O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) comunga a ideia defendida pela Renamo, segundo a qual a erradicação da pobreza no país e a eliminação de outros males dependem do afastamento da Frelimo do poder, supostamente por “não tem mais nada a oferecer em termos de respostas aos problemas do povo”. Lutero Simango, chefe da bancada parlamentar da terceira força política, que administra os municípios da Beira, de Quelimane, de Gurúè e de Nampula, entende que volvidas 40 décadas de governação do partido-Estado, é altura de os moçambicanos “deixarem de confiar na Frelimo”, pois ao contrário do que apregoa não defende os seus interesses. A crise política e militar vai persistir enquanto a partilha de poder, da riqueza e de oportunidades abranger unicamente a um grupinho de indivíduos.
Em entrevista/balanço da segunda sessão ordinária da oitava legislatura, concedida ao @Verdade, Lutero Simango disse que a Assembleia da República (AR) perdeu a oportunidade de estar na vanguarda do processo de reconciliação nacional efectiva, de promover a paz e de assumir a sua responsabilidade de renovar a esperança dos moçambicanos relativamente aos problemas que enfrentam, tais como a pobreza, a guerra não declarada, a exclusão política, económica e social.
O Parlamento não deu a confiança necessária ao povo para que este acredite que, de facto, pode trazer soluções viáveis para que o país conheça um novo rumo em relação ao desenvolvimento sócio-político e alcance da estabilidade. Para o chefe da bancada do MDM, a chamada Casa do Povo deve orientar os seus esforços também na criação de mecanismos para que “o cidadão tenha confiança nas instituições públicas”. Todavia, nas duas sessões passadas, “infelizmente, a Assembleia da República” andou longe desse desiderato. “Não fomos capazes de ir ao encontro das necessidades da população”.
Lutero Simango reconheceu que na AR é visível que as coisas acontecem de acordo com a vontade da Frelimo, que recorrendo à sua maioria parlamentar aprova e chumba tudo conforme lhe apetece e, por vezes, demite-se do seu papel fiscalizador do Governo e acomoda-se no seu estatuto de partido que dirige a nação.
“Isso tem acontecido e é muito mau (…), desacredita todo o sistema democrático e transmite uma má mensagem à população. Aí reside mais uma razão para os moçambicanos deixarem de confiar na Frelimo”, pois esta não está para “defender os interesses dos moçambicanos”, mas, sim, “de alguns sectores económicos e dos investidores” em prejuízo da maioria.
Algumas nações desenvolvidas, prosseguiu o deputado, alcançaram progressos através da “alternância governativa e política” e é para este estágio que os moçambicanos devem caminhar no sentido de “ajudar o Estado a libertar-se da manipulação partidária”.
“Para acabar com a pobreza, o povo deve acabar com a Frelimo, removendo-a do poder. (...) A Frelimo, partido amaldiçoado por empobrecer o povo, mente que está há 50 anos a combater a pobreza”, mas esta só aumenta e eles enriquecem”, disse Ivone Soares, chefe da bancada parlamentar da Renamo, discursando na AR, durante o encerramento da segunda sessão ordinária da oitava legislatura.
Perguntámos a Lutero Simango se considerava o partido no poder insensível aos problemas dos moçambicanos, tendo, após um silêncio ligeiro, respondido: “É ver o que acontece no Parlamento” e quantas vezes as propostas do MDM foram chumbadas. “Se ele não aceitam as nossas propostas que ajudam a resolver os problemas do povo, então é justo e correcto dizer que não são sensíveis (…)”.
Para o MDM, uma AR que não percebe que a polémica Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), firma que fundada com recurso a um empréstimo de 850 milhões de dólares norte-americanos, “é um cancro para a nossa economia” e nega que se investigue a “estrutura accionista da empresa, as taxas de juros” a serem pegas, “os valores anualmente reembolsados pela EMATUM e pelo Estado, os resultados da pesca e venda, a viabilidade económica do projecto, os lucros e a sua contribuição para o Estado”, não pode ser bem vista.
Quando se rejeita um Projecto de Lei de Apartidarização das Instituições Públicas que visava introduzir uma separação entre as facções partidárias e o Estado, repreensão da descriminação partidária e imposição de limites entre as entidades públicas e os partidos políticos, o Parlamento passado ao lado dos problemas da nação.
