segunda-feira, abril 27, 2009

Sobre a nossa esfera pública: Nelson responde a Mutisse

Comentário retirado na íntegra do Meu Mundo de Nelson Livingston, aqui.

Oi Mutisse!

Felicidade minha , mais cedo do que imaginei, consegui vagar para voltar à conversa.
Deixa-me começar pelas perguntas que colocaste.

- Acha que a nossa esfera pública é saudável?
- O nível de debate é mesmo bom?

Para mim já é um “pecado mortal” achar ou deixar de achar que a esfera pública é saudável ou doentia, sem estar munido de critérios claros para tal. Preciso dum “measuring stick” para medir o nível de debate. Penso que deviamos todos estar munido desses critérios que nem tenho certeza se os tenho se os conheço. Pessoalmente não acho prudente “sentenciar” a esfera pública só porque alguém o faz. Deve ser por isso que insisto, “exijo” que o Dr. Macamo nos leve ao passo seguinte.

Quando “minimizas” a necessidade não só do Dr. Macamo mas de todos nós de explorar com profundidade os circunstancionalismos que propiciam a existência da esfera pública como a que temos e dizes que “o nosso sentido crítico é capaz de definir os circunstâncialismos que propiciam a existência de uma esfera pública como a que temos”, sigo logo me questionando a que grupo te referes quando dizes NOSSO. É que eu não vou contar com o “sentido crítico” de qualquer um. Alguns são meio suspeitos. Não acha ariscado contarmos com o sentido crítico de “críticos viciados” de uma esfera pública como a que temos? Há que ter muito cuidado. Muito mesmo.
Os aspectos que apontas são interessantes, mas o amigo Mutisse “bateu o mato pelas folhas” eu penso.

• CULTURA DE UNANIMIDADE

Há cultura de unanimidade sim mas porque é que existe? Qual é o risco, a sentença o preço para quem não alinha com os outros? Vale a pena pagar esse preço? Olhando para a história (primeiros anos de independência como afirmas), que factores podem ser considerados responsáveis para o nascer e florescer dessa cultura? No actual contexto sócio-político, oque encoraja tal cultura? Se fossemos “reducionista” e quisessemos simplificar o problema ao nível de um culpado, quem ou oque seria ?

• SUMIDADES- A POSTURA DE CERTOS INTELECTUAIS E ACADÊMICOS

Aque podiamos começar por olhar para o “perfil” desse intelectuais. Há como lhes extrair alguns “traços” coincidentes? Tem a ver com sua geração? As academias por onde passaram? Algo relacionado com o “ramo” de sua intelectualidade? Oque faz com que ajam como agem? Porque sentem a necessidade de agir assim? Será que ignoram que esse agir só acabam “atrofiando” os intelectuais “emergentes” nas suas áreas de intelectualidade? Olhando para as academias existe algo que pode ser considerado responsável na formação desse compartamento?

• SEGUIDISMO

Porque me sinto “compelido” a concordar com o Dr. Macamo mesmo quando não concordo com ele ou pior ainda nem sequer o entendo? Qual é a vantagem de “gravitar” nos “grandes”. Outro resultado não vejo senão atrofiar o nossa capacidade que “investigar” e criar pensamento próprio. Como é que o “donos do saber” devem se posicionar para desencorajar os “discípulos”?

• CRITICAR É DIZER MAL DO GOVERNO

Donde vem esse “ódio” pelo governo que se revela no “falar mal” pensando que se está a criticar? Quando e como é que surge essa tendência? Oque há de “verdade” no mal que se fala? Quais seriam as outras formas de “let the steam out”...
Como vê amigo, eu insisto que esteja mal como estiver a nossa esfera pública, resta-nos mais é procurarmos as causas do que apontar-lhe os males que me parecem evidentes demais.

A questão de debater pessoas vem penso do facto de se “rotular” as pessoas. Quando “deixamos” que as nossas reflexões sejam partidarizadas fica difícil. Quando olhamos para algo com que nos simpatizamos e não conseguimos ver com a mesma perpicácia as ”gritantes” fragilidades do que temos hábito de facilmente ver no que nos é antipático, perdemos a oportunidade de nos chamarmos ”íntegros e honestos”.

