Por Adelino Timóteo
Beira (Canalmoz) –
No meu país, as balas assassinas são telecomandadas. O alvo das balas, no meu
país, nunca é, nunca foi os que estão do lado da barricada do regime. No meu
país, as balas que vemos matarem passam antes por um estágio de segregação, um
crivo, seja lá o que for, partidário. E sempre que elas matam, matam do lado
mais vulnerável, do lado onde as vítimas ousaram contestar. Hoje Manuel
Bissopo. Ontem o Gilles Cistac, o Paulo Machava, o Carlos Jeque, o Elesson
Jonasse, o Sousa Matola. Ontem Afonso Dhlakama. Ontem Carlos Cardoso, Siba-siba
Macuácua, José Mascarenhas, os juízes Dinis Silica, Nkutumula e mais a esposa
deste. No meu país, as balas mostram terem estagiado num regime comunista, num
regime totalitário, antes de para aqui serem exportadas. No meu país, as balas
conhecem a identidade de quem elas foram treinadas para eliminar. As balas, no
meu país, não erram no seu alvo, não erram no objecto. Elas têm olhos. Têm
memória. Cinco dedos com impressão digital, pois sabemos quem se move detrás
delas. Nunca elas, depois de executadas, se encontram perante a inidoneidade do
objecto. Nunca terminam numa tentativa impossível, algo negligente. Porque as
balas que matam no meu país sabem tão bem de discriminação como as balas
mortais do “apartheid”, pois se as balas do “apartheid” matavam negros, as
balas do meu país matam todo aquele que tem um pensar diferente, um deserdado,
pior porque não escolhem.
As balas que matam
no meu país são, pois, fruto da segregação, de mentecaptos, dos mesmos que se
diziam progressistas e mataram Uria Simango, Gwenjere, Joana Simeão, Unhai, na
sua escalada discriminatória e racial. No seu impulso iminentemente tribal e de
cegueira pelo poder. No seu impulso iminentemente egoísta e hediondo.
As balas que sempre
mataram e matam no meu país têm sede de sangue alheio, dos filhos de gente
humilde, sensata, que acreditam nos seus ideais, que amam o país, do lado
oposto daquela barricada.
As balas que matam
no meu país, ontem e hoje, estão do lado daqueles que calam e escondem
cadáveres e vítimas em fossas que só eles conhecem, lá vão quatro décadas.
Porque só eles conhecem a motivação mental que os leva a matar, que os leva a
guardar silêncio e o sigilo ante a sua crueldade.
No meu país,
aqueles que matam advogam o Estado de Direito, na ressaca da sua saga
assassina, no rescaldo das suas injustiças, para voltarem impunemente a matar
os filhos do povo excluído.
As balas que matam
no meu país são providas de “inteligência”, apenas para silenciar aqueles que
pensam o país fora do protótipo do “establishment”.
Todo o ser racional
e que pensa e fala deverá saber que o regime que mata guarda na sua hipocrisia
e na sordidez do seu sorriso uma bala a que recorrerá para o silenciar, porque,
do ponto de vista do campo de ideais, estão esgotados. Ninguém, nem eles
próprios, acreditam no que pensam e no que dizem.
Estou à espera da
bala que me irá matar. Matem-me nem que seja pela vossa incomplacência! (Adelino Timóteo)
Canalmoz
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