“Foi a FRELIMO quem agrediu o
povo e depois foi agredida”
—
Dom Jaime
Gonçalves, arcebispo da Beira
Por Rafael Bié
Encontrámo-lo na sua “residência oficial”,
num dos bairros da cidade da Beira, depois de tanto termos insistido para uma
entrevista. “Vou a Maputo para uma reunião e depois volto”, foi a resposta que
inicialmente obtivemos de Dom Jaime Gonçalves, Arcebispo católico da diocese da
Beira. Perante a nossa insistência, depois do seu regresso de Maputo,
respondeu-nos que “eu disse tudo o que tinha a dizer em Maputo”. Contrapusemos,
afirmando que havia muita coisa sobre a qual ainda não se tinha falado.
Controverso para uns, pró-RENAMO para outros, Dom Jaime é um homem de fortes
convicções, e coerente para consigo próprio. Diz o que lhe vai na alma. Aparentemente,
sabe muita coisa sobre o País. Convidamos o caro leitor a seguir o controverso
sacerdote…
Queremos saber um pouco de si…
quem é este problemático Dom Jaime Gonçalves?
Eu nasci
no dia 26 de Novembro de 1936 em Nova Sofala, aqui na província de Sofala. Aqui
cresci e fiz os meus primeiros estudos e depois passei para a Escola da
Catedral da Beira. Vim a completar o ensino primário de então na Missão de Amatongas,
na província de Manica, onde fiz a quarta classe. Isso foi em 1954. Daí passei
para o seminário menor em Zóbuè, na província de Tete. Estive em Tete até 1960.
Foram seis anos de ensino liceal feito no seminário. Em 1960, passei para o seminário
maior de Filosofia, na Namaacha. Depois fui ao seminário de São Pio X, na
cidade de Maputo, onde fiz Teologia. Em 1967, terminei a minha formação e fui
ordenado sacerdote mesmo nesse ano, a 17 de Dezembro. Trabalhei aqui na Beira
na Paróquia de Matacuane durante 22 meses. Em 1970, segui para o Canadá a fim
de continuar com os meus estudos. No Canadá, formei-me em liderança social, em
1970… aprendi muita coisa sobre reformas
sociais, teorias de desenvolvimento. Em 1971, segui para Roma e dei
continuidade aos meus estudos ainda como formador na Universidade Salesiana de
Roma. Terminado isto, fiz uma licenciatura em ciências sociais na Universidade
de Roma. Em 1975, Julho, volto ao País. Fiquei a trabalhar aqui na minha
Diocese. Em 28 de Março de 1976, fui ordenado bispo.
Onde passou a sua adolescência?
Passei a
minha adolescência na minha terra, em Nova Sofala, e, como qualquer menino,
ora ia à escola ora não ia… passava a vida a pescar. Preferíamos pescar do que
ir à escola… íamos à caça dos passarinhos. À determinada altura, o meu pai
decidiu me tirar de lá porque passava a minha adolescência nestas brincadeiras.
O meu pai mandou-me aqui para a cidade da Beira para ver se poderia estudar.
Mesmo aqui na cidade continuámos a brincar, tínhamos também outras
dificuldades na escola. Os mais atrasados sentavam no chão e eram ensinados por
outros. Eu estava na Beira e mesmo assim não estava a render até que o meu pai
decidiu me tirar da cidade da Beira. Passávamos o tempo a tomar chá, a ir aos
bares, restaurantes… havia aqui muitos chineses que vendiam uma série de
coisas que distraíam os adolescentes. Os jovens gostavam destas coisas e
gastávamos dinheiro nisto. Não éramos aplicados nos estudos. O meu pai tira-me
e manda-me a uma escola onde seriamente se estuda. Mandou-me a Amatongas.
Quem eram os seus amigos?
