O escritor moçambicano Mia Couto denunciou hoje
um alegado silenciamento dos escritores de Moçambique, um país onde "o
lugar que é (reservado) para o escritor e para a escrita é quase sempre um
lugar da indiferença".
"Uma coisa que deixa triste os meus colegas
da escrita é que, em Moçambique, o lugar que é para o escritor e para a escrita
é quase sempre um lugar da indiferença. Não há crítica literária, não há
debate, não há vida literária. Isso é agir para uma certa forma de silêncio.
Podemos dizer tudo que não tem importância nenhuma", disse Mia Couto.
Hoje, o escritor moçambicano recebeu um prémio
literário da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), pela obra
"Jesusalém", por contribuir para o enriquecimento da cultura dos
países apoiados pela instituição.
O presidente júri do prémio literário AFD, Jean
Bernard Véron, declarou que, ao atribuir o 22.° galardão do organismo do
governo francês ao escritor moçambicano, os jurados olharam para "a magia
da escrita do livro, que é enigmática, por vezes, muito dura, mas que dá
vontade de ler".
O romance de Mia Couto conta a história de
Silvestre Vitalício, que, abalado pela morte da mulher, se refugia num lugar
remoto, a que dá o nome de Jesusalém e onde aguarda a chegada de Deus, para
pedir desculpa aos homens.
Mia Couto explicou que "este livro
pretende ser uma coisa que todos os livros sonham ser: ter uma identidade
única. Ser diverso em cada mão, em cada olhar e cada leitura", incluindo
na França, onde foi traduzido com o título "O Afinador do Silêncio".
O escritor moçambicano considerou, por isso,
que "este prémio está completamente isento daquilo que podia ser uma
atitude de uma certa complacência e atitude de paternalismo com os valores de
África".
"Há aqui um olhar atento aos valores do
Mundo e uma maneira de perceber que esse Mundo tem coisas para dizer. E que
algumas coisas são importantes de escutar", afirmou a propósito do
galardão.
No entanto, lembrou que o Mundo está a perder
"a diversidade de vozes".
"Hoje, esse Mundo fala só com um sentido
único, uma voz única, com um discurso único. Há muito do nosso Mundo que vive
ainda em sistemas de ditadura e há uns que vivem em sistema de democracia, mas
que vivem numa espécie de pensamento único, discurso único, que não aceitam que
aceitam mal, que hajam vozes que são diversas e que têm maneiras diferentes de
pensar e de sugerir e sonhar o Mundo", afirmou o biólogo escritor.
"É isto que a literatura, no fundo, quer
dizer: é que há esta necessidade absoluta e vital de o Mundo ser contado por
diversas histórias. E Moçambique só será uma nação mais rica se souber escutar
essas vozes que hoje são remetidas para o silêncio ou para a indiferença",
disse.
O prémio literário da AFD está avaliado em
cinco mil dólares.
(RM/Lusa) in Rádio Moçambique – 06.06.2012
Sem comentários:
Enviar um comentário