Canal de Opinião - por Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento (*)
Através dos meios de comunicação social que não estão sob controlo do Estado, soubemos do macabro assassinato do jovem Abdul Faruk. Posteriormente, foi-nos dado a ler que o Senhor Presidente da República, teve ele próprio que mandar deter os elementos da «Casa Militar» envolvidos nesse criminoso acto de espancamento e fuzilamento dum cidadão indefeso.
O Chefe de Estado fez o que, no mínimo, seria de esperar que os Órgãos do Estado vocacionados tivessem feito sem subtraírem o tempo e atenção do Presidente da Republica. Não é normal, em Estados de Direito Democrático, que instituições com autoridade formal sobre os agentes de segurança precisem de ordens do Presidente para agir sobre quem pratica actos como o que pôs termo à vida do jovem Abdul Faruk.
Aplaudir a atitude
A atitude do Senhor Presidente da República, embora só tenha surgido depois da opinião pública manifestar indignação, e só muitos dias depois, deve mesmo assim ser aplaudida. Ao agir como o fez, o Presidente distanciou-se do comportamento voluntário, arrogante, indisciplinado e criminoso dos elementos da sua segurança e família. Ao agir dessa forma abriu um precedente positivo; deu o exemplo; mostrou o rumo que as coisas devem tomar sempre que alguém prevarique e ofenda o ordenamento jurídico nacional.
O Presidente da República cumpriu apenas o que seria de esperar de um Chefe de Estado perante os factos, e numa Democracia normal. Infelizmente, não foi normal o comportamento das pessoas que usufruem salários e regalias para fazerem imediatamente, o que só viria a ser feito mais tarde por ordens do Presidente.
Por nos parecer ser esta a primeira vez que um Chefe de Estado deste país age da maneira como o PR agiu, entendemos manifestar o nosso reconhecimento público e encorajar a atitude.
Na verdade, a partir da sua investidura, o Presidente Guebuza está ciente de que é e será responsável pêlos actos e omissões dos agentes do Estado. “É Guebuza!” - diz e dirá o povo. É ele, o Presidente deste país!
O Presidente Guebuza, recordamos, terá iniciado o seu mandato, o ano passado, com mortes de pessoas por motivos políticos, em Mocimboa da Praia, e violentos chambocos contra estudantes indefesos numa escola privada em Nampula. Nos dois casos, a sociedade não foi informada de quais medidas terão sido tomadas pelo Governo do Presidente Guebuza com vista a penalizar os agentes envolvidos em tais actos criminosos, tendo ficado subjacente desde então que a palavra de ordem teria sido "matar" porque a impunidade estaria garantida. O silêncio nesses casos poderá ter conduzido a que os seguranças do PR pensassem que podiam desta vez matar o jovem Abdul Faruk porque nada lhes aconteceria. Nas outras ocorrências faltou o exemplo. O excesso repetiu-se! O caso Adbul Faruk despoletou questões sobre as quais gostaríamos de ver o País a reflectir:
Como estará o PR a informar-se, diariamente, sobre os acontecimentos no País?
O Instituto de Apoio a Governação e Desenvolvimento(GDI) estranha que o PR, segundo a imprensa escrita, tenha tomado conhecimento do incidente envolvendo seus seguranças e de sua própria filha só uma semana depois. Anteriormente o GDI já soubera, pela voz do próprio PR, que houve “relatórios fabricados” que lhe haviam sido apresentados por funcionários que nomeou para o apoiarem na implementação do seu programa de governação, e que acabaram escamoteando a verdade que afinal era bem diferente dos factos relatados.
O GDI entende por isso perguntar se haverá pessoas que agem como gate-keepers (barreiras), que não permitem que o Presidente receba informação factual a tempo por forma a poder agir em tempo útil? Não terá sido essa maneira de trabalhar que manchou a gestão do Presidente Chissano, de tal forma que os “seus” acabaram por alcunhá-lo de “deixa andar”? Chissano pode ter sido vítima do mesmo que o Presidente Guebuza já começa a experimentar e tão cedo. É um mau sinal!
O gesto dos agentes da PRM na altura em serviço na Esquadra do Hospital Central de Maputo, onde o jovem foi assassinado, também é de pasmar: Eles presenciaram, indiferentes, o assassinato do jovem praticado por “civis” pois nada indicava que fossem agentes da «Casa Militar». A inacção das autoridades superiores da corporação que se seguiu e mais grave ainda, a sua tentativa de encobrimento, deixa o País inseguro e com medo; - medo das autoridades do Estado!
A atitude posterior, também ela uma tentativa frustrada de encobrimento do crime, praticada por um alto funcionário do Estado, mais propriamente pelo Senhor Vice-ministro do Interior, mostrou depois, claramente, um comportamento que em nenhum Estado de Direito Democrático se pode admitir. O cenário atrás descrito levanta grande preocupação ao nível do GDI.