Eu não
tinha amigos, porque era miúdo. Vivia com adultos. Lembro-me de um que estava a
adiantado na escola e que vinha ter connosco. Vinha complicar-nos a vida que
era para ter rebuçados. Mais tarde, veio a ingressar na FRELIMO e lá trabalhou,
foi uma grande figura. Esta pessoa recebeu muitos que estão hoje na FRELIMO.
Mais tarde, entrou na história daqueles que foram assassinados, foram mortos.
Era um dos meus amigos. As pessoas mais próximas, quando estudante aqui na
Beira, eram os meus parentes que vinham de Nova Sofala. O meu pai era uma
pessoa que gostava de se abstrair, vinha cá e saía com ele para uma pinga de
sumo de caju.
“É preciso reconstruir a igreja”
Esteve sempre aqui na Beira como
bispo…
Uma vez
indicado bispo, tive que ficar aqui… outros novos bispos ordenados ficaram em
Maputo e Pemba, isto em 1975. Em 1976, foram ordenados cinco bispos. Todos
juntos começámos com as actividades, eu fiquei presidente da Conferência Episcopal
e presidente da Comissão da Justiça e paz.
Nessa altura, como é que era?
Fiz o
trabalho da igreja naquele tempo com todas as adversidades… com todas as
dificuldades que a revolução moçambicana trouxe para a igreja. Enfrentámos o
problema das nacionalizações … havia, como todos sabem, o problema das
limitações das liberdades da acção da igreja. Não havia liberdade religiosa
depois da independência. Os meios da igreja foram nacionalizados e eu e outros
tivemos que enfrentar esse problema. Depois veio a guerra que também tivemos de
enfrentá-la até que terminou com o Acordo Geral de Roma, em 4 de Outubro de
1992. Daí em diante, trabalhámos aqui na diocese e no País no sentido de
reconstruir a igreja no seu aspecto material. Queríamos que as missões
nacionalizadas nos fossem devolvidas. É um trabalho que ainda continua, é
preciso reconstruir a igreja… agora há um pouco mais de liberdades e de acção.
Lembra-se de um colega ou amigo
especial do seminário?
Éramos
18 na minha turma, chegámos ao fim dois, eu e o actual bispo de Tete, Dom Paulo
Manjate. Outros foram ficando pelo caminho, entre eles o doutor João Nhai, que
se formou na Jugoslávia. Voltou para aqui durante o governo de transição. Foi
considerado reaccionário. Prenderam-no e mataram-no lá… lá em cima. Um outro
foi estudar na América. Mas como tinha sido seminarista, estudou, acabou por sofrer
nos campos de reeducação montados pela FRELIMO. É o Gilberto Waia. O resto
ficou disperso.
Quando estava no seminário
ouviam rádio, falavam sobre a independência?
No
seminário do Zóbuè, líamos sobre as independências de alguns países
africanos, através de revistas que os padres traziam. Terminei o curso em 1960
e já nessa altura se falava da independência do Congo, ouvíamos falar do
Lumumba. Explicavam-nos o que era essa coisa de independência. Mas esse
ambiente de seguir a situação política em África intensificou-se durante os
estudos de Filosofia na Namaacha, onde tínhamos acesso ao Diário e ao Notícias,
jornais publicados em Maputo. Esses jornais falavam das independências. A
independência do Congo foi muito turbulenta. Apareceu, muitas vezes, a história
de Moses Tchombe. Depois do almoço ficávamos a ler jornais.
“Não sofri a tentação da
política”
Chegou a
pensar em se juntar à FRELIMO para ajudar
a libertar o País?
Nunca tive a tentação de me juntar a qualquer movimento
que quisesse libertar o País do jugo colonial. Sei de colegas que nos deixaram
lá na Namaacha, colegas que optaram por esse caminho. Fizeram essa opção e eu
fiz a minha. Muitos saíram do seminário e foram para o Malawi, outros para a
Tanzânia. Muitos dos meus colegas optaram por sair do seminário e ir para a
libertação. Mas, em suma, quero dizer que não sofri a tentação de seguir
política. Eu quis sempre ser padre e não me convinha ter ideias que obstaculizassem
a minha carreira. Naquele tempo, era proibido falar de política no seminário.
