Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“A única profissão em que é possivel chegar muito alto sem se saber fazer nada é a política.” José Hermano Saraiva, historiador português.
Posso estar equivocado (a militança da vida tem-me ensinado, entre várias coisas, que podemos sempre estar enganados). É preciso não ter a certeza de coisa nenhuma. Uma coisa, porém, parece certa: nos dias de hoje muitos são aqueles que advogam que os grandes flagelos da humanidade são verdadeiramente os políticos. Com devida indulgência dos que servem o povo com decência humana, acrescentaria, nesse tormento, os governantes! São eles, na verdade, que criam os défices nas contas públicas com o intuito de criar guerras e outras contendas desnecessárias em nome dos superiores interesses das suas nações.
O verdadeiro terrorismo não é apenas o acto bárbaro e cobarde praticado pelo filho de Lúcifer cá na terra, Osama Bin Ladean, e da sua organização terrorista, a Al-Qaeda (ambos dizem pretender equilibrar a balança das injustiças norteamericanas em solo iraquiano, afegão e palestiniano), mas também, sobretudo, a acção dos governantes. São eles (os políticos e os governantes), que amputam o desenvolvimento económico e social das pessoas mais vulneráveis e não só mutilam o progresso do mundo. Um mundo poluído onde os valores humanos desertam, a corrupção impera, o desemprego bate todas as mercas, os Direitos Humanos engavetados. E como forma de empalmar a improdutividade e a ociosidade arranjam constantemente uma forma de trocar, entre eles, habilidades diplomáticas para, entre outras coisas, aguçar ainda mais a dor da agulha picante sobre os seus representantes (in) legais (o povo).
Todo este processo é chamado, pelos diplomatas, de cimeira. E é sobre cimeira que vos vou falar hoje nesta crónica. E porque o assunto é, no entanto, demasiado lato para o espaço que me é concedido semanalmente pela Redacção do Jornal Wamphula Fax, limitar-me-ei a falar, especificamente, da Cimeira EU-África.
Virou mania que a própria moda não consegue esquecer. Já nascem sem agenda e terminam com prosas e versos, palmas e ovações, e no final, produzem uma declaração: “declaração da cidade x ou y.” É uma rotina que não cessa. Às vezes, antes da própria começar, há uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, que também acaba em declarações. Desde que alguém inventou o termo “diplomacia”, lá estão com os mesmos propósitos de sempre: salvar o mundo que eles próprios ajudam a destruir.
A primeira Cimeira da UE-África teve lugar na terra dos faraós, no Cairo, de 3 a 4 de Abril de 2000. A maternidade diplomática pariu, mais uma vez, uma “nova” parceria já existente há séculos de gesta, entre a União Europeia e o continente africano. Na Declaração do Cairo, os Chefes de Estado e de Governo Africanos e Europeus rubricaram diversos compromissos que caíram, a meu ver, em letras mortas, nomeadamente a prevenção, gestão e resolução de conflitos, incluindo as minas terrestres; combate ao HIV/SIDA e outras doenças, democracia, Direitos Humanos e Boa Governação. Letras mortas, porque, na prática, os problemas dos dois continentes (Europa e África) em particular se agudizam disparatadamente, e os do mundo em geral se deterioram impiedosamente.
Dois anos depois da Cimeira do Cairo, realizou-se a Cimeira de Lisboa, de 8 a 9 de Dezembro de 2007, que marca o 50º aniversário da integração europeia e o 50º aniversário do início da independência de África. Nela, foram assinados vários acordos que, a meu ver, também convertidos em pó, “andarão nas asas do vento, ou jazerão nos seios da terra, junto de algum esqueleto”. O que mais me impressiona nesses encontros diplomáticos, para além da acrobacia do luxo e do aparato de segurança que envolve aqueles “seres extraterrestres”, despidos da vergonha (esta palavra não existe no vocabulário dos políticos), é a quantidade de papéis que se produz em artigos, cláusulas e recomendações. A Cimeira de Lisboa não foge à regra. A questão ambiental não passa de contos de fada, para entreter os mais incautos.
Na essência, exceptuando “o caso Robert Mugabe” (o pingue-pongue em torno da presença do presidente zimbabueano na aludida Cimeira esteve na iminência duma “ruptura” diplomática entre a “claque” dos líderes tradicionalistas africanos e a “claque” dos líderes social-democratas europeus liderada pelo então Primeiro-ministro britânico Gordon Brown”); o encontro de Lisboa, memorável por este diferendo, recomenda: “a realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; a constituição de uma sólida arquitectura de paz e segurança em África; a promoção da Boa Governação e dos Direitos Humanos.”
Estas premissas, ornamentadas pelas mais belas palavras das línguas dos Homens, entram em contradição com a realidade circundante. Dados divulgados pelo Relatório do Desenvolvimento Humano, edição de 2009), por exemplo, aponta que em relação aos Objectivos do Milénio “o progresso tem sido lento: mais de um terço da população urbana mundial vive em condições de pobreza, subindo para mais de 60% na África Subsariana.”
O professor de economia da Universidade de Oxford e, ao mesmo tempo, director do Centro para o Estudo das Economias Africano, Paul Collier, identifica quatro constrangimentos do desenvolvimento que impedem que os países em vias de desenvolvimentos (como é o caso de Moçambique) estejam a rastejar economicamente. Diz ele que 73% do “bilião pobre” viveram uma guerra civil, 29% situam-se nos países dominados por políticas corruptas de exploração dos recursos naturais do país, 30% encontram-se em países sem acesso ao mar e 76% estão em países que sofreram longos períodos de má governação e más políticas económicas. Muitos caíram em mais do que uma destas armadilhas.” (V. Estratégia de Assistência do Governo dos Estados Unidos a Moçambique: Estratégia de assistência ao país 2009 – 2014).
