses das suas formações politicas, é mau.
"Nós pugnamos por uma CNE totalmente independente e por um órgão de execução que não tenha interferências politicas. A minha posição pessoal é de que este órgão deveria estar nas mãos dos membros da sociedade civil", disse salientando que tanto o STAE como a CNE devem ser órgãos independentes que possam ajuizar e arbitrar com seriedade os processos eleitorais.
António Carrasco voltou a repisar a proposta de que o país deve começar a pensar na possibilidade de escolher uma data fixa para as eleições gerais e outra data para as autarquias, o que iria permitir que antepadamente os órgãos competentes apresentassem à comunidade internacional as necessidades do país para o efeito. Por outro lado, facilitaria que os partidos politicos e órgãos eleitorais se preparassem.
Eduardo Namburete. COMPUTADOR NÃO É SOLUÇÃO
Por seu turno, o deputado da Assembleia da Republica, pela bancada da Renamo, Eduardo Namburete, disse que o problema não está na digitalização do recenseamento, mas sim na transparência do processo.
Revelou que o recenseamento digital não existe, o que existe é a digitalização dos dados, que é a transformação do processo manual daquilo que está no papel, para o sistema electrónico, onde o computador só entra para facilitar a sistematização daquilo que foi feito pelo Homem manualmente.
"O computador não sabe dizer quem é que morreu, quem é que mudou de endereço, o computador neste processo só vai ajudar a eliminar a duplicação dos nomes, mas quem pode dizer que o fulano já faleceu é alguém que tenha esta informação", disse, salientando que o computador não pode ser visto como solução para o problema.
Segundo Eduardo Namburete, o recenseamento é a base de todo o processo, questionando o por que é que desde as eleições de 2004 até hoje, não se sabe ao certo quantas pessoas foram inscritas para votar. Acrescentou que se não há nada a esconder não se pode impedir as pessoas de assistir o processo, de ver os cadernos eleitorais, porque só assim podem confirmar se aqueles nomes que estão ali, são verdadeiros ou não.
"Neste momento, a CNE tem vindo a trabalhar com numeros falsos. Não são problemas novos, surgiram em 1994, 1998, 2003 e em 2004. Tudo o que foi feito foi aleatoriamente porque a própria CNE não sabe dizer quantas pessoas é que foram escritas", disse, questionando como é que a CNE fez a distribuição dos mandatos por circulos eleitorais, se ela própria não sabe quantas pessoas é que foram escritas.
Para Eduardo Nambuerete, este é que é o começo do problema e depois segue o da colocação das mesas de votação, a troca dos cadernos eleitorais e uma série de outros. "Temos que começar por um recenseamento limpo, em que nós sabemos quantas pessoas foram escritas e é com base nessas pessoas que vamos saber quantos deputados tem cada circulo eleitoral", disse.
A finalizar disse que para se fazer um recenseamento limpo e transparente é preciso ter-se tempo, colocar os resultados a disposição de todos os interessadas para que possam saber quantas pessoas foram inscritas e apresentar os erros que possam ter sido cometidos.
VANTAGENS DO RECENSEAMENTO DIGITAL
Para o jurista e jornalista Mateus Chale, um dos oradores ao seminário que apresentou o tema "o recenseamento eleitoral", explicou que o recenseamento eleitoral digital tem como vantagens a redução de erros nos cadernos eleitorais, nomeadamente na correspondência automática entre o numero do cartão de eleitor e o do caderno eleitoral e na transferência da informação para a base de dados, identificação automática de duplas inscrições, disponibilidade de dados, cadernos eleitorais a nivel local e central, produção de estatísticas relativas ao recenseamento eleitoral, registo de todas as operações realizadas e gestão da informação.
Explicou ainda que podem ser levantadas questões sobre este recenseamento, a começar sobre em quê consistiria em concreto, além da sua exequibilidade, sobretudo considerando o elevado custo de manutenção do equipamento, a necessidade de recursos humanos com maior capacidade para a sua manipulação e gestão de uma base de dados mais complexa, além de condições mínimas em termos de infra-estruturas em todo o país.
Segundo o orador é necessário um enquadramento legal que garanta a transparência do processo, nomeadamente regras claras sobre a criação, gestão, manipulação da base de dados, além da protecção dos dados pessoais com a utilização da informação contida na base de dados. "É preciso sublinhar que o recenseamento digital por si só não resolverá a questão central das eliminações (sobretudo de eleitores falecidos) e transferências aquando das actualizações subsequentes".
Fonte: Motícias (2006-08-17)
Sem comentários:
Enviar um comentário