Bem, quanto aos encontros eu penso que para o negativo poderão contar nada. Porque no meu entender, o seguidismo tem nada a ver com amizades. Os que gravitam em torno do Dr. Macamo ou Serra(só para dar dois exemplos) nada tem a ver com amizade. Fazem-no por acharem que se identificam com a linha de pensamento desses homens. De igual modo os que discordam com tudo e todos não ofazem por inimizades.

Bem acredito que podemos melhorar, acredito que podemos mudar. Eu acredito.
Adenda: abaixo vem o comentário de Júlio Mutisse em resposta às questões colocadas por Nelson. Aproveito convidar ao caro leitor a ler o post original em questão (clique aqui) e os restantes comentários:



"Nelson, Nelson,

O processo histórico moçambicano propiciou uma multiplicidade de coisas, uma multiplicidade de comportamentos. Infelizmente 30 anos depois da independência e 19 desde a abertura à democracia multipartidária ainda não conseguimos nos livrar de certas coisas.

Se a falta de escolarização da maioria dos nativos bem como a sua situação no xadrez político colonial era uma limitante, após a independência fomos alinhados num ideal único e colocados numa situação de fazer coro aos ditos do partido libertador e guia daquela revolução da qual todos tínhamos que nos sentir parte. Não fazer coro era estar contra.

Infelizmente Nelson, este sentimento me parece que ainda prevalece. Infelizmente prevalece também num espaço onde nem se quer deveria existir; no campo do debate de ideias como, por exemplo, estes que criamos com os nossos blogs. Aliás, num destes blogs, e do seu autor, já vi um comentário meu ser refutado não na validade dos argumentos que apresentava mas no QUEM ERA EU para ousar questionar, o QUE É QUE EU já tinha produzido para vir e questionar etc. Acabou-se resvalando para se discutir meu irmão que já foi mais activo nos blogs e que nos últimos tempos é menos activo com acusações e tudo.

Esta é uma das razões porque acho que a nossa esfera pública e o nível de debate são baixos.

Depois, meu caro, eu acho que ainda não definimos claramente uma série de coisas, ainda não capitalizamos muito do que dizemos nestes debates para transformá-lo em algo útil que pode ajudar a mudar o rumo das coisas. Parece que nos esforçamos por demonstrar que temos razão sem nos preocuparmos com o que de positivo pode ser tirado do que outra pessoa que tem uma ideia diferente diz ou pensa.

A cultura de unanimidade de origem histórica portanto; o seguidismo é uma reminiscença dessa cultura de unanimidade.

Acho que vale a pena olhar as pessoas de frente e dizer-se o que se pensa SEMPRE, fazendo valer-se da sua competência e da sua capacidade. Os tempos estão a mudar e é sempre bom antecipar o período que vem em que a competência será um grande valor e muito acima de sentimentos de pertença.

Mais, quando digo nós ou nosso, refiro-me ao que um professor meu sempre chamou de Minoria esclarecida da nação. A massa intelectual formada nas nossas universidades e escolas superiores que tem a obrigação de pensar o país e as soluções dos seus problemas de uma forma diferente.

Sabe, meu caro, eu acho que não existe uma orientação para ostracisar quem pensa diferente vindo do topo da hierarquia frelimista. Penso até que o Tio Guebas gosta de ouvir opiniões diversas... prova disso são os recados que vai dando para dentro do próprio Partido contra os intriguistas e afins que minam o andar da carruagem com mensagem aparentemente vindas do topo quando na verdade são os seus proprios pensamentos e medos que os atam.