Poderes excessivos
Temos vindo a analisar todos estes factos no contexto geral da governação do nosso país e estamos em crer que começa a impor-se uma reflexão séria e abrangente sobre os poderes excessivos nas mãos dum único homem em Moçambique: o Presidente da Republica.
Se, por um lado, a manutenção de tais poderes desmesurados nas mãos do PR pode ser um bom meio quando se trate de decisões importantes que exijam urgência, por outro, envolve riscos, alguns dos quais o de todos braços do Estado (o executivo, legislativo e judicial) e seus dirigentes ficarem à espera de ordens de um único homem, para realizarem trabalho que deviam bem poder fazer. Como vem sendo, incorre-se naquilo que os ingleses chamam de «capacity stretch» (Exaustão de Capacidade), do Presidente.
Sendo que o Presidente Guebuza fez tantas promessas (combate ao deixa andar, à corrupção, etc), e a ter em atenção o rumo dos acontecimentos no contexto dos quais o caso Abdul Faruk se integra, ele é, e será, sozinho, visto como o culpado de tudo. Não terá sido este andar de coisas que, em 1980, levou o Presidente Samora a sentir que estava a trabalhar sozinho e a lançar a Ofensiva Política e Organizacional que, no concreto, não produziu nada além de sacrificar gente inocente que não o percebia? Ele, Samora Machel, era chefe de tudo!
Modelo militar não serve
O modelo militar, de comando central único, não serve para a governação e desenvolvimento de uma democracia. Nós, aqui no GDI, não vemos como, num pais tão vasto, com tantas dificuldades sociais, económicas e altas expectativas da população e da comunidade internacional que financia o funcionamento deste Estado, tudo fique à espera dum único homem. Notámos isto durante a Presidência Aberta. As populações não exigem aos governadores que estão perto delas mas, sim, ao Presidente para resolver os seus problemas. Apesar de muitas vezes o PR ter respondido que elas mesmo deviam trabalhar para solucionar as preocupações, na verdade essa mensagem não tem sido nem pode ser interiorizada. O exemplo disso tem começado aqui perto onde o PR está sentado, com quadros por si nomeados que não podem fazer nada sem as suas ordens. Foi isso que aconteceu com o caso do jovem. Começou com o porta-voz da Polícia a achar que não podia falar sobre o "assunto". E qual era o assunto? Um homicídio qualificado cometido perante agentes da polícia. Simplesmente, um crime hediondo!
O GDI apoiará o PR, para subtrai-lo do risco de “institutional capture”
«Institutional capture»(captura institucional) faz parte da grande corrupção, em que grupos de corruptos e do crime organizado se infiltram numa instituição e tomam controlo do chefe que passa a fazer o que os mafiosos querem. E uma das técnicas para alcançarem tal objectivo é o de controlarem e filtrarem a informação que deve chegar ao chefe. Assim agia Vladimiro Montesinos, antigo chefe da polícia-secreta do Peru, cujo escândalo de corrupção para a subversão da democracia, consistindo na compra de políticos da oposição, membros dos órgãos eleitorais, magistrados e dirigentes de importantes meios de comunicação social naquele país da América Latina, culminou com a fuga e resignação, a partir do exílio (Japão), do então Presidente daquele país, Alberto Fujimori.
Nós entendemos que o Presidente só poderá agir correctamente e em tempo útil quando poder dispor de informação correcta e em tempo recorde. Na verdade, o importante não é só decidir bem, mas decidir bem a tempo e com a utilidade que se impõem aos casos. De forma alguma queremos duvidar dos bons serviços que os seus assessores estarão a prestar. Mas ao PR, pessoa cuja capacidade de auto-organização e leitura é reconhecida, aqui humildemente sugerimos: Que arranje tempo, todos dias, para ver os telejornais e ler os jornais, principalmente os não estatais, para se informar directa e pessoalmente, para evitar que um assunto envolvendo a sua própria segurança e da sua própria filha só lhe seja dado a saber apenas uma semana depois. Será que quem devia tê-lo informado imediatamente não quis fazê-lo com objectivos inconfessos? Terá ele sido responsabilizado?
Informação não escamoteada é fundamental
Informação factual, não escamoteada, é fundamental para uma efectiva e boa governação. O País não pode ficar calmo sabendo que o seu Presidente está a ser desinformado ou tardiamente informado.
Para o bem de todos nós, moçambicanos, o GDI apoiará todos actos que visem a construção duma boa governação no país, e o Presidente Guebuza, ao intervir no caso Faruk, poderá ter marcado um passo significativo em boa direcção.
Esperamos por mais actos disciplinadores do sistema!
(*) GDI-Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento – Dr. Benjamim Pequenino, presidente)
Canal de Mocambique (2006-07-13)
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