A talhe de foice
Por Machado da Graça
O Eugénne Terreblanche, agora assassinado na África do Sul, era uma pessoa que eu detestava profundamente, há muitos anos. Pelo que ele era e por aquilo que politicamente representava.
O Julius Malema, que chefia a Liga da Juventude do ANC, é outra pessoa que eu detesto profundamente. Também pelo que é e pelo que representa. Só que este detesto há menos tempo. Só há pouco apareceu em público.
Mas, se ressalvarmos as suas cores de pele, os dois parecem saídos do mesmo útero político: Os dois racistas, num grau extremo, os dois violentos e os dois imbecis.
Pelas suas posições, ambos se afastam completamente das comunidades que dizem (ou diziam, no caso do Terreblanche) representar.
Assim, os brancos sul-africanos, incluindo a maioria dos boers, nunca se identificaram com a organização neo-nazi que Terreblanche encabeçava, o AWB, apoiando, pelo contrário, partidos mais convencionais, como era o caso do Partido Conservador e do Partido Nacional, que acabou por negociar o fim do apartheid com o ANC.
Igualmente a maioria da população negra sul-africana não parece identificar-se com os apelos ao ódio racial de Malema, procurando continuar a luta pelos seus direitos de forma ordeira e pacífica.
Por tudo isto é absurdo que o assassinato de um deles, que pode estar ligado, directa ou indirectamente, com os apelos ao ódio do outro, possa mergulhar a África do Sul num banho de sangue, a pouca distância do Campeonato do Mundo de Futebol.
Os apelos à calma, vindos de todos os horizontes políticos, ao que parece incluindo agora também o AWB, são prova de bom senso a prevalecer. Esperemos que tenham sucesso, porque numa situação como a sul-africana, em que as feridas, de ambos os lados, ainda estão longe de completamente cicatrizadas, por vezes uma pequenina chama pode provocar um enorme incêndio. E isso não interessa a ninguém, dentro da África do Sul, nem nos países da SADC, entre os quais nos encontramos nós.
Um passo positivo, nesse sentido, seria a direcção do ANC mandar calar Julius Malema.
Podem-me dizer que a causa próxima do assassinato foi uma reivindicação de carácter salarial. Mas as reivindicações salariais não se resolvem assassinando o patrão. Resolvem-se nos sindicatos e nos tribunais.
Mas quando o conflito salarial acontece num país onde o chefe da Organização da Juventude do partido no poder gosta de cantar em público uma canção que incita ao assassinato dos boers, dos farmeiros, as cabeças estão preparadas para seguir esse caminho na resolução dos seus problemas.
E o facto é que, nos últimos tempos, foram já vários os farmeiros que foram assassinados. Provavelmente em cada caso por uma causa próxima diferente mas todos no contexto geral da canção de ódio de Malema.
E o ANC tem que se decidir sobre qual é a sua política e fazê-la respeitar pelos seus militantes. Não pode o Presidente Zuma defender uma política de integração nacional e ter o seu chefe da Juventude a berrar cânticos de ódio contra uma importante camada da população.
Não pode Jacob Zuma aparecer como mediador na crise do Zimbabué para Julius Malema ir àquele país apoiar a política de ocupação violenta das farmas por Robert Mugabe, o presidente ilegal de Harare.
É claro que tudo isto se aplica também do lado do AWB. A grande diferença é que este grupelho não tem qualquer peso político na actual África do Sul, ao passo que a Liga da Juventude do ANC é um dos braços do poder político naquele país.
O AWB começou por reagir ao assassinato de Terreblanche dizendo que iria vingar a sua morte. Mas, ainda o corpo não foi a enterrar e o discurso já mudou completamente, afinando pelo apelo à calma de Jacob Zuma.
Não sei se o Presidente sul-africano tem suficientes daqueles que usa prodigamente para fazer filhos, para isso. Mas, se o Chefe de Estado fosse Mandela, não tenho dúvidas de que estaria presente no funeral de Terreblanche.
A ver vamos.
Fonte: SAVANA in Diário de um sociólogo
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