ECONOMICANDO
Por João Mosca
A frase “os pobres dos países ricos financiam as elites (ricos) dos países pobres” é em grande medida certa. Ou pelo menos não é errada. Este texto procura fundamentá-la.
Há países como Moçambique, onde a cooperação representa mais de 20% do Produto Interno Bruto.
Este valor reflecte parcialmente o grau de dependência económica. Se for analisado o peso dos recursos externos no Orçamento do Estado (mais de 50%) e no investimento público (mais de 80% em alguns sectores), que mais de 80% do investimento total é estrangeiro, então a ideia de dependência vai ficando clarificada. Se for considerado que perto de 70% das exportações são provenientes de grandes projectos (alumínio, electricidade e gás), dos quais apenas a electricidade possui o centro de decisão em Moçambique e com muitos poucos beneficiários directos, começa-se não tendo dúvidas da dependência.
Se relacionado a estes aspectos se juntar os mecanismos de formulação de políticas económicas e as condicionalidades dos doadores, passamos a um novo conceito/valor que é o da soberania. E se verificarmos de onde provêm os rendimentos da maioria da elite nacional (salários pagos com dinheiro externo por via do orçamento, participações em muitas empresas sem realização de capital, condições de trabalho suportados pela cooperação através dos programas de ”capacitação institucional, etc.), então começa a não haver dúvidas sobre os benefícios que as elites auferem dos recursos externos.
Não há estudos em Moçambique que indicam qual a percentagem dos fundos dos projectos que têm como beneficiários os camponeses, comunidades, etc., chega efectivamente aos destinatários. Em outras realidades, há casos que não ultrapassa os 30%, ficando o restante para pagar técnicos estrangeiros e nacionais, consultorias, viagens, hotéis, workshops, reuniões em hotéis de luxo, etc.
Primeira conclusão: grande parte dos recursos externos são utilizados nas cidades beneficiando as elites do Estado, empresários (ou supostos empresários) e técnicos.
E de onde vem o dinheiro da cooperação? Grande parte provém directa ou indirectamente dos orçamentos dos países desenvolvidos que são principalmente suportados pelos impostos sobre os rendimentos de assalariados, isto é, as classes de rendimento médio e baixo.
Então é fácil concluir que são os “pobres” dos países ricos que suportam em grande medida, os salários, as condições de vida, as mordomias e os técnicos das empresas de serviços relacionados com a cooperação. São os investimentos directos estrangeiros que permitem as “boleias” dos “investidores” nacionais que oferecem “conhecimento da realidade”, isto é, tráfego de influência. Os fundos para créditos bonificados para algumas actividades subsidiam os empresários (pelo simples facto de possuírem empréstimos mais baratos) e também porque as taxas de reembolso são geralmente muito baixas.
Um passo mais na reflexão e então pode-se chegar à seguinte pergunta: há cooperação entre estados ou entre elites (dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento) onde os estados são apenas instrumentos?
As elites dos países receptoras não só se beneficiam dos recursos de forma directa. Os recursos externos reforçam o Estado e o poder de quem o detém. E através dele, estabelecem-se relações com negócios, seja por via das negociações, autorizações e licenciamentos, como por meio da corrupção (comissões) e pela participação em sociedades sem realização de capital. Este é, em alguns países pobres, o mecanismo central da promiscuidade entre poder e negócios reforçando-os mutuamente. E constitui o padrão de acumulação dominante.
E como as elites dos países desenvolvidos se beneficiam da cooperação? De várias formas, como por exemplo:
• Existem casos, também em Moçambique, em que o perdão da dívida externa se transformou a preços baratos, em activos das empresas cujos capitais são originários dos países credores, reforçando a capacidade financeira dessas empresas.
• Os recursos das doações e das concessões de linhas de crédito são, na sua maioria, para importação de equipamentos, técnicos, bens e serviços originários desses países, aumentando as exportações e com isso, o PIB, o emprego, o rendimento das famílias, as receitas públicas, etc. Desta forma, a cooperação está geralmente associada a interesses económicos, reforçando-se mutuamente.
Mas os pobres dos países receptores da ajuda não são beneficiados? Em parte. As escolas e postos de saúde, os poços de água, a assistência sanitária, a ajuda alimentar, etc., beneficiam os mais pobres dos países pobres.
Aprofundando ao raciocínio, a questão não é apenas contabilística, isto é, qual a percentagem da ajuda e da cooperação que chega aos grupos-alvo dos projectos. Será que esses benefícios e objectivos (os referidos no parágrafo anterior), não são em muitos casos uma forma de legitimação da cooperação segundo o seu significado “puro/manipulado”, uma maneira da opinião pública nos países desenvolvidos (os tais financiadores) se manter disponível para que os seus governos dediquem parte dos seus impostos em benefício de outros?
Mais, quando os níveis de dependência são elevados e prolongados, e sobretudo quando implicam que as políticas económicas e alguns posicionamentos internacionais dos países pobres são condicionados, então está em causa a soberania. As elites dos países pobres têm perfeita consciência desses aspectos. E então porque não se encontram estratégias de redução da dependência e de recuperação da soberania?
Isso não acontece, essencialmente, porque quando a dependência é grande e prolongada, os recursos externos configuram e dominam os padrões de acumulação interna, os mecanismos de reprodução económica ficam subjugados e os interesse privados e de grupo não podem sobreviver sem a cooperação.
E, nestas circunstâncias, os países ricos e as suas elites estão interessados em suportar as economias de alguns países. As elites e os ricos dos países pobres, porque dependentes desses mecanismos, também não podem nem querem libertar-se. Consequentemente, emerge a corrupção, o Estado alienado, um capitalismo ineficiente e uma elite endinheirada parasita dos pobres dos países ricos.
É certo que a cooperação tem elementos de relações entre estados e que existem outras abordagens sobre a cooperação. Mas não era esse o objecto deste texto. Alguma falácia, incoerência ou inconsistência no texto?
SAVANA – 27.11.2009, in Mocambique para todos
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