É possível criticar o Governo. Ainda bem que este está estruturado em pelouros diferenciados. É possível pegar no Ministério das Finanças e dissecá-lo apresentando as suas boas e más realizações sem generalizar a actuação deste pelouro (boa ou má) sobre outros que podem estar a agir diferentemente (tb no sentido bom ou mau). Dou lhe um exemplo, a Ministra Benvinda Levy, está ciente da superlotação das cadeias sob sua gestão e já apontou uma solução possível; e não é a única, podemos pegar nos planos do sector e olharmos se, para além dessa medida existirá outra que ajude a diminuir tal superlotação e o risco de incidentes como o de Mogicncual e outros. Eu pelo menos não vejo nada. Serão só problemas orçamentais, oq ue é possível fazer? Ou será incapacidade de planificar a longo prazo?

Então, é possível dizer o que vai mal sem chamar nomes as pessoas, sem necessariamente ter que falar das casas onde vivem etc. Quando chegamos ai já é falar mal, não criticar... rotular como bem dizes.

E parece que gostámos de rótulos e como gostamos."

5 comentários:

Júlio Mutisse disse...

Meu caro Reflectindo,

Ia ficar um post longo de facto, mas penso que para beneficiarmos aqui de um debate produtivo, era importante, em minha opinião, devia ter colocado o meu comentário que deu a origem a resposta do Nelson que publicas aqui.

Mas, está feito. Depois deste comentário, respondi ao Nelson:

"Nelson, Nelson,

O processo histórico moçambicano propiciou uma multiplicidade de coisas, uma multiplicidade de comportamentos. Infelizmente 30 anos depois da independência e 19 desde a abertura à democracia multipartidária ainda não conseguimos nos livrar de certas coisas.

Se a falta de escolarização da maioria dos nativos bem como a sua situação no xadrez político colonial era uma limitante, após a independência fomos alinhados num ideal único e colocados numa situação de fazer coro aos ditos do partido libertador e guia daquela revolução da qual todos tínhamos que nos sentir parte. Não fazer coro era estar contra.

Infelizmente Nelson, este sentimento me parece que ainda prevalece. Infelizmente prevalece também num espaço onde nem se quer deveria existir; no campo do debate de ideias como, por exemplo, estes que criamos com os nossos blogs. Aliás, num destes blogs, e do seu autor, já vi um comentário meu ser refutado não na validade dos argumentos que apresentava mas no QUEM ERA EU para ousar questionar, o QUE É QUE EU já tinha produzido para vir e questionar etc. Acabou-se resvalando para se discutir meu irmão que já foi mais activo nos blogs e que nos últimos tempos é menos activo com acusações e tudo.

Esta é uma das razões porque acho que a nossa esfera pública e o nível de debate são baixos.

Depois, meu caro, eu acho que ainda não definimos claramente uma série de coisas, ainda não capitalizamos muito do que dizemos nestes debates para transformá-lo em algo útil que pode ajudar a mudar o rumo das coisas. Parece que nos esforçamos por demonstrar que temos razão sem nos preocuparmos com o que de positivo pode ser tirado do que outra pessoa que tem uma ideia diferente diz ou pensa.

A cultura de unanimidade de origem histórica portanto; o seguidismo é uma reminiscença dessa cultura de unanimidade.

Acho que vale a pena olhar as pessoas de frente e dizer-se o que se pensa SEMPRE, fazendo valer-se da sua competência e da sua capacidade. Os tempos estão a mudar e é sempre bom antecipar o período que vem em que a competência será um grande valor e muito acima de sentimentos de pertença.

Mais, quando digo nós ou nosso, refiro-me ao que um professor meu sempre chamou de Minoria esclarecida da nação. A massa intelectual formada nas nossas universidades e escolas superiores que tem a obrigação de pensar o país e as soluções dos seus problemas de uma forma diferente.

Sabe, meu caro, eu acho que não existe uma orientação para ostracisar quem pensa diferente vindo do topo da hierarquia frelimista. Penso até que o Tio Guebas gosta de ouvir opiniões diversas... prova disso são os recados que vai dando para dentro do próprio Partido contra os intriguistas e afins que minam o andar da carruagem com mensagem aparentemente vindas do topo quando na verdade são os seus proprios pensamentos e medos que os atam.

