Luanda, 07 fev (Lusa) - O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco considerou "escandalosos" os favores que o Presidente José Eduardo dos Santos presta à família, designadamente a concessão de exploração do segundo canal e do canal internacional da televisão pública de Angola.
Em entrevista à Lusa, Marcolino Moco acrescentou tratarem-se de situações que deveriam merecer repúdio e que constituem "uma vergonha" para a sua geração de políticos.
Primeiro-ministro de Angola entre 1992 e 1996, e primeiro secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de 1996 a 2000, Marcolino Moco, de 58 anos, adiantou que no caso da atribuição da TPA2 e da TPA Internacional à família, "nem sequer se procurou criar um mecanismo de contorno".
Crítico assumido de José Eduardo dos Santos, o antigo secretário-geral (1991/92) do MPLA, partido no poder em Angola, de que é agora apenas militante, é de opinião que existe agora em Angola um "culto de personalidade mais acentuado que no tempo do partido único".
"Há um culto de personalidade mais acentuado do que havia no partido único. Há o silenciamento de tudo o que se faz de ruim por parte da Presidência da República, porque o partido foi transformado num protetor: fala-se por exemplo em desvios de dinheiro, escandalosos, mas aparece o partido a fazer manifestações em favor de Sua Excelência o Senhor Presidente", destacou.
À pergunta se ainda fala com José Eduardo dos Santos, com quem trabalhou lado a lado durante vários anos, Marcolino Moco respondeu: "Falo com ele à distância."
"Em Angola, a política hoje é encarada como um jogo sujo, de podermos fazer tudo. Tomamos conta do poder, manipulamos, não o largamos. Costumo dizer que quem passa pelo Governo sempre aproveita alguma coisa, mas não pode haver exagero", sublinhou.
Mas para Marcolino Moco aquele conceito é hoje levado a um "exagero terrível" em Angola.
"As pessoas estão a pensar que isso é normal, mas eu convido as pessoas, por exemplo, em relação a essa coisa da televisão. Eu pedi às pessoas que imaginassem que o (Presidente Aníbal) Cavaco Silva entregasse o canal dois da RTP ao seu filho. Imaginem", acrescentou.
Em Angola falta uma sociedade civil que se liberte do passado.
"A sociedade civil está amedrontada: fantasmas do passado, as mortes de 1974/75, as mortes de 1992 (reinício da guerra civil angolana) com as questões étnicas. Angola é a colónia mais aportuguesada, aquela em que as culturas autóctones mais foram reprimidas. É o país onde menos se falam línguas africanas nas ruas, então há uma hibernação do aspeto étnico-tradicional, mas que funciona depois nas manipulações, entre quatro paredes", frisou.
Contudo, a ligação a Portugal, antiga potência colonial, é um facto e que merece ser alimentado.
"Nós africanos não podemos ter dúvidas: o nosso destino está ligado aos nossos antigos colonizadores e andar à volta disso é aldrabarmo-nos a nós próprios", considerou, reconhecendo que o "maior problema" dos angolanos foi não terem juntado a componente branca ao seu sistema político.
"O maior, não digo erro, porque o erro não dependeu dos angolanos, mas o maior problema que nós tivemos foi não juntar a componente branca ao sistema político angolano, como a África do Sul tenta fazer. Há forças que continuam a impedir isso, mas estão a laborar no erro, porque os países modernos africanos têm dois pilares: o pilar tradicional e o pilar europeu. Isso é indesmentível", afiançou.
"Porque senão eu não estaria aqui a falar português", concluiu.
Fonte: Lusa in Notícias Sapo - 07.02.2012
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