sexta-feira, dezembro 04, 2009

Gestão da coisa pública

Editorial
Magazine independente

Moçambique possui idade suficiente para começar a enveredar por um processo objectivo e padronizado de gestão da coisa pública, pelo que alguns mecanismos de controle de despesa e de aplicação de fundos públicos já deveriam ter sido uniformizados, para que situações idênticas sejam alvo de tratamento idêntico, a bem do erário público e da construção da cultura de integridade pública no País.
Por exemplo, aquando da sua tomada de posse como ministro do Interior, em 2005, José Pacheco mandou realizar uma auditoria às contas e gestão do seu predecessor, Almerino Manhenje, o que culminou com a descoberta de um desfalque financeiro superior a 220 milhões de meticais, em cinco anos de gestão, o que, mais tarde, resultou na prisão preventiva do antigo ministro do Interior e de oito dos seus mais directos colaboradores na gestão de fundos da instituição.
Todavia, o mesmo gesto, o de mandar auditar as contas dos seus predecessores, não foi seguido pelos demais ministros do mesmo Governo. Porquê?
Aliás, questiona-se se a auditoria às contas da gestão de Manhenje teria sido, realmente, iniciativa de José Pacheco ou, se, pelo contrário, tal não terá provindo de uma decisão política do novo Governo, com vista a quebrar a espinha dorsal da equipa governativa anterior!
O que estamos, aqui, a sugerir é que todos os Ministérios, independentemente do nome do ministro que lá esteja, deveriam ser objecto de auditorias regulares, todos os anos, e de uma auditoria minuciosa, mais abrangente, no final de cada cinco anos, por forma a que o novo ministro saiba, em concreto, em que estágio encontra o seu novo local de trabalho.
Se o nosso País pretende trilhar os caminhos de um verdadeiro Estado de Direito democrático, tal como vem plasmado na Constituição da República, não tem outra alternativa, se não vincular-se à Lei e punir todos aqueles que agem em afronta às leis e regulamentos administrativos relevantes.
Não se percebe como é que o Governo de Moçambique deixou a delapidação da empresa Aeroportos de Moçambique chegar até aonde chegou, sem que nenhum s int oma de mal estar incomodasse o Executivo, nem, mesmo, o IGEPE. Isso prova que, após as respectivas nomeações, o Governo não possui mecanismos de verificação e controle, independentes dos ministros de tutela, para saber a quantas andam as empresas públicas nacionais. Logo, um arranjo predador entre um ministro de tutela e um PCA de certa empresa pública é mais do que suficiente para uma delapidação prolongada do património comum, para o enriquecimento de um punhado de famílias. Era o que estava a acontecer na ADM. É o que deve estar a acontecer em dezenas de outras empresas públicas, ainda não denunciadas.
Sentimos que deveria estar bem claro, por escrito, o âmbito e o limite do poder tutelar dos ministros sobre as empresas públicas sob sua alçada, sendo, portanto, ilegal, e de se recusar, pelos respectivos PCAs, tudo o que extravase o âmbito e o limite legais da competência ministerial sobre as empresas em causa.
Isso, em nosso modesto entender, evitaria a vergonha nacional que somos, todos, forçados a testemunhar, no julgamento do “caso Aeroportos”, onde, por um lado, se vê a ilimitada ganância de uma equipa predadora, instalada na empresa e, por outro, uma tutela ministerial, igualmente, faminta e predadora, a sugarem, todos, da mesma teta pública.
O mais grave de tudo isso, tal como já nos referimos exaustivamente, semana passada, é que o caso em julgamento não é o único, nem é isolado. Ele constitui o padrão comum da delapidação dos bens públicos em Moçambique. Constitui o padrão comum da acumulação capitalista, pela elite política do nosso País, isto é, é desse jeito que a maioria dos actuais dirigentes do País conseguiu acumular as suas enormes fortunas pessoais e familiares; daí a relutância do sistema em agir de forma mais vigorosa e em respeito às normas internacionais de salvaguarda da integridade pública, na gestão do bem comum.
Noutros países, as pessoas acumulam, primeiro, bens e riqueza, para, depois, se candidatarem a prestar serviço público no Governo. Entre nós, as pessoas lutam, acotovelam-se, consultam e contratam serviços de adivinhos e curandeiros para chegarem ao Governo, com o fito jurado de ficarem ricas, o mais depressa possível, não importa por que meios! Daí o vale tudo, a competição desenfreada no saque, o que traz, como resultado, a perpetuação da pobreza absoluta do povo moçambicano e o prolongamento da dependência do País em relação à ajuda externa.
Chegados aqui, reiteramos a nossa exigência de que o Governo de Moçambique tome uma posição inequívoca contra a corrupção na administração pública, estabelecendo mecanismos transparentes e objectivos de selecção e nomeação de quadros para sectores importantes da vida nacional, bem como adoptando mecanismos regulares de verificação e controle da contínua adequação das pessoas nomeadas aos padrões de integridade exigidos para o desempenho de funções públicas, num Estado baseado na legalidade, prestação de contas e transparência na gestão da coisa pública.
É preciso a todos enviar uma clara mensagem de que gerir coisa pública é muito diferente de gerir coisa pessoal ou privada.
É fundamental que os ladrões de coisa pública, como parece ser o “caso Cambaza”, sejam exemplarmente punidos, de forma a desencorajarem eventuais futuros seguidores do mesmo mau caminho.
Mas é premente que o Governo estabeleça mecanismos concretos e funcionais, que evitem futuros Cambazas na gestão de bens públicos, sob pena de as pessoas continuarem a pensar que Cambaza é o protótipo, o padrão da gestão governamental do bem comum, o que em nada dignifica, nem ao Governo, muito menos, ao bom nome de Moçambique.

MAGAZINE INDEPENDENTE (02.12.2009)

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