É possível criticar o Governo. Ainda bem que este está estruturado em pelouros diferenciados. É possível pegar no Ministério das Finanças e dissecá-lo apresentando as suas boas e más realizações sem generalizar a actuação deste pelouro (boa ou má) sobre outros que podem estar a agir diferentemente (tb no sentido bom ou mau). Dou lhe um exemplo, a Ministra Benvinda Levy, está ciente da superlotação das cadeias sob sua gestão e já apontou uma solução possível; e não é a única, podemos pegar nos planos do sector e olharmos se, para além dessa medida existirá outra que ajude a diminuir tal superlotação e o risco de incidentes como o de Mogicncual e outros. Eu pelo menos não vejo nada. Serão só problemas orçamentais, oq ue é possível fazer? Ou será incapacidade de planificar a longo prazo?

Então, é possível dizer o que vai mal sem chamar nomes as pessoas, sem necessariamente ter que falar das casas onde vivem etc. Quando chegamos ai já é falar mal, não criticar... rotular como bem dizes.

E parece que gostámos de rótulos e como gostamos."

Reflectindo disse...

Caro amigo Júlio

Obrigado pela nota, vou colocar a tua segunda resposta.

Não a coloquei logo no início na esperança que o leitor deste irá ler todo o artigo no Meu Mundo e os respectivos comentários. Até acho que o teu primeiro comentário que motivou a esta resposta é importante.

Mas vou cumprir o que prometi.

Nelson disse...

Obrigado Reflectindo por teres “reaceso” o debate em torno da “saúde” da esfera pública moçambicana.
Lá no meu cantinho o Jonathan deixou um comment com uns subsídios bem interessantes. Algo que dito por ele achei de grande valor é a necessidade de entendermos que apesar das nossas descrepâncias aparentes ou reais, todos temos em vista um Moçambique realmente melhor para cada moçambicano. É dai que olho para o parlamento e me pergunto donde vem a ideia que a Frelimo n~ao quer o bem estar dos moçambicanos? Donde vem a ideia que a Renamo só quer desestabilizar moçambique. Por que é que oque cada um diz não pode ser analizado desassociadamente da bancada a que pertence e do passado da formação política a que pertence? Porque é que o facto de Deviz Simango ter ido à Europa tem que ser tão mediatizado a ponto de se dizer que o MDM é um “pau mandando”? Por que falta a capacidade de ver o lado bom dos “maus discursos” dos nossos adversários? Por que é que um deputado da bancada da frelimo não devia “fazer coro” com Eduardo Namburete da renamo quando questiona ao PGR as razões de não ter se visitados as provincias que não foram visitadas?
Outro aspecto que Jonathan salienta é o facto de termos que nos mantermos “focused”. Tenho achado “injusto”, quando para tudo e para nada se pedem provas. É claro que as provas legitimam e muito oque se quer dizer mas as vezes me pergunto porque não deviamos “exigir” provas antes de aplaudirmos aos relatórios das realizações que nos fazem acreditar que a “luta contra pobreza absoluta” está sendo um sucesso ou que “o estado da nação é bom”?
Olha Reflectindo, constou-me(generosidade do amigo Mutisse) que o Dr. Macamo deixou lá nos seu “Ideias Críticas” algo em relação aos direitos humanos. Ainda não pude ir lá ver mas acredito que logo logo sobrará tempo para isso. Estou ansioso.
Abraços amigo

Reflectindo disse...

Nelson, acho interessantes as tuas perguntas e as respostas que estão aparecendo lá sobre a esfera pública. Acho também que mesmo os que mais reclamam ou vão elogiando sobre os debates da nossa esfera pública mais se concentram nas pessoas, perferia e nos OUTROS esquecendo-se do fundamental, incluindo o sistema de educacão o qual pode cultivar a cultura de debate e das suas próprias posturas.

Reflectindo disse...

Autor anónimo

Eu gosto da valiosa informação que você forneceu nos comunidademocambicana.blogspot.com. Vou marcar o seu blog e verifique novamente aqui regularmente. Tenho certeza de que vou aprender muitas coisas novas aqui mesmo! Melhor da sorte para os próximos!