Reflexão de: Adelino Buque
Muito obrigado, caro coronel, escritor e intelectual moçambicano, Dr. Sérgio Vieira, pelo seu mais recente livro publicado a 10 de Março do corrente ano, com o título “Participei, Por Isso Testemunho”. Trata-se de um contributo que o senhor faz para um melhor conhecimento da nossa história, que, quanto a mim, tem sido muito maltratada por interesses hostis ao povo moçambicano e por aqueles que nunca aceitaram de forma aberta a sua liberdade e a auto-determinação.
Como em tudo, existem reparos a fazer no livro do Dr. Sérgio Vieira, sobre o seu posicionamento em relação à recente situação geopolítica da região austral, caracterizada por um regime minoritário de Ian Smith, na antiga Rodésia do Sul, e pelo regime do “apartheid”, na África do Sul. O que pretendo escrever aqui e agora não retira, de forma alguma, a admiração que tenho pelo livro que, segundo a Imprensa nacional, já esgotou no mercado. Isto revela o quão constitui um grande contributo para todas as camadas sociais da nossa pátria, desde o simples cidadão, aos estudantes dos ensinos médio e superior, políticos e académicos com interesse na nossa história.
Notei, nesta obra, alguma contradição no posicionamento pessoal do Sr. Sérgio Vieira em relação àquilo que deve caracterizar os moçambicanos nas relações com os inimigos de ontem. Contudo, no seu livro encontramos vezes sem conta uma apreciação de carinho e de respeito por alguns agentes do regime minoritário de Ian Smith e do regime do “apartheid”. Para o Sérgio, a posição é uma, mas à sociedade no geral recomenda outra. Este é, quanto a mim, o primeiro aspecto a notar neste livro. Para ilustrar o que digo, vamos aos factos: na página 456, no 3º parágrafo, pode se ler o seguinte:
“A propósito do assassinato de Ruth First, em Abril de 1982, quando a sós pescávamos na Baía de Maputo, afirmou-me em 1984 de que se tratava, referindo-se ao caso, de mais uma burrice (blunder) desses tipos. Nunca os meus serviços cometeriam esse tipo de asneira”. A pessoa que se encontrava a pescar com o Sérgio Vieira é nada mais nada menos que o General Ian Cotzee, na altura comandante da Polícia Sul-Africana.
Reporta-se ao período do auge do regime segregacionista do “apartheid”. Pelo relato depreende-se facilmente que Sérgio Vieira mantinha uma relação de amizade com um dos braços de opressão do sistema de Pieter W. Botha. Outro segredo que nos revela nesta conversa a sós e a pescar na Baía de Maputo é a de que a Força Aérea Real Britânica teria feito uma ponte aérea para a transferência da RENAMO sob direcção do Orlando Cristina da tutela rodesiana para a sulafricana.
Nada mau!
Relativamente à Rodésia de Ian Smith pode se ler o seguinte, na página 440, 2º parágrafo: “Com Ken Flower estabeleci uma relação muito amistosa e algumas vezes o visitei e à sua esposa na sua residência, num alto, donde se via a nossa fronteira”. Infelizmente, neste caso não especifica em que momento o visitou, mas pode se ler que as visitas eram recíprocas. Trata-se de alguém que sustentou o regime da minoria do Smith. No entanto, veja o que sente o Sérgio Vieira em relação aos seus concidadãos. Passo a citar, página 466, 6º parágrafo:
“Repugna-me que alguns compatriotas entrem em negócios com uma escória que merece o máximo de ostracismo. Esses refugos do apartheid infestam hoje as empresas privadas de segurança, inclusive em Moçambique”. Esta é quanto a mim a grande contradição que encontrei no livro “Participei, Por Isso Testemunho”. O Senhor Sérgio Vieira recomenda uma coisa e ele na prática faz outra. Talvez valendo-se do princípio de que “faça o que eu digo e não o que eu faço”. Espero ter citado correctamente. Aliado a esta contradição, numa das passagens do livro aconselha a que não se procure a nível interno as causas do acidente de Mbuzine, que assumamos que tenha sido obra exclusiva do regime segregacionista da África do Sul. A questão que coloca é: as promiscuidades entre os agentes desses regimes com o nosso compatriota Sérgio Vieira como se explicam!? Não pretendo, de forma alguma, levantar fantasmas. Estou a fazer observações da contradição que encontrei ao ler o livro “Participei, Por Isso Testemunho”, do Dr. Sérgio Vieira.
Espero abordar outros assuntos que encontrei na próxima reflexão.
CORREIO DA MANHÃ in Mocambique para todos – 19.04.2010
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