Mas tive colegas que nos deixaram. Portanto, na Namaacha, houve muito fervor
dos jovens pela libertação. Na década de 60, começa-se a falar da criação da
FRELIMO. Mais tarde, é assassinado Eduardo Mondlane. Nós tínhamos rádio e, à
noite, ficávamos com o ouvido colado a ele, a ouvir as emissões da Rádio da
China. Esta rádio dava-nos o curso das actividades da FRELIMO. Não era
permitido ouvir esta rádio, mas nós ouvíamos.
Não se
recorda de nenhum colega seu especial?
… sim, me lembro… de alguns colegas que abandonaram
o seminário. Estes meus colegas ficaram famosos, porque foram atingidos pela
crise dos seminaristas na FRELIMO, em Nachingwea. O grupo dos seminaristas
teve de abandonar a luta directa pela independência por razões ideológicas e
também por causa das lutas que havia no seio da FRELIMO, em Nachingwea. Lembro-me
do padre Mateus Gwendgere e de tantos outros que saíram dos seminários para a
libertação. Foram para a Tanzânia, mas a FRELIMO acabou por criar confusões. Só
o facto de o presidente Mondlane ter sido assassinado já era problema. Os que
assassinaram Mondlane tinham uma finalidade. Os outros que não concordassem com
este grupo que assassinou o Eduardo também eram um alvo a abater. Facilmente,
a FRELIMO entrou em conflito na sua liderança. E o principal grupo alvo na
FRELIMO, que tinha que ser abatido, era exactamente o dos seminaristas.
Muitos deles acabaram por fugir da Tanzânia e foram parar em Nairobi, no
Quénia.
A
história da libertação não poderá esquecer este grupo de moçambicanos. Alguns
conseguiriam, mais tarde, bolsas de estudo e partiram para os Estados Unidos.
Deste grupo, lembro-me de um que voltou e foi ministro. É o tal de (Bernardo)
Ferraz, de Quelimane, que estava no (Ministério da Coordenação do Meio) Ambiente.
Um outro do meu tempo é o actual vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação (Eduardo Koloma)… os outros andaram perdidos, outros ainda foram
perseguidos, presos e alguns foram mortos. Outros estão na sua vida privada,
alguns nos Estados Unidos. O irmão mais velho do antigo governador de Sofala
está também nos EUA. Fez engenharia química lá. Depois decidiu ir estudar
medicina na Alemanha. Este é o irmão de Francisco Masquil. Entre os mais
velhos está o Dr. João Munhai que é locutor na Voz da América.
“Samora foi ateu até à sua
morte”
Faz menção a “dificuldades da
revolução”… o que é isso?
Para a
igreja, a revolução moçambicana, essa revolução marxista, levantou problemas.
Primeiro a ideologia ateia… não só eram ateus, mas eram contra aqueles que
acreditavam em Deus. Isso, perante a igreja, instituição de Deus, foi uma
grande dificuldade. A revolução marxista da FRELIMO encontrou princípios
seus para nacionalizar bens da igreja. A FRELIMO fechou igrejas, capelas, transformou
as missões em centros de educação que ficaram centros de ateus. As missões
para nós são centros de evangelização e não do ateísmo. Como íamos trabalhar
com missões nacionalizadas, igrejas nacionalizadas e fechadas pela revolução
da FRELIMO? A FRELIMO transformou as nossas igrejas em armazéns. A FRELIMO
fechou a igreja de Macuti, fechou a Igreja de São Benedito (uma das maiores),
fechou a igreja do Dondo. Isto foi uma grande dificuldade para a igreja que
acabava de receber bispos em 1977. Esta situação provocada pela revolução
marxista da FRELIMO desmoralizou muitos padres, missionários e irmãs que
trabalhavam nestas missões. Muitos partiram.
