Fernando Lima(*)
Numa manhã anormalmente fresca de Fevereiro, o então presidente Joaquim Chissano lançava em 1990 a revisão constitucional que alteraria radicalmente a face política do país.
O processo trazia em si um convite. Que os moçambicanos contribuíssem para o texto final da lei fundamental. Até a Renamo contribuiu, embora nessa altura ainda fossem “bandidos armados”. Um grupo de jornalistas, não viu liberdade de imprensa no texto e decidiu elaborar uma petição. Pacífica, cordata, construtiva.
A adesão ao documento, que ficou conhecido como “o direito do povo à informação”, teve o apoio imediato dos jornalistas. Mas foi uma dor de cabeça tremenda para o Snasp/Sise. Não estava nos cânones do monopartidarismo recolherem-se assinaturas exigindo liberdade. Afinal os jornalistas já tinham “aceitado” por duas vezes direcções indicadas pela Frelimo na sua organização profissional.
A pressão e a calúnia fizeram alguns darem o dito por não dito e retiraram os nomes do documento. Mesmo assim, a petição teve 165 assinaturas, fez história e ainda hoje, os que deram o seu nome, devem estar orgulhosos de terem contribuído para uma coisa bonita e nobre que aconteceu no nosso país. A liberdade foi em frente. O monopartidarismo foi enterrado, embora o matutino oficioso, por erro de pontaria, tivesse insistido durante meses que o povo, do que gostava mesmo, era de um só partido.
Veio a Lei de Imprensa e surgiram as primeiras interrogações. Se a liberdade é um princípio constitucional há necessidade de instrumento regulador? À colação veio mesmo a Primeira Emenda dos americanos. Com alguns retoques, foi aprovada a lei portuguesa de 1976, para os papagaios do regime “uma das leis mais liberais do mundo”.
Com os conservadores na defensiva, foi num instante que se acabaram com os conselhos editoriais no ministério da Informação. Em conjuntura favorável à mudança, não houve chance para que o governo saído das eleições de 1994 continuasse a ter “polícia do pensamento dos jornalistas”. Mas até havia vários candidatos ao lugar e estrebucharam mesmo argumentos nas páginas do matutino.
Não houve ministério, mas a mágoa ficou. Até porque no seu lugar, surgiu um obscuro gabinete habitado por excedentários do monopartidarismo e sempre à boleia das mordomias que o Estado distribui com prodigalidade a quem o serve com devoção. Mas nem tudo correu e corre bem no reino das liberdades.
A fome e o recurso a expedientes chegaram também às redacções. Se os familiares dos ministros fazem umas negociatas com tendas e terrenos, porque é que o mais mortal e anónimo dos repórteres não recebe uns trocos, ele que já viu negócios de capas, editoriais e reportagens patrocinadas? O pântano institucionalizado tem vindo a muscular os revanchistas que querem leis e instituições que ponham na ordem os que escrevem. Isso de escrever e influenciar é mais para assessores de imprensa e retocadores de imagem que já foram jornalistas.
Chegados a esta encruzilhada temos polícias, delatores e informadores, funcionários de Estado, tribunais e advogados sem escrúpulos, todos a pedir a cabeça dos jornalistas. Não sei se os erros e os tiros nos pés que foram dados todos estes anos justificam o draconianismo que por aí se anuncia. Que seja. Que venham buldogues e outros mastins amestrados rangendo os dentes.
Há uns anos um presidente temerário fez o mesmo convite e viu o país praticamente reduzido a escombros. Espero que nas próximas semanas as paredes do 1049, numa esquina com nomes politicamente correctos, se continuem a rir de todos os burocratas e aspirantes a torcionários que querem reduzir a liberdade a uma imagem virtual.
Como kuxakanema.
(*)Espinhos da Micaia
Sem comentários:
Enviar um comentário