Como se pode calcular, os Objectivos do Milénio estão muito longe de serem concretizados. A pobreza e a fome vencem a inteligência dos políticos e dos governantes mundiais. É caricato quanto ilusório os discursos dos líderes europeus e dos seus homólogos africanos que procuram, na esteira das cimeiras, discutir problemas que vivem com eles nas próprias vestes. Ora vejamos, um dos principais pontos da Declaração da Cimeira de Lisboa é “a constituição de uma sólida arquitectura de paz e segurança em África”. Isto é uma miragem, porquanto é a própria UE que, nalgumas vezes, drena milhões de Euros aos governos corruptos e apadrinha eleições fraudulentas em África. A democracia em África é postiça.
Não se pode arquitectar uma cultura de paz com líderes que olham só para si e no seu reino. Os líderes africanos (na sua essência) estão mais preocupados em se manter no poder e criar ‘pequenos herdeiros’ para, entre mais, perpetuar o sofrimento dos seus representantes (in) legais (o povo), daí que a grande preocupação tem sido mandatos e não desenvolvimento dos seus países. É difícil convencer os nossos governantes africanos que eles apenas fazem parte de um momento na vida dos seus países mas não são, em momento algum, o país. Veja-se o exemplo da Costa do Marfim, país que até pouco tempo reinava uma paz triunfante e está na iminência de uma guerra fratricida. O Conselho Constitucional anulou a vitória de Alassane Ouattara proclamada pela Comissão Eleitoral Independente (CEI) e declarou o Presidente Laurent Gbagbo vencedor das eleições da última sexta-feira (3 de Dezembro de 2010).
Lá está mais um conflito político que pode terminar em vítimas mortais. Um conflito para mais uma cimeira! A CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (quão bombeiro sem água e sem meios) já anunciou uma cimeira extraordinária para tentar apagar o fogo!
No nosso país, o Governo anda em zaragata com o vizinho Malawi, por causa do rio Chire, um dos tributários do rio Zambeze. A Somália e a Guiné-Bissau vão provando a velha máxima de que “em todo o reino animal não se conhece família alguma, a não ser a do Homem, que se empregue constante e sistematicamente na própria destruição.” Mas o vírus da hecatombe governamental não só desfila em África. Temos na Europa, os casos da Grécia, de Portugal, da Irlanda, da Espanha que vão criando contaminações às economias até então fortemente sólidas, como é o caso da Alemanha, a Itália, a Inglaterra, a Islândia, etc. É caso para perguntar: afinal o que tanto fazem os governantes de cimeiras em cimeira se não conseguem baixar o índice da pobreza nos seus respectivos países. Cá para mim acho que já era tempo de haver um Tribunal Penal Internacional Político para julgar os políticos e os governantes que passam a vida a dar chucha e chupetas aos seus povos.
A Cimeira de Lisboa ainda produziu uma deliberação que, não sendo possível rir, no mínimo, dá para chorar. “O reforço do investimento, do crescimento e da prosperidade através da integração regional e do estreitamento dos laços económicos.” Se de facto houvesse vontade política dos governantes em dinamizar a integração regional, não teríamos tantas assimetrias regionais no mundo, bem como não teríamos casos gritantes de exclusão social de povos
(vimos muito recentemente o presidente francês Nicolas Sarkozy a impor um duro golpe “intestinal” contra os ciganos alegadamente por serem ‘vuvuzelas da
intraquilidade social’ na França). A “bendita” UE nem sequer piou! A diplomacia é um jogo de interesses. Está dito!
Dois anos depois da Cimeira de Lisboa, Europa e África voltaram a sentar-se à mesma mesa, desta vez em Tripoli, de 29 a 30 de Novembro de 2010. Como é sabido, a Líbia é liderada, de pedra e cal, há 41 anos, pelo ditador Mouammar
Kadhafi. Mais uma cimeira que produziu uma nova declaração, no fundo, com o mesmo teor, e para quê? Para justificar a existência das bibliotecas e servir, como tem sido hábito, neste mês de Pai-Natal e para o resto dos tempos, de cabaz para as arranhas ali viventes, se deliciarem das páginas douradas daquele nobre documento. A Declaração de Tripoli preconiza, entre outras coisas, o investimento, o crescimento económico e a criação de empregos. Isto só visto na política. Os líderes europeus e africanos não perdem mesmo tempo em gastar dos seus orçamentos, em tempo de estiagem, para firmar acordo que sabem, de antemão, que não trará resultados nenhuns. A solução para os problemas do mundo não está nas cimeiras. Os caminhos para a mitigação dos Objectivos do Milénio estão na vontade política.
Repito, as palavras para vencer a pobreza já foram descobertas, falta é salvar o mundo.
Gasta-se tanto dinheiro, à tripa forra, num momento impróprio, de crise! Este mundo é mesmo paradoxo! E agora?
Acabamos com os políticos, com os governantes e com as cimeiras? É uma resposta que tentarei responder nas próximas edições aqui no Wamphula Fax.
‘Kochikuro’ (Obrigado).
Fonte: Wamphula Fax - 08.12.2010
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