"Namatil – Uma história mal contada e …mal aproveitada
Linha d'água: Por Luís Loforte
Ninguém nega que meia garrafa de
água é uma garrafa meio vazia de água. É uma realidade objectiva. Mas já
estaremos perante um absurdo se lutarmos para que meia mentira transforme a
história em verdadeira.
Em relação ao último aspecto, o
do absurdo, julgo que haverá algo de parecido quando, a propósito do lançamento
das comemorações dos 40 anos da nossa Independência, em solo daquilo que
outrora se chamou por Namatil, posto administrativo de Omar, se afirma que ali
ocorreu uma das “batalhas mais decisivas da luta armada de libertação
nacional…”, designadamente, a 1 de Agosto de 1974. De tão decisiva que não foi
“disparado nenhum tiro, tendo sido capturados 137 soldados da tropa colonial,
que se renderam, e posteriormente entregues, por razões humanitárias, à Cruz
Vermelha Internacional…”. Tudo isto pode ser lido nas edições do jornal
notícias dos dias 6 e 7 de Abril de 2015, em duas abordagens feitas,
consecutivamente, pelo jornalista Pedro Nacuo. Nem sei se seria necessário
recomendar uma leitura atenta para se concluir que alguma coisa não bate certo.
E porventura terei autoridade
para o creditar ou desmentir? Bem, nem toda, mas alguma, desde logo porque
pertenci à referida companhia de artilharia (GAC-6), tendo como sede a Ilha de
Moçambique, com ramificações no Lumbo, Monapo, Vila Barreto (Itoculo) e António
Enes (Angoche). Com passagens curtas pela Ilha de Moçambique, Monapo e Vila
Barreto, foi porém no Lumbo que passei todo o meu serviço militar. O último
contingente a ir para Namatil partiu do Lumbo em Janeiro/Fevereiro de 1974,
portanto, da minha unidade. Isto quer simplesmente dizer que à data da
ocorrência dos acontecimentos em apreço, Agosto de 1974, ainda me encontrava no
exército português e já com o conflito praticamente concluído desde Maio de
1974, convivendo há muito com guerrilheiros da FRELIMO. Comíamos e bebíamos
juntos, e até os acompanhávamos nos comícios que os seus comissários
orientavam, aqui e ali. Escusado será dizer que, pertencendo à mesma unidade, e
também pela grande amizade que todo o serviço militar cultiva, estávamos em
permanente contacto com os homens de Namatil. Por aqueles dias, e tal como nós
em Nampula, todo o exército havia acatado a orientação do General Costa Gomes,
segundo a qual cessavam todas as hostilidades. Portanto, imperava já um tácito
armistício. À excepção de um ou outro incidente, de pequena monta porém, não
consta que tenha ocorrido, nomeadamente em Cabo Delgado, uma única escaramuça,
muito menos uma “batalha decisiva”. E quem se pode convencer que em Agosto de
1974 tenha ocorrido uma batalha decisiva para o que quer que fosse?
Ao ler as crónicas do Notícias
defendendo o contrário, e na mesma sintonia nas televisão e rádio públicas,
ainda me lembrei de ligar a alguns amigos “capturados” em Namatil para comentarmos
os erros de pena do Nacuo, ou de quem os sustentou. Todos estes amigos foram
peremptórios em dizer: “Tudo isso é mentira!”, sem nos esquecermos de achar
piada à afirmação segundo a qual foram capturadas grandes quantidades de
“bebidas alcoólicas” e posteriormente oferecidas a tanzanianos, porque “entre
nós a disciplina era outra, diferente.” Importam-se de repetir?
Mas o grande problema não é
discutirmos se a história é falsa ou verdadeira. Qualquer que seja a
circunstância, o jornalista não descansa, ou até não escreve, enquanto não ouve
os protagonistas de um e do outro lado, enquanto não encontra o contraponto do
ponto, para já não falar da obrigação que tem de investigar, de perscrutar a
História, de puxar pelo miolo, de alimentar a dúvida sistemática, sob o risco
de deturpar ou distorcer essa mesma História. A vida não pode ser orientada
apenas no interesse material que a nossa postura pode proporcionar, ela tem de
orientar-se pela busca incessante da verdade, pela busca do acerto com a História.
A nossa consciência deve estar sempre em primeiro lugar. E a crónica do meu
amigo Nacuo pode estar no limiar da deturpação grosseira da História de
Moçambique. E admiro-me que ele se exponha a tamanha infâmia quando os factos
de Namatil estão documentados, e até em material sonoro gravado no local e no
momento dos acontecimentos, para não falarmos de documentação escrita que
existe e está ao seu alcance. Existe a famosa “Cassete” de que o Dr. Almeida
Santos, que dirigiu praticamente todo o processo de descolonização nas colónias
portuguesas, faz uma referência especial no seu livro “Quase memórias – Da
Descolonização de cada Território em Particular”. O livro, a cassete e os
protagonistas estão aí, mas o Nacuo não quis saber deles, apenas correu para a
barricada mais conveniente. Deles falarei na continuação deste meu ponto de
vista, em nome da verdade e da História de Moçambique. (Continua)
CORREIO DA MANHÃ , 10/04./2015
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