Como se isso não bastasse…
…
Veja-se que a FRELIMO foi ao extremo de congelar as contas bancárias da
igreja! Não podíamos movimentar as nossas contas sem prestar esclarecimentos à
FRELIMO. E, nalguns casos, a FRELIMO ficou com o dinheiro da igreja. Chegaram
a criar a Comissão de Liquidação que controlava as nossas contas. Perdemos a
liberdade de movimentar o nosso dinheiro. Por acaso nem era muito dinheiro, mas
havia a ilusão dos revolucionários de que a igreja era muito rica. Mesmo nós,
como bispos, tivemos a falta de liberdade de movimentação. A revolução
obrigou-nos a usar guias de marcha. Não podíamos trabalhar junto dos fiéis sem
guias de marcha. Há pessoas que foram parar nas celas, porque não as tinham. É
preciso referir que não havia modelo único das guias de marcha. Cada um
escrevia a guia como entendia e, muitas vezes, fomos vítimas desta situação.
Fomos presos por causa de guias de marcha, que foram uma forma de controlar os
bispos e também de perseguir a igreja. Foi uma grande asfixia na formação de
servidores da igreja. À juventude não era reconhecido o direito de praticar a
religião. Tínhamos dificuldades de educar as crianças e, em contrapartida,
endoutrinavam o ateísmo junto às crianças nas escolas. É claro que as crianças
não entenderam o problema que a revolução trazia para a igreja e sempre foram
à catequese. As crianças foram mais exemplares do que os adultos. Os adultos,
esses, abandonaram Deus, juntaram-se à revolução e começaram a falar mal da
igreja.
Mas os revolucionários agoram
voltaram à igreja. Não lhe conforta isso?
Não, não
voltaram! Os revolucionários não voltaram à igreja. O que verificamos é que, a
nível individual, uns foram-se aproximando à igreja. É uma questão política,
eles querem criar ambiente, apenas isso!
Porquê questão política?
Ao fim e
ao cabo, na arena internacional, o comunismo, a que se apoiavam os revolucionários,
ficou bloqueado. Ficámos mal, porque o mundo passou a ser dominado pelo
Ocidente. Era uma questão de opção, ou continuávamos comunistas apegados aos
soviéticos moribundos ou seguíamos o Ocidente. Samora Machel começou a
perceber que não tínhamos aceitação no Ocidente. Samora conseguiu uma viagem
aos Estados Unidos, encontrou-se com Reagan, foi ao Canadá, foi à Itália. É
preciso sublinhar que Samora Machel foi à Itália, mas não foi ao Vaticano. Quem
visita oficialmente a Itália tem que ir ao Vaticano, mas Samora recusou-se a
ir ver o Papa no Vaticano. Ele foi ateu até à sua morte, em 1986!
Regresso dos revolucionários
à igreja é por conveniência
política
E depois?
E depois
as coisas começaram a complicar-se em 1990. O Ocidente começou a dar apoio à
RENAMO. Como diziam os americanos, “nós não vamos lá, o que os outros estão a
fazer, no terreno, contra o comunismo chega”. Depois veio o antigo-ministro dos
Negócios Estrangeiros, Joaquim Chissano, que conhecia melhor o mundo ocidental
e as suas reacções. Este faz uma opção de ir ao Ocidente e não para a União
Soviética. Nessa escolha, Chissano tinha que mostrar que as teses comunistas
não serviam. Então começa o processo da elaboração da nova Constituição em 1990,
uma constituição que contemplava a liberdade de religião. Foi nessa linha que
começaram a libertar algumas coisas da igreja. Algumas foram reabertas. Ele
autorizou a reabertura das igrejas e depois falou-se das missões que também
foram reabertas. Mas, como se vê, o regresso ou reconhecer a igreja era uma
questão de conveniência política. Não se pode ir ao Ocidente com as portas das
igrejas fechadas. Cuba está como está por causa deste tipo de situações. É
preciso realçar que há muitos exageros por parte dos americanos, mas se Cuba
quer se integrar no mundo tem que alterar muitas coisas. Por isso, o regresso
dos revolucionários à igreja não é um gesto de pedido de desculpas, de
pessoas arrependidas, é uma questão de conveniência política. Os marxistas não
tinham outra saída.
Acha que a guerra depois da
independência é resultado do que chama dificuldades da revolução?
A guerra
entre o Governo e a RENAMO é um fenómeno muito complicado. É preciso entender
as causas e os processos desta guerra. Depois da independência nós pertencíamos
a um determinado bloco, o soviético. A nossa independência foi celebrada nesse
contexto. Havia dois blocos e um outro que se fez em Bandung, os Não-Alinhados.
Quem não era do Ocidente ou não soviético era dos Não-Alinhados. Mas nós
entrámos alinhados. Esta é uma circunstância que a gente tem que ter em conta
no encontro das razões da guerra, temos que ter em conta que, de facto,
existia a filosofia da África branca. Nós fomos colonizados pelos portugueses,
aqui ao lado tinhas o apartheid e a
Rodésia de Ian Smith. A África branca sentia-se incomodada em ter um vizinho
pró-soviético aqui ao lado. A África branca, os portugueses, o apartheid e a Rodésia eram anti-comunistas.
É um dado que a gente tem de jogar para compreender esta guerra. Existe ainda
um terceiro dado. Os próprios moçambicanos não tinham experiência do comunismo.
Líamos pequenas histórias nas revistas. As pessoas ficaram assustadas com este
novo modelo que trazia guias de marcha. Mesmo dentro da própria FRELIMO, as
pessoas não concordaram com algumas coisas e, mais tarde, o próprio Samora
Machel não concordou. Numa das reuniões da FRELIMO, Samora perguntou ao
Sérgio Vieira, um dos ideólogos do regime: “O que é que eu vou fazer das vacas
do meu pai?”. Segundo a ideologia marxista, ninguém podia possuir seja lá o que
fosse. Isto foi um pouco tarde, mas para alguns aconteceu um pouco a seguir à
independência. Começa um certo descontentamento na FRELIMO. Lembrem-se que a
independência foi a 25 de Junho de 1975 e em 16 de Dezembro do mesmo ano há uma
intentona. Naquelas circunstâncias, Samora Machel foi implacável. Procurou
aqueles que tinham feito a brincadeira
e colocou-lhes numa ilha… uns conseguiram fugir, os outros… Então, no
conjunto, confrontámo-nos com a África branca, com o apartheid e com a Rodésia, nós mesmos estávamos assustados com o
marxismo e alguns ficaram desapontados… tudo isto entrou na motivação para
haver conflito que, no princípio, foi ideológico, mas que acabou por ser militar.
A África branca, o apartheid e Ian
Smith aproveitaram-se do descontentamento de alguns revolucionários e
deram-lhes apoio. Este conjunto de situações ditaram o início da guerra. O
general Magnus Malan, então ministro da defesa do apartheid, dizia depois dos acordos de Nkomati que os políticos
fizeram acordo, mas para ele não havia acordo nenhum, com comunistas “só
guerra”. O comunismo só podia ser corrido com a guerra. Fala-se de agressão…
mas quem agrediu a quem? O povo moçambicano foi agredido pela FRELIMO. A
FRELIMO chegou e instituiu guias de marcha, lojas do povo, aldeias comunais, a operação produção que destruiu
famílias, nacionalizaram igrejas e tornaram-nas armazéns, fuzilou pessoas com
ideias contrárias, instituiu os centros de reeducação onde as pessoas entravam
e nunca mais saíam. Foi a FRELIMO, marxista, quem, primeiro, agrediu o povo.
