Por Mouzinho de Albuquerque
SABEMOS que as transições democráticas em África, claro, depois das guerras sangrentas de libertação do jugo colonial, nunca foram pacíficas, salvo em alguns países. Basta fazer uma incursão ou um olhar retrospectivo sobre a nossa colonização pelas potências europeias para perceber, não somente as bases sociológicas complexas e contraditórias que fragilizam as nações africanas modernas, como também entender a aparente falta de adaptação dessas nações às novas realidades de mudanças multifacetadas que se impõem.
O nosso continente sempre foi vítima do seu próprio passado, palco de guerras, golpes de Estado, conflitos tribais e regionalistas, ajuste de contas, daí que em alguns países haja ainda dificuldades sobre como se situarem entre o presente de tolerância e a democracia e, ao mesmo tempo, em projectarem-se para o desenvolvimento.
Reconhecidamente, o continente africano é um dos protótipos dos países que foram incapazes de gerir correctamente os desafios de desenvolvimento e de reconciliação social e política, tornando-se fenómenos de incompetência, corrupção, miséria e outras mazelas que fazem da África um continente condenado, para a vergonha dos seus mártires e delícia daqueles que pensam que nós africanos somos incapazes de caminhar pelas nossas próprias pernas.
O exemplo disso é o que está a acontecer actualmente na Costa do Marfim, onde existem dois presidentes para um único país, isso porque o cessante, Laurent Gbagbo, que se diz ter sido derrotado pelo seu rival de sempre, Alassane Ouattara, nas eleições, não aceita os resultados da votação. É uma disputa absolutamente incompreensível e injustificável, depois que a comissão nacional de eleições anunciou o vencedor do escrutínio.
Não será exagerado olhar para aquela disputa com redobrada preocupação porque mancha o nosso continente que se pretende mais unido e democratizado para o impulso do combate à pobreza generalizada na nossa mãe África.
A atitude assumida pelo presidente cessante da Costa do Marfim está a dar uma imagem pouco segura quanto às opções democráticas a tomar por parte dos eleitores africanos, em particular naquele país já conturbado. Está a dar um péssimo sinal da democratização em África. Nós, os africanos. Esse tipo de atitudes não cumpre o que a votação nas urnas promete ao eleitor.
Os políticos africanos como Gbagbo precisam de saber que a votação é importante no processo de democratização. É um processo que contribui para a contenção da radicalização das disputas do poder do tipo que está a acontecer naquele país entre facções ou partidos e candidatados presidenciais.
Assumir este tipo de atitude sabendo que relança o país para o caos tanto do ponto de vista político- militar como socioeconómico é, no mínimo, faltar respeito a nossa pobre mãe África. É sobretudo desprezar a vontade expressa pelos eleitores nas urnas. Ou por outra, se está a assistir a um dos momentos mais vergonhosos da história político-democrática do nosso continente.
Um político que foi ou tem sido forçado a democratizar-se, rodeado de altos índices de descontentamento dos seus apoiantes quanto à consolidação desse processo, habituados a resolver os seus conflitos pela via da violência, como poderá acontecer com o presidente cessante da Costa do Marfim, dificilmente será um paradigma de bom comportamento. Infelizmente, o continente está cheio desses exemplos.
Os africanos precisam de valorizar os seus países; tal valorização passa pela busca constante de soluções reais e verdadeiras para os inúmeros problemas que os afligem, como este da Costa do Marfim. Melhor dizendo, aquele país precisa, neste momento, de uma solução pacífica da disputa do poder entre Gabagbo e Ouattara, através, por exemplo, da intervenção firme do organismo continental, a União Africana.
Devemos, igualmente, valorizar o nosso continente, na perspectiva de que quanto mais os países que nele fazem parte realizam eleições multipartidárias isso signifique, efectivamente, o erguer e reeguer de um compromisso que compartilhado por todos os intervenientes no processo em relação às práticas democráticas, respeito mútuo, objectividade na apreensão do real e da imparcialidade. (Mouzinho de Albuquerque)
Fonte: Jornal Noticias - 09.12.2010
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