quarta-feira, julho 01, 2015

Um discurso autocrático (repetição)

Por Machado da Graça

O III Reich Nazi vai durar 1000 anos. 
Adolf Hitler

Nem que passem milhares de anos a FRELIMO não pode nem deve sair do poder.
Mariano Matsinhe

Embora a História já me devesse ter ensinado a não me espantar com nada neste nosso país, a verdade é que continuo a ficar perplexo com aquilo a que vou assistindo.

A última foi uma reportagem do “Notícias” sobre uma palestra que Mariano Matsinhe foi fazer à nossa Academia de Ciências Policiais (ACIPOL).

Ao que parece a palestra era sobre a história das forças policiais no nosso país e, nesse aspecto, pouco ou nada tenho a objectar. O orador é pessoa conhecedora da matéria e pode ter dado uma aula interessante aos cadetes daquela academia.


Já a coisa muda completamente de aspecto quando Matsinhe, abusando, eventualmente, do convite que lhe terá sido feito, entrou num discurso de propaganda partidária, em termos totalmente descabidos não só naquele local como em qualquer outro local da República de Moçambique. Citando do “Notícias”, ele terá dito:

. A oposição no país não deve desaparecer mas sim o partido FRELIMO, no poder, deve continuar a envidar esforços de tudo fazer com vista a reduzi-la cada vez mais à sua insignificância;

. Nem que passem milhares de anos e figuras como ele, que estiveram à frente da fundação da FRELIMO e lutaram contra o colonialismo português, venham a deixar o mundo dos vivos, a FRELIMO não pode, nem deve, sair do poder;

. Só assim é que a nação moçambicana continuará a desenvolver e a criar melhores condições de vida para o seu povo.;
. Vamos fazer tudo o que for necessário de modo a que a FRELIMO não saia nunca do poder e que continue a servir melhor. Podem ser criados milhares de partidos e eles todos concorrerem em todas as eleições. A FRELIMO sempre continuará a mandar neste país. Aliás, queremos que daqui a algum tempo, nem sequer no Parlamento entrem, ou seja, no futuro todos os assentos devem ser ocupados pelos nossos deputados. Não sou a favor da extinção da oposição, mas ela deve continuar insignificante;

Ora a ACIPOL não é uma academia da FRELIMO. É uma escola, de nível universitário, da República de Moçambique, paga com os impostos de todos nós.

Ao ir falar aos seus alunos nos termos em que o fez, Mariano Matsinhe pode ter estado a tentar instrumentalizar, a favor do seu partido, os futuros oficiais da Polícia da República de Moçambique, sem dúvida a mais importante força armada no nosso país desde o fim da guerra de desestabilização.
Muito se tem comentado, nos últimos tempos, sobre o risco de estarmos a caminhar, de novo, para uma situação de partido único. Risco sempre desmentido pelos nossos dirigentes. No entanto, discursos como este, de Mariano Matsinhe, apontam fortemente nesse sentido.

E se constatarmos que um dos próximos oradores previstos para falarem na ACIPOL é Marcelino dos Santos, aberto defensor do partido único, cabe-nos perguntar para o que é que se está a tentar mentalizar os jovens que, a curto prazo, irão ser os oficiais das nossas forças policiais.

Tudo isto se passa num momento em que outros sintomas inquietantes nos aparecem.

Por um lado a criação, com o beneplácito do poder, de uma milícia, estranha em regime democrático, para a qual se ressuscitou o nome dos Grupos de Vigilância.

Depois temos os sucessivos casos de mortes por agentes policiais. Só nos últimos tempos temos o caso dos presos retirados da cadeia da Macia e abatidos a caminho de Maputo, os 3 presos abatidos junto ao campo do Costa do Sol e o caso, ainda mais estranho, dos polícias abatidos por outros polícias junto à bomba de gasolina da Matola. De nenhum destes casos tenho conhecimenhto de terem sido detidos e julgados os criminosos.

Isto para não falar do massacre do paiol, cujos responsáveis continuam alegremente impunes.
Tudo isto nos aponta para um futuro de contornos pouco claros, no que ao estado de direito diz respeito.

É bom estarmos alerta.


Fonte: SAVANA - 04.05.2007

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