“Fizeram-se de despercebidos”, disse Lutero Simango e explicou que o fundamento da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade, presidida pela Frelimo, de que o documento não procede, porque a interdição da prática de actividades partidárias nas instituições públicas já está consagrado pela alínea c) do artigo 27 e alínea b) do artigo 28, ambos da Lei nº 16/2012, Lei de Probidade Pública” e "não apresenta nada de relevante e de novo no ordenamento jurídico" moçambicano e "é uma proposta redundante sobre matérias suficientemente reguladas em legislação em vigor", mostrou que a insensibilidade a que acima nos referimos. Esse argumento foi “falso”.
A ignorância não se limitou apenas à rejeição destes documentos. A Frelimo negou também que se criasse uma comissão de inquérito para investigar a Electricidade de Moçambique (EDM) em virtude dos maus serviços que presta. Esta empresa “está em crise por falta de uma directriz clara sobre como deve funcionar”, de acordo com Lutero, que pressagia que o problema vai sempre existir e o povo continuará a viver com os nervos à flor da pele sem quem o acuda.
Não há inclusão no Parlamento
Num outro desenvolvimento, o chefe da bancada do MDM na AR considerou que na instalação dos órgãos do Parlamento não houve inclusão, nem abrangência e tão-pouco se criou condições para que as três bancadas parlamentares actuem em pé de igualdade no seu funcionamento. “No Parlamento há dificuldades de falarmos de inclusão porque não somos o espelho dela”. A eleição do presidente e os dois vices-presidentes foi feita em função da representatividade de duas bancadas [Frelimo e Renamo] mas entendemos que devia haver “três vices-presidentes”.
“Foram formados vários órgãos do Parlamento e o MDM ficou excluído dos grupos nacionais e dos gabinetes parlamentares. É um sinal negativo” quando uma instituição como a AR “não promove internamente a inclusão” e perde a “autoridade moral” para falar de inclusão diante daqueles que representa os seus interesses.
O nosso projecto não trata de indivíduos, nem de titulares de órgãos públicos e muito menos de agentes e funcionários do Estado. Trata, sim, de instituições político-partidárias que devem ser afastadas do Estado. “Neste país não há uma lei que estabelece fronteiras entre os partidos políticos e o Estado”.
Conflitos de décadas que reclamam perdão absoluto
Relativamente à tensão político-militar resultante de um diferendo entre o regime e a “Perdiz”, Lutero disse que o seu partido sempre defendeu que o diálogo que acontecia no Centro de Conferências Joaquim Chissano não traria nenhum resultado com vista ao alcance da paz.
Mas o problema desta crise deve-se a uma “uma longa história de violência” decorrente da luta de libertação nacional e da guerra civil. Apesar de mais tarde ter-se tentado “criar um Estado com um sistema político multipartidário, “em nenhum momento tivemos a coragem de analisar friamente as causas dos nossos conflitos de décadas”, comentou o deputado, para quem “as matanças e clivagens resultantes dos conflitos passados nunca foram resolvidos, sempre houve tentativas de tapá-las com uma pedra”.
Nos anos subsequentes à independência, muita gente foi presa, assassinada e ninguém se dignou a pedir desculpa à nação por todo mal-estar criado, pese embora as tentativas de pacificação ora fracassadas. Das partes que detêm armas, “cada uma vive dizendo que tem razão, até pisa os interesses nacionais. Hoje pagamos caro e fingimos viver numa sociedade reconciliada e criar um sistema multipartidário, mas com um partido dominante do estado (…)”.
A terminar, Lutero afirmou que o que coloca Moçambique em guerra e convulsão é um problema sócio-cutural e de partilha de poder, de distribuição da riqueza e de oportunidades. O Presidente da República e o líder da Renamo podem encontrar-se quantas vezes forem necessárias – e podem até desanuviar a crise política e militar – mas não haverá paz efectiva enquanto não nos perdoarmos e resolvermos os nossos problemas com frontalidade e sem máscaras.
Para 2016, o MDM prevê uma vida difícil para os moçambicanos, na medida em que “vamos continuar a viver sob pressão, o custo de vida vai aumentar” e a oferta de emprego vai reduzir. O Parlamento deve garantir que o Estado moçambicano seja despartidarizado e não construído com base em facções políticas armadas.
Fonte: @Verdade – 05.01.2016
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