Havia uma reacção interna, agora, personificou-se esse grupo de descontentes
que tiveram apoio da Rodésia e de outros…
Aparentemente sabe muita coisa,
está a escrever algum livro?
Eu?
Sim!
Não estou a escrever, porque a actividade de bispo
não me dá tempo e fiquei com as coisas na cabeça, mas não estou a escrever… se
tiver mais anos de vida, é possível que venha a escrever qualquer coisa. Há
muita coisa que me roubou tempo. Não estava nos meus planos trabalhar para o
processo de paz aqui em Moçambique e isso roubou-me tempo. Eu queria trabalhar
nas missões. Mas o trabalho das missões estava falido por causa da guerra que
destruiu o País. Perante uma situação destas, procurei outros planos de vida. É
na ambição de querer a paz que acabei em procurar a paz. Começa esse processo
das negociações, mas isto não era um plano de vida. Neste sentido, também não
está nos meus planos escrever um livro.
Após a morte de Mondlane e golpe a Uria
Simango
Matar,
na FRELIMO, era coisa de todos os dias!
Pode explicar o que é a crise dos
seminaristas… exactamente o que aconteceu?
Se for a
falar com alguém da FRELIMO, vão te contar o que estou a dizer. Sabem disto,
todos aqueles que estiveram na criação da FRELIMO. Deixe contar o seguinte:
quando foi para a escolha de um lugar para as conversações para a paz, a RENAMO
propôs Nairobi, porque já estava lá. O Presidente Chissano recusou, não queria
Nairobi. Disse que Nairobi estava cheio de reaccionários. Ele se lembra desta
história. Então propôs Malawi e os outros disseram que não queriam, porque não
havia segurança. Isto para dizer que a crise dos seminaristas existiu no seio
da FRELIMO. Duas razões ditaram esta crise: a primeira foi a escolha do
socialismo. Nessa altura, era mesmo comunismo. Os seminaristas, por causa da
sua formação, mostraram-se relutantes, não queriam aceitar tais ideais para a
nossa vida social e política. A FRELIMO, como movimento, queria seguir o
socialismo. Em segundo lugar, um outro ponto difícil, foi quando assassinaram o
Eduardo. Segundo os estatutos da própria Frente de Libertação de Moçambique,
quem deveria assumir o cargo era Uria Simango, mas não chegou a ocupá-lo.
Outros invadiram o lugar de Uria Simango. Outros que tinham escola, formação
filosófica, não aceitaram este assalto ao poder. Defendiam que se tinha de
seguir o que diziam os estatutos da própria FRELIMO. Os estatutos diziam que,
em caso de morte do presidente, o seu lugar devia ser ocupado pelo
vice-presidente. Neste caso, os que ocuparam o lugar de Uria Simango não
toleraram que houvesse pessoas que contestassem. E, nessa altura, matar, na
FRELIMO, era coisa de todos os dias. Tudo entrou em crise… o padre Gwendgere
ainda contactou as Nações Unidas a contestar o comunismo. Mais tarde, foi
afastado e no governo de transição veio cá… para prevenir-nos sobre os ideais
comunistas da FRELIMO. Nós éramos uma colónia portuguesa e todos sabem que
Portugal era um país declaradamente anti-comunista. Eles, os portugueses,
opuseram-se aos ideais comunistas e oficiais portugueses e alguns generais
manifestaram-se lá em Maputo, tomaram a rádio. Ele, como sacerdote, não podia
aceitar o comunismo e, nessa altura, foi considerado traidor da luta, disseram
que se tinha juntado ao inimigo. Só que, nessa altura, ninguém podia escutar
essa voz, queríamos ser independentes. Não queríamos ter ideais comunistas.
Apanharam-no, levaram-no lá para cima e assassinaram-no. Para dizer que houve
essa crise dos seminaristas que fez dispersar muitos…
SAVANA – 